Acórdão nº 635/11 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução20 de Dezembro de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 635/2011

Processo n.º 548/10

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, al. b), da CRP e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do Acórdão n.º 7/2010, proferido pela 3ª Secção do Tribunal de Contas, em 28 de Maio de 2010 (fls. 63 a 110), para que seja apreciada a constitucionalidade da norma extraída da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei nº 48/2006, de 29 de Agosto, por violação do princípio da legalidade penal, consagrado no n.º 1 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa.

  2. Notificado para tal pela Relatora, o recorrente produziu alegações, das quais se podem extrair as seguintes conclusões:

    a) A recorrente, Presidente da Câmara Municipal de Setúbal, por decisão da 3ª Secção do Tribunal de Contas, proferida em processo para efectivação de responsabilidade financeira sancionatória, foi condenada ao pagamento de uma multa de 17 UCs;

    b) Por se ter considerado que, pelo facto de ter participado numa deliberação daquele órgão autárquico, que aprovou, por forma que foi considerada ilícita, a celebração, por ajuste directo, de um contrato adicional a uma empreitada em curso, com o adjudicatário da empreitada primitiva, se colocara sob a alçada da disposição punitiva da alínea b) do art. 65° da LTC;

    c) De acordo com tal disposição, fica sujeito a responsabilidade financeira sancionatória quem violar normas relativas à “assunção, autorização ou pagamento de despesas públicas ou compromissos”, tendo sido em tal disposição que o douto acórdão sob recurso considerou integrar-se a conduta imputada à aqui recorrente;

    d) Nos termos da própria decisão recorrida e das alegações, que nessa parte tiveram acolhimento, do Digníssimo Magistrado do Ministério Público, tal preceito funciona como uma norma geral sancionatória e reporta-se à violação de quaisquer normas sobre a “assunção, autorização ou pagamento de despesas públicas ou compromissos”, remetendo o conteúdo incriminatório para todas e quaisquer normas relacionadas com a realização de despesa, considerando-se ainda que, pela complexidade da actividade administrativa, nunca seria viável uma descrição tipificada das múltiplas condutas que poderiam conduzir a uma responsabilidade financeira sancionatória;

    e) Tal norma, com tal sentido e alcance que, efectivamente, resulta do seu teor literal, infringe patetamente as exigências de tipificação inerentes ao princípio da legalidade penal, inscrito no art. 29 da Constituição da República, já que conduz a um sancionamento de “tudo o resto e do mais que haja” para além daquilo que está - especificadamente previsto, em termos de ilicitude na realização de despesas e na assunção de compromissos, nas demais alíneas da citada disposição do art. 65° da LTC;

    f) Pois tal amplitude, generalização e imprecisão de tal norma, não se coaduna com as exigências resultantes daquele princípio, que impõe que a lei incriminadora descreva o mais pormenorizadamente possível a conduta que qualifica como um crime, se abstenha de utilizar cláusulas gerais para definição dos crimes, conceitos indeterminados, fórmulas vagas na descrição de tipos legais, devendo ter um conteúdo autónomo e suficiente, possibilitando um controlo objectivo da sua aplicação individualizada e concreta;

    g) A Constituição da República, em termos de direito sancionatório público, para além da punição dos ilícitos penais, apenas permite o sancionamento de ilícitos contraordenacionais e ilícitos disciplinares, não podendo a lei prever qualquer outro tipo de ilícitos que não se enquadre num daqueles três tipos, que fixa, assim, um numerus clausus, vigorando, desse modo, um princípio de tipicidade de tipos sancionatórios;

    h) Sendo inequívoco que a responsabilidade financeira sancionatória não tem natureza contraordenacional nem disciplinar, é forçoso atribuir-lhe uma natureza penal;

    i) Natureza penal que resulta também patente do facto de lhe ser aplicável uma multa, sanção em todo igual a idêntica pena prevista no Código Penal;

    j) Sendo tal tipo de ilícitos sancionados através dos meios jurisdicionais — o que definitivamente os afasta quer do ilícito contraordenacional quer do ilícito disciplinar — com recurso aos princípios, quer adjectivos quer substantivos, do direito penal;

    l) Desse modo, é inequívoco que o art. 29° da Constituição da República se aplica directamente à disposição sancionatória, cuja constitucionalidade material se sindica no presente recurso;

    m) E, ainda que se atribuísse a tal norma sancionatória uma natureza não penal, tal disposição constitucional também se lhe aplicaria, já que, como é entendido na doutrina e na jurisprudência desse Tribunal, o princípio da legalidade penal fixado no art. 29° da Constituição da República, aplica-se por analogia constitucional, a todas as situações de direito sancionatório público;

    n)...

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