Acórdão nº 498/98 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Julho de 1998

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução02 de Julho de 1998
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 498/98

Proc. n.º 336/97

1 ª Secção

Relator — Paulo Mota Pinto

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório:

    1. J. L. foi condenado na 3ª Vara Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa nas penas parcelares de 2 anos e 10 meses de prisão, pela comissão de um crime de homicídio negligente previsto e punido pelo artigo 136º, n.º 2 do Código Penal, e de 2 anos de prisão e 200 dias de multa a 2500$00 diários e de um ano de prisão e 100 dias de multa àquela mesma quantia, por dois crimes de omissão do dever de auxílio, previstos e punidos pelo artigo 219º, n.º 1 do mesmo Código. Operando o cúmulo, foi o arguido condenado na pena unitária de 4 anos de prisão e de 300 dias de multa a 2500$00 diários, dos quais 2 anos de prisão foram perdoados "em virtude da aplicação do perdão contido nas Leis n.ºs 23/91, de 4 de Julho e 15/94, de 11 de Maio".

    2. Inconformados com esta decisão, recorreram o arguido e o Ministério Público.

      O primeiro defendeu, designadamente, que a pena respeitante ao homicídio negligente não podia ultrapassar os 2 anos de prisão e multa correspondente, por não se ter provado que o arguido fosse condutor habitualmente negligente, e que os crimes de omissão de auxílio se deveriam considerar abrangidos pelas referidas leis de amnistia de 1991 e 1994, pelo que, a ser aplicada alguma pena ao arguido, ela deveria ser suspensa na sua execução.

      O Ministério Público, por sua vez, sustentou que a condenação por homicídio negligente deveria ser reduzida a 1 ano e 10 meses de prisão, por aplicação do regime, concretamente mais favorável, do Código da Estrada de 1954, e que igual pena deveria ser-lhe imposta por um dos crimes de abandono de sinistrado, tendo em atenção o artigo 72º do Código Penal, pelo que a pena unitária deveria ter sido fixada em 3 anos de prisão e 280 dias de multa à razão diária de 2500$00.

    3. Por Acórdão de 28 de Novembro de 1996, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu parcialmente provimento aos recursos e, atentas as alterações das punições parcelares, fixou a pena unitária a aplicar ao arguido em 3 anos e 6 meses de prisão, sem qualquer multa.

      Todavia, considerou o Supremo Tribunal de Justiça que se não podia aplicar ao arguido o perdão previsto na Lei n.º 15/94, de 11 de Maio, em virtude de o artigo 2º, alínea c) deste diploma "proibir tal aplicação aos condutores de veículos automóveis que tenham cometido infracções estradais (que, ao tempo, incluíam os homicídios negligentes cometidos no exercício da condução) praticadas com abandono das vítimas (ou, na terminologia actual, com comissão do crime de omissão de auxílio)." Só beneficiando o arguido do perdão de 1 ano de prisão previsto na Lei n.º 23/91, foi a sua pena fixada em 2 anos e 6 meses de prisão.

    4. Notificado desta decisão, o arguido veio arguir a nulidade do acórdão, por violação da proibição da reformatio in pejus, consagrada no artigo 409º do Código de Processo Penal.

      É que, condenado na 1ª instância a uma pena unitária de 4 anos de prisão e 300 dias de multa, o arguido viu serem-lhe perdoados nessa instância 2 anos de prisão, tendo que cumprir os restantes 2 anos de prisão. Enquanto, condenado embora pelo Supremo Tribunal numa pena unitária inferior (3 anos e 6 meses de prisão), o arguido acabou por ver agravada em 6 meses a pena que tem que cumprir, por só lhe ter sido perdoado um ano de prisão. Surpreendido com este resultado, o arguido sustentou que a interpretação e aplicação da proibição contida no artigo 409º do Código de Processo Penal, pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de não abranger a revogação do perdão de pena aplicado na decisão recorrida, violou, designadamente, os "arts. 9º, al. B), 18º, n.º 1, 32º, n.º 1 e 205º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e, mais precisamente, as garantias de defesa do arguido".

    5. Por Acórdão de 3 de Abril de 1997, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a arguição de nulidade, considerando que:

      "Não houve, por consequência, qualquer ‘reformatio in pejus’, quando, se diminuiram, conforme era pedido nos recursos, as penas parcelares e a pena unitária aplicada ao recorrente, mas simultaneamente se repôs a legalidade decorrente da imposição legal constante da proibição de aplicabilidade ao caso dos autos da própria lei que a primeira instância, inexplicável e talvez automaticamente, mas sem qualquer justificação, entendeu aplicar à situação do arguido."

    6. É desta decisão que o arguido recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, para apreciação da conformidade à Constituição do artigo 409º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a proibição de reformatio in pejus, prevista nesta norma não abrange a revogação, pelo tribunal superior, do perdão concedido pela 1ª instância.

      Nas alegações apresentadas o recorrente concluiu do seguinte modo:

      "I – Foi o presente recurso interposto do Acórdão do S.T.J., de 3 de Abril de...

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