Acórdão nº 205/99 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Abril de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução07 de Abril de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 205/99

Proc. nº 222/98

  1. Secção

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

1. A... foi acusado e pronunciado em 1/9/94 pela prática de um crime de ofensas corporais negligentes, crime previsto no artigo 148º, nº 1, do Código Penal de 1982, na redacção anterior à revisão introduzida pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, ao qual correspondia a pena de prisão até seis meses e multa até cinquenta dias.

Por despacho de 23 de Setembro de 1997, proferido no 9º Juízo Criminal de Lisboa, foi declarado prescrito o procedimento criminal, em virtude de se ter considerado decorrido o prazo de dois anos, previsto no artigo 117º, nº 1, alínea d) do Código Penal de 1982, sem que tivesse ocorrido qualquer causa susceptível de interromper ou suspender o decurso do prazo prescricional, nos termos dos artigos 119º e 120º do Código Penal. Determinou-se, em consequência, o arquivamento dos autos. Desse despacho interpôs recurso o assistente, J..., invocando a interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal antes de 12/12/95, momento da notificação para as primeiras declarações do arguido na fase do inquérito. O fundamento da solução propugnada foi a interpretação "forçosamente actualista", após 1987, do artigo 120º, nº 1, alínea a), do Código Penal, segundo a qual tal norma passaria a referir à constituição de arguido e à fase do inquérito (artigo 57º do Código de Processo Penal) o momento da interrupção da prescrição que o legislador de 82 referira à instrução preparatória, durante a vigência do Código de Processo Penal de 1929.

Na contra-motivação do recurso, o arguido sustentou que a interpretação proposta violaria os artigos 120º, nº 1, alínea a), e 2º, nº 1, do Código Penal, bem como o artigo 9º, nº 2, do Código Civil, "por não ter a interpretação proposta o mínimo suporte na literalidade do texto legal", e sustentou, ainda, que a referida interpretação violaria o art. 29º, nº 1 e nº 3, e art. 32º, n º 1 e nº 4, da C.R.P. na sua redacção de 1992.

2. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Janeiro de 1998, que se pronunciou sobre o recurso interposto pelo assistente, foi decidido que o prazo prescricional do procedimento criminal não prescrevera com fundamento em que:

  1. Dever-se-ia realizar uma interpretação extensiva do artigo 120º, nº 1, alínea a), do Código Penal, afirmando-se que tal "não é proibido pelo artigo 4º do Código de Processo Penal - com fundamento na identidade de razão no sentido de que a notificação ao arguido do despacho do Ministério Público para interrogatório e a realização deste tem efeito interruptivo do prazo de prescrição do procedimento criminal". Esta interpretação impor-se-ia pela obrigatoriedade da constituição de arguido "logo que, correndo inquérito contra pessoa determinada, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, sendo certo que se trata de acto processual donde se alcança o estatuto de arguido passando a ser sujeito de direitos e obrigações enunciadas no artigo 61º do Código de Processo Penal" e por o Ministério Público também proferir actos decisórios nos termos do artigo 97º do Código de Processo Penal;

  2. O artigo 11º, alínea a), do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, que aprovou o Código Penal revisto, circunscreveria o campo de aplicação da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do Código Penal de 1982, na sua versão originária, enquanto referido à instrução preparatória, ao período de vigência do Código de Processo Penal de 1929. Dizia-se que em tal diploma se estabelecia que, nos processos instaurados até 31 de Dezembro de 1987, a prescrição do procedimento criminal era interrompida com a notificação para as primeiras declarações, para comparência ou para interrogatório do agente como arguido na instrução preparatória. Isto significaria que "o legislador reproduziu a norma da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do Cód. Penal de 1982, versão originária, reportando-a ao período de vigência do Cód. Proc. Penal de 1929" e que "a norma do art. 11º al. (a) do Dec-Lei nº 48/95 de 15 de Março reforça a interpretação extensiva ou actualista da al. a) do nº 1 do art. 120 do Cód. Penal de 1982 para o tempo de vigência do Cód. de Proc. Penal de 1987".

  3. Deste acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 70º, nºs 1, alíneas b) e f) e 2º da Lei do Tribunal Constitucional, com fundamento em que o artigo 120º, nº 1, alínea a), do Código Penal de 1982, sujeito à interpretação extensiva propugnada no acórdão citado, seria inconstitucional por violar os artigos 29º, nºs 1 e 2, e 32º, nºs 1 e 4, da Constituição.

Nas contra-alegações apresentadas pelo Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, foi suscitada a questão prévia do não conhecimento do recurso por a questão de constitucionalidade não ter sido suscitada durante o processo de modo adequado, com fundamento em que tal questão não fora levada às conclusões da peça processual referida. E, subsidiariamente, o Ministério Público junto do Tribunal veio a entender que o artigo 120º, nº 1, alínea a), do Código Penal violaria o artigo 29º, nº 4, da Constituição.

Nas contra-alegações do recorrido, foi, igualmente, suscitada a questão prévia de inadmissibilidade do recurso por a questão de constitucionalidade não ter sido suscitada durante o processo.

O recorrente respondeu à questão prévia, invocando que suscitara a questão de constitucionalidade antes de esgotado o poder de decisão do Tribunal recorrido na contra-motivação do recurso. Alicerçou a sua posição no entendimento da ausência de uma expressa exigência de invocação formalizada de inconstitucionalidade ao ponto de se impor que a questão suscitada o seja em sede de conclusões. Por outro lado, o recorrente argumentou que o facto de o Tribunal recorrido não ter tratado da questão não é, por si, impeditivo do conhecimento da mesma pelo Tribunal Constitucional, pois tal seria uma incompreensível "limitação do direito ao recurso", no caso de o Tribunal recorrido ter aplicado efectivamente a norma.

II

Fundamentação

A

A questão normativa objecto do recurso de constitucionalidade

4. É objecto do presente recurso de constitucionalidade o confronto de uma interpretação do artigo 120º, nº 1, alínea a), do Código Penal de 1982 com os artigos 29º, nºs 1 e 2 e 32º, nºs 1 e 4, da Constituição.

Consubstancia um tal confronto uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa para cujo conhecimento o Tribunal Constitucional tem competência ou estar-se-á, apenas, perante o pedido de apreciação de uma eventual contradição da decisão recorrida, na sua substância meramente decisória, com a Constituição?

Impõe-se o entendimento segundo o qual o Tribunal Constitucional se confronta, neste caso, com uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, apesar de tal questão resultar de o tribunal recorrido ter atingido um resultado interpretativo eventualmente proibido, em face das restrições interpretativas impostas pelo princípio da legalidade em direito penal.

Com efeito, várias razões intercedem a favor de que a questão colocada não pretende suscitar o mero controlo pelo Tribunal Constitucional da decisão recorrida.

Assim, desde logo, o recorrente não submete à apreciação do Tribunal Constitucional um processo interpretativo utilizado pontualmente na decisão recorrida, isto é, a inserção do caso concreto num âmbito normativo pré-determinado pelo julgador. Não é um tal momento de sotoposição do caso no quadro lógico decorrente da interpretação da norma o que verdadeiramente se questiona, mas antes um certo conteúdo interpretativo atribuído ao artigo 120º, nº 1, alínea a), o qual é identificado. Questiona-se, sem dúvida, se a fixação...

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