Acórdão nº 254/98 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Março de 1998

Magistrado ResponsávelCons. Ribeiro Mendes
Data da Resolução05 de Março de 1998
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 254/98

Proc. nº 91/97

  1. Secção

Rel: Cons. Ribeiro Mendes

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. A., arguido em autos de processo penal, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa de despachos proferidos pelo Juiz de Instrução Criminal de Lisboa sobre requerimentos por si apresentados, sustentando que transitara em julgado um anterior despacho a ordenar a notificação dos vários assistentes para constituírem um só advogado e que o segundo despacho impugnado reduziria a letra morta o preceito do nº 1 do art. 70º do Código de Processo Penal, pois que a incompatibilidade de interesses a que alude o nº 2 do mesmo artigo poderia compreender razões de desconfiança em pessoa ou pessoas de advogados, desde que objectivas, verdadeiras e plausíveis, não bastando uma mera declaração dos assistentes no sentido de que confiavam apenas naqueles que haviam por eles sido escolhidos.

    Por acórdão de 12 de Novembro de 1996, a Relação de Lisboa concedeu provimento ao recurso. Sobre a questão da inconstitucionalidade do art. 70º, nº 1, do Código de Processo Penal suscitada pela assistente A., aquela Relação, depois de transcrever os arts. 13º, nº 1, 20º, nº 2, e 37º da Constituição e os arts. 54º, nº 2, e 78º, alínea g), do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, afirmou o seguinte:

    " Quer da análise atomística dos preceitos acabados de transcrever, quer do cotejo entre eles, ressalta com clareza que a tese das assistentes é infundada e inconsistente.

    Para nós, esta inconsistência deve-se, essencialmente, a dois motivos.

    Em primeiro lugar, ela é imputável a uma sobrevalorização da figura de assistente;

    Em segundo lugar, ela é atribuível a uma reflexão, salvo o devido respeito superficial, dos preceitos tanto constitucionais como ordinários.

    Com efeito, é preciso ter-se na devida conta que os assistentes são sujeitos processuais subordinados ao Ministério Público, têm uma posição de colaboradores, no dizer da própria lei.

    De modo que os seus estatutos processuais não os coloca[m] num pedestal tão elevado quanto as ilustres respondentes parecem fazer crer.

    Repare-se até que, muito provavelmente, terá sido esta posição, de mera colaboração, que terá levado o legislador a considerar a multiplicidade de assistentes indesejável e a preteri-la pela unicidade de representação. Na verdade, e em princípio, mais do que facilitar a missão do Ministério Público, a representação múltipla complica-a ou pode complicá-la.

    Por outro lado, como se compreenderia que a lei adjectiva proibisse a representação una aos assistentes, meros colaboradores do Ministério Público, e já a permitisse aos arguidos como emerge do art. 65º pré-citado?

    Estariamos caídos noutra inconstitu-cionalidade?

    Mas a inconsistência da alegada inconstitucionalidade do art. 70º do C. P. Penal deve-se ainda, como se disse atrás, a uma análise pouco profunda dos preceitos legais que invocaram.

    Senão vejamos:

    É preciso ver que a lei impõe a representação unitária apenas em relação a cada uma das infracções [...].

    Depois, a lei, em relação a cada um dos assistentes, não faz cessar o mandato judicial. Determina apenas que eles se concertem quanto à escolha de um só advogado que será intermediário, prima facie, entre aqueles e o Ministério Público e, só num segundo momento, entre eles e o Tribunal.

    A situação de um único intermediário em nada afecta as estratégias e as tácticas dos assistentes, antes lhes confere maior versatilidade e eficácia, na medida em que a tarefa do Ministério Público, de quem é auxiliar, fica mais facilitada.

    Mas se porventura afectasse, o assistente só tinha que a denunciar ao tribunal. E se o Juiz concluísse pela incompatibilidade de interesses, segundo o seu prudente arbítrio, logo faria cessar a unidade de representação [...].

    Em face destes considerandos que acabam de ser expostos e nos quais, estamos certos, as assistentes também convirão, como é que se pode afirmar que o art. 70º consagra um verdadeiro atentado ao princípio da liberdade de escolha de mandatário judicial?" (a fls. 62 a 64)

    Notificada desta decisão, veio a assistente A. interpor recurso da mesma para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, depois de não ter sido admitido recurso por ela interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.

    O recurso de constitucionalidade foi admitido por despacho de fls. 77.

  2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.

    Nas suas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:

    " 1. O artigo 70º do Código de Processo Penal é ilegal porque viola, infundamentada e injustificadamente, formal e materialmente, os regimes previstos nos artigos 54º e 78º, alínea g), do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março;

  3. O artigo 70º do Código de Processo Penal é inconstitucional, materialmente inconstitucional, porque, ao consagrar a regra da unicidade de representação por advogado e a imposição, por decisão judicial, da escolha deste último:

    1. afecta, restringe e coarcta princípios gerais constitucionais que, constituindo direitos fundamentais, integram o denominado sistema de protecção dos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente o princípio do acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição da República, quer na sua forma lata de acesso ao direito e aos tribunais para defesa de direitos e interesses legítimos, quer na sua modalidade específica de direito ao patrocínio judiciário;

    2. viola, especificamente, o direito fundamental de liberdade de expressão, consagrado no artigo 37º da Constituição da República Portuguesa, no seu afloramento específico de expressão, através de advogado, de um conjunto de ideias visando a defesa de interesses pessoais legalmente protegidos;

    3. restringe direitos fundamentais constitucionalmente consagrados sem que, para tanto, esteja preenchido qualquer dos pressupostos estabelecidos no artigo 18º da Constituição;

  4. O Acórdão recorrido aplicou uma nova inconstitucionalidade, tendo promovido para tanto uma errónea, injustificada e ilegal desvalorização jurídico-prática da especial força constitucional de tais direitos, tal como se encontra consagrada no mesmo artigo 18º da Lei Fundamental." (a fls. 86-87 dos autos)

    O Ministério Público, por seu turno, propugnou pela confirmação do acórdão recorrido, tendo, assim, concluído as suas contra-alegações:

    "

    1. Não viola o direito de acesso aos tribunais, afirmado pelo artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, a limitação ao direito à livre escolha de mandatário judicial próprio, no caso de pluralidade de assistentes por uma mesma infracção penal, cujos interesses sejam compatíveis, em consequência de o artigo 70º do Código de Processo Penal estabelecer o princípio de unicidade do mandatário que a todos deva representar e cometer ao juiz o suprimento de falta de acordo dos interessados acerca da respectiva designação.

    2. Na verdade, tal limitação - que tem na sua raiz a tutela do interesse na celeridade e simplicidade da tramitação do processo penal, eventualmente entravada pela proliferação de representantes judiciários da acusação - revela-se como proporcional e adequada ao estatuto processual do assistente em processo penal, mero colaborador subordinado ao Ministério Público." (a fls. 101-102)

  5. Foram corridos os vistos legais.

    Impõe-se, assim, conhecer do objecto do recurso, por não haver razões que a isso obstem.

    II

  6. A recorrente imputa os vícios de...

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