Acórdão nº 581/11 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução29 de Novembro de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 581/11

Processo n.º 100/11

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria João Antunes

Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. recorrido Serviços Sociais da Guarda Nacional Republicana, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 25 de Novembro de 2010.

    2. O recorrente intentou acção declarativa contra o recorrido, pedindo que este fosse condenado a reconhecer-lhe o direito à transmissão, por morte, de contrato de arrendamento celebrado em Abril de 1966, em que figurava como arrendatário o pai do autor. A acção foi julgada improcedente. Foi, então, interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que acordou em “julgar improcedente o recurso de apelação (…) e, nessa medida, confirmar o saneador/sentença proferida pelo tribunal da 1.ª instância”.

      Da discussão da causa em 1.ª instância resultaram provados, entre outros, os seguintes factos:

      1. Em Abril de 1966, os Serviços Sociais da Guarda Nacional Republicana atribuíram uma fracção a B. título de arrendamento;

      2. À data da morte de B. 1/02/2005), este vivia com a mulher, C. com o filho, A.

      3. C., mãe do recorrente, faleceu no dia 10/02/2008.

        Na parte relevante para a apreciação do presente recurso, importa transcrever o seguinte do acórdão recorrido:

        «B3 – INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 57.º DA LEI N.º 6/2006 DE 27/02

        É claro que o recorrente pugna pela inconstitucionalidade de tal regime legal, por violação dos princípios da confiança e da igualdade dimanados pelos art.ºs 2.º, 13.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa.

        Entende que era titular de legítimas expectativas, incutidas pelo anterior regime legal (artigos 85.º, número 1, alínea b) do RAU e 1111.º do Código Civil, sendo que actualmente, no quadro do NRAU, esse mesmo instituto acha-se regulado pelo artigo 1106.º do Código Civil), que lhe garantiam, com o falecimento de sua mãe, a aquisição, em virtude de nova transmissão da respectiva posição locatícia, do vínculo jurídico respectivo.

        Compreende-se a indignação do recorrente, derivada da modificação substancial do enquadramento jurídico do instituto em discussão, mas será que tal alteração, ainda que severa (nas palavras dos anotadores acima transcritos) ou acentuada, pode ser configurada como uma inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da confiança e segurança jurídicas e da igualdade?

        O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27/05/2010, acima citado sustenta, em termos de Sumário, que “III – Tais normas transitárias não padecem de inconstitucionalidade material”, fundando na seguinte argumentação tal juízo de valor:

        E haverá nesta disciplina normativa alguma inconstitucionalidade material, nomeadamente por ofensa aos princípios constitucionais da igualdade e da legalidade (art.º 13.º da CRP), da irretroactividade restritiva de direitos (art.º 18.º, n.º 3, da CRP) e da democraticidade económico-social (art.ºs 2.º e 3.º, n.º 3, da CRP)?

        Cremos que não. Vejamos:

        A actividade legislativa na área do arrendamento urbano sempre procurou dirimir a tensão originada por interesses sócio-económicos em grande medida afins e antagónicos, como são os dos senhorios – interessados, por via de regra, em não perpetuar contratos de locação antigos e com rendas reduzidas, por haverem sofrido, entretanto, a erosão da moeda e ficado desactualizadas – e os dos arrendatários ou inquilinos, interessados, por sua vez, em manter a sua habitação ao menor custo, por vezes de oferta escassa (sobretudo nos grandes centros urbanos) e a exigir-lhes incomportáveis despesas no respectivo agregado familiar – cfr. a evolução legislativa sobre o arrendamento após o final da Grande Guerra de 1914-1918, nas notas preambulares do Decreto-Lei n.º 321-3/90, de 15/10, que aprovou o RAU.

        Apesar de o legislador do NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27/02) se não ter alargado, desta vez, em considerações preambulares de molde a esclarecer-nos melhor sobre os seus desígnios, sempre foi dizendo, no “cabeçalho do diploma

        que “... estabelece um regime especial de actualização das rendas antigas...», denunciando, de certo modo, que o Novo Regime do Arrendamento Urbano foi, essencialmente, sensível à problemática das rendas antigas, obviamente referentes a contratos de arrendamento antigos, que se terão certamente perpetuado, em muitos casos por efeito da transmissão do contrato por morte dos respectivos arrendatários. Se foi esta a principal razão de ser do NRAU – como julgamos que foi – já se compreende melhor o regime transitório dos art.ºs 57.º e 58.º, para os contratos celebrados durante ou antes da vigência do RAU. Muitos deles certamente muito antigos – caducarão se a morte dos respectivos arrendatários já ocorrer na vigência do actual NRAU e os potenciais arrendatários – como a ora Apelante – se não encontrarem nas situações concretas previstas nas alíneas d) e e) do n.º 1, do art.º 57.º, acima melhor explicitadas, normalmente relacionadas com situações de carência e amparo social, pela tenra idade e formação académica dos que viviam com o arrendatário falecido, ou por significativo grau de incapacidade física dos mesmos.

