Decisões Sumárias nº 60/03 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Março de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução17 de Março de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA Nº 60/03

Processo n.º:182/03 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

1. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório para este Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), da sentença do Tribunal Judicial de Montalegre, de 27 de Janeiro de 2003, que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, a aplicação da “norma constante da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto n.º 44 623, de 10 de Outubro de 1962, ou seja, o segmento dele que manda aplicar o máximo da pena prevista no artigo 65.º para o crime de pesca em zonas aquáticas designadas e assinaladas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas para abrigos, quando concorra a agravante de a pesca ter lugar em águas onde a pesca for proibida”.

A sentença recorrida condenou o arguido A., como autor material de um crime de pesca ilegal, previsto e punido pela interpretação conjugada dos artigos 43.º, 65.º, 67.º, 25.º e 83.º do Decreto n.º 44 623, de 10 de Outubro de 1962, actualizado pelo Decreto-Lei n.º 312/70, de 6 de Julho, na pena de 16 dias de prisão, substituídos por igual tempo de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), ou seja, na pena de € 80 (oitenta euros), e ainda na pena de multa de € 40 (quarenta euros), ou seja, na multa global de € 120 (cento e vinte euros), tendo, ao proceder ao enquadramento jurídico-penal do caso, expendido o seguinte:

“O Ministério Público imputa ao arguido a prática de um crime de pesca ilegal, previsto e punível na interpretação conjugação dos artigos 43.º, 65.º, 67.º, 25.º e 83.º do Decreto n.º 44 623, de 10 de Outubro de 1962.

De acordo com o primeiro dos citados preceitos legais, é proibido pescar, em qualquer época do ano, nas zonas aquáticas designadas e assinaladas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas para abrigos, desovadeiras e viveiros de reprodução, bem como, e independentemente de qualquer delimitação especial, dentro das eclusas, aquedutos ou passagens para peixes, e profissionalmente a menos de 200 m de barragens e 50 m de açudes, comportas, descarregadores ou quaisquer obras que alterem o regime normal da circulação das águas.

Com este preceito procura-se assegurar o fomento piscícola, acautelando a protecção e o desenvolvimento das espécies ictiológicas nas águas interiores do país.

Trata-se, pois, de um crime comum, praticável por acção, de forma livre, material, de resultado ou de dano, doloso e congruente.

Resulta dos factos provados que o arguido, voluntária e conscientemente, procedia ao exercício da pesca desportiva, em zonas aquáticas designadas e assinaladas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas para abrigos, bem sabendo que, em tal local, o exercício da pesca desportiva é proibido.

Tal conduta integra a previsão do artigo 43.º do Decreto n.º 44 623, de 10 de Outubro de 1962.

Relativamente ao tipo subjectivo, o referido artigo 43.º do Decreto n.º 44 623, de 10 de Outubro de 1962, exige o dolo em qualquer das suas modalidades – directo, necessário ou eventual.

Por seu turno, o artigo 67.º do diploma legal supra referido dispõe, no § 1.º, constituir circunstância agravante das infracções previstas e punidas pelo artigo 65.º, no qual se subsume o artigo 43.º, o facto de as mesmas terem sido praticadas de noite ou em águas onde a pesca for proibida, reservada ou objecto de concessão