Acórdão nº 579/11 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelCons. José Borges Soeiro
Data da Resolução29 de Novembro de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 579/2011

Processo n.º 493/11

  1. Secção

Relator: Conselheiro José Borges Soeiro

Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional I – Relatório 1. A., SA deduziu acção de impugnação judicial sobre acto tributário, relativo ao ano de 2004, traduzido na liquidação de contribuição especial, criada pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, no montante global de €18.015,22.

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a impugnação foi julgada procedente, tendo sido decidido desaplicar os artigos 1.º, n.º 2 e 2.º do Regulamento da Contribuição Especial anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, por violação da proibição da retroactividade fiscal constante do artigo 103.º, n.º 3 da Constituição.

O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto interpôs recurso obrigatório dessa decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional – LTC).

  1. Notificado para alegar, o Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional, veio fazê-lo nos seguintes termos:

    “2. Apreciação do mérito do recurso

    2.1. Na óptica da decisão recorrida, a “contribuição de melhoria” ali instituída – ao conduzir à tributação de um facto ocorrido antes da entrada em vigor da lei que criou tal tributo - ofenderia o princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado actualmente, de modo expresso, no artigo 103º, nº 3, da Constituição.

    2.2. O Decreto-Lei nº 43/98, de 3 de Março, veio aprovar o Regulamento da Contribuição Especial devida como contrapartida pela valorização de prédios situados em áreas excepcional e substancialmente beneficiadas pela realização de relevantes obras públicas, facilitadoras das comunicações estradais e ferroviárias – substituindo e “consumindo” a sua aplicação a que decorreria, quer do regime geral de tributação dos acréscimos patrimoniais ligados às mais-valias, quer os respeitantes a outras contribuições especiais, porventura existentes (artigo 5º do citado Decreto-Lei nº 43/98).

    Tratando-se de diploma legal posterior à inclusão na Constituição do princípio da proibição da retroactividade das leis fiscais, é evidente que – no caso dos autos – tal princípio constitucional – cujos precisos contornos será necessário delimitar – é naturalmente de aplicação directa.

    Importa, deste modo, começar por fixar qual a incidência objectiva da “contribuição de melhoria” instituída pelas normas desaplicadas, situando-a temporalmente, para aferir da existência ou não de verdadeira retroactividade, constitucionalmente proibida.

    Conforme decorre dos artigos 1º e 2º do Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei nº 43/98, a contribuição especial incide sobre o aumento de valor dos prédios ou terrenos, situados nas áreas territoriais definidas na lei, substancial e “anormalmente” valorizados como directa decorrência de importantes investimentos públicos, o qual se concretiza e consuma aquando de certas vicissitudes: utilização de prédios rústicos ou terrenos para construção urbana ou demolição de prédios urbanos já existentes, para neles edificar novas construções, naturalmente valorizadas pelas acrescidas acessibilidades, resultantes das obras públicas (artigo 1º, nºs 1 e 2).

    Em termos análogos aos que estão previstos em sede do regime “geral” das mais-valias, a matéria colectável é integrada pela diferença entre um valor “de aquisição” e um valor actual de tais bens imóveis, precipitado em determinado acto jurídico, estabelecendo o artigo 2º, nº 2 do dito Regulamento que os valores que servem para determinar a “diferença” tributável são calculados por avaliação, que deverá basear-se no diferencial entre o valor hipotético dos imóveis à data de 1 de Janeiro de 1994, corrigido pelos coeficientes de desvalorização, e o valor actual dos prédios à data “em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra” – valendo, todavia como momento “de realização” do acréscimo de valor patrimonial “a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra” (parte final do nº 1 do artigo 2º do dito Regulamento).

    2.3. Como já anteriormente se disse o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão nº 63/2006, já declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma dos artigos 1.º, n.º 2 e 2.º do Regulamento, na interpretação segundo a qual, sendo a licença de construção requerida antes da entrada em vigor deste diploma, seria devida a contribuição especial por este instituída que, assim, incidiria sobre a valorização do terreno ocorrida entre 1 de Janeiro de 1994 e a data daquele requerimento. Tal interpretação foi considerada violadora do princípio da não retroactividade fiscal, consagrado no artigo 103º, n.º 3, da Constituição.

    Para o Tribunal, se se considerasse o facto tributário relevante, o pedido de licenciamento de construção, estar-se-ia perante uma lei (ou interpretação) retroactiva se esse pedido fosse anterior à entrada em vigor do diploma que criou o imposto (o Decreto-Lei nº 43/98), mesmo que o alvará de licença de construção ou de obra fosse emitido já na vigência daquele diploma legal.

    Este entendimento não foi unânime, tendo inclusivamente sido proferido um Acórdão que não julgou inconstitucional a dimensão normativa posteriormente declarada inconstitucional (Acórdão nº 604/2005). Para quem sustentava este entendimento, como a “realização” do acréscimo de valor se consumava com a emissão do alvará, se este fosse emitido estando em vigor o Decreto-Lei nº 43/98, não ocorreria “criação retroactiva” de um tributo, mesmo que o pedido de licenciamento de construção tivesse sido apresentado antes do diploma vigorar, sendo esta também a posição que, na altura, o Ministério Público defendeu.

    Esta questão, no entanto, não se coloca nos presentes autos, pelas razões anteriormente referidas, quando delimitámos o objecto do recurso.

    2.4. Vejamos pois, concretamente, se a norma em causa, ao fixar a data de 1 de Janeiro de 1994, como data de aquisição, cria, retroactivamente, um imposto.

    É certo que – para a definição, não já dos pressupostos de facto constitutivos de imposto em causa, mas do montante do tributo, ligado à definição ou determinação da “matéria colectável” mediante avaliação pericial – a norma desaplicada manda atender a um momento temporal anterior à edição do Decreto-Lei nº 43/98, tomando como parâmetro de aferição do diferencial de valores - de que decorre o acréscimo extraordinário de valor do prédio - a data de 1 de Janeiro de 1994, tida como ponto temporal de referência quanto ao lançamento dos investimentos públicos que geraram o potencial acréscimo de valor dos imóveis por eles genérica e indistintamente beneficiados: na realidade, o “aumento de valor” dos prédios em causa decorre da “diferença”, da comparação entre o valor patrimonial “histórico” na referida data inicial e o seu valor “actual”, à data em que se iniciou o processo de licenciamento para construção.

    Deste modo – e ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida – não estamos confrontados com uma verdadeira aplicação retroactiva da lei fiscal – como sucederia se se conferisse relevância a factos, geradores da obrigação tributária, verificados anteriormente à data da vigência da lei nova que criou certo imposto – mas perante uma situação em que:

    - o facto essencial, gerador da obrigação de imposto, ocorreu posteriormente à edição da lei nova que prevê certa “contribuição de melhoria”;

    - de um ponto de vista instrumental – e para orientar a avaliação pericial e consequente determinação do “quantum” do aumento de valor ocorrido – a lei manda atender ao valor patrimonial “histórico” originário dos bens...

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