        Claro que por via dessa caducidade, já os novos contratos de arrendamento que se efectuarem sobre o mesmo locado terão as respectivas rendas actualizadas (a contento dos senhorios), mesmo que com sacrifício das expectativas que alguns potenciais transmissários pudessem acalentar num passado recente, enquanto não se deu esta inflexão legislativa que conduziu à caducidade. Por isso, não admirará que, de futuro (com a celebração dos contratos de arrendamento na vigência do NRAU), já se lhes volte a aplicar o disposto no art.º 1106.º do Código Civil, retomando, assim, praticamente, a disciplina que anteriormente se seguia quanto à transmissão do arrendamento por morte do arrendatário no que concerne à pessoa que com este residisse em economia comum há mais de um ano.

        Com a criação das aludidas normas transitórias (dos art.ºs 57.º e 58.º), o legislador fez opções legislativas em função dos interesses sócio-económicos que pretendeu salvaguardar, atingindo com as suas prescrições, de forma generalizada e abstracta, um número indefinido de destinatários, supostamente os que se encontrem nas circunstâncias que definiu, sem ter criado, dentre eles, qualquer discriminação ou desigualdade injustificada. Como tem vindo a dizer o Tribunal Constitucional, em inúmeros Acórdãos, o principio da igualdade não proíbe, em absoluto, as distinções, mas apenas aquelas que se afigurem destituídas de um fundamento racional, e, no essencial, o que ele impõe é uma proibição do arbítrio e da discriminação sem razão atendível, postulando que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento diferente para situações de facto desiguais – cfr, entre muitos outros, os seus Acórdãos nºs 195/07, de 14/03/2007, 210/07, de 21/03/2007, 254/07, de 30/03/2007, in, respectivamente, págs. 421, 537 e 883, do 68.º Volume da Colectânea de Acórdãos do Tribunal Constitucional.

        Ora, pelos motivos já anteriormente aflorados, não vemos que aquelas normas transitórias sejam destituídas de fundamento justificativo e racional, que as torne incompreensivelmente desiguais para com determinados destinatários, mesmo que se saiba que algum tempo antes o regime da transmissão do arrendamento por morte do arrendatário fosse outro e, no seu contexto (se a morte da mãe da Apelante tivesse ocorrido na sua vigência) já à Recorrente assistisse o direito a suceder no arrendamento. Mas esta é a “fatalidade” de toda e qualquer lei com o início e cessação da sua vigência; mesmo que vigore para futuro, pode fazer nascer, restringir ou extinguir direitos, contanto que essa restrição ou extinção se não verifique pelo efeito retroactivo da sua aplicação – art.º 18.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

        Na hipótese em análise, aquelas normas transitórias não restringiram ou extinguiram qualquer direito da Autora, pelo simples facto de esta aquando da entrada em vigor das mesmas (Lei n.º 6/2006) ainda não ter qualquer direito a suceder no arrendamento, que só poderia nascer com o decesso da então arrendatária.

        Assim, não se verifica qualquer inconstitucionalidade. Nem mesmo por violação dos princípios constantes dos art.ºs 2.º e 3.º da Constituição, relacionados com a realização da democracia económica, social e cultural no Estado de Direito, pois que o legislador ordinário nada mais fez que, ao criar tais normas transitórias, arbitrar, como já se disse, interesses e valores sócio-económicos, relacionados com a protecção da habitação e do direito de propriedade (art.ºs 62.º e 65.º da Constituição) que são próprios de uma comunidade organizada e de um Estado de Direito.” (da pesquisa que fizemos, só encontrámos um Acórdão do Tribunal Constitucional sobre a questão da constitucionalidade do regime transitório aqui em análise, muito embora o faça de uma forma parcial, sucinta e indirecta: Aresto de 12/10/2010, com o n.º 385/2010, em que foi relator José Borges Soeiro e que se mostra publicado na jurisprudência da página oficial do respectivo Tribunal).

        Pensamos que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto aborda correctamente a matéria que aqui reclama a nossa atenção, pois, no cenário complexo do arrendamento para habitação, não são só as expectativas dos actuais inquilinos e das pessoas que com elas convivem no locado que importa considerar, mas também os direitos e expectativas dos senhorios e/ou proprietários que, frequentemente, saíram total ou parcialmente gorados, devido à excessiva (e, muitas vezes, abusiva, pelo enorme desequilíbrio que se gerava ao longo dos anos entre as correspectivas prestações – renda e gozo do espaço arrendado) estagnação do substrato...

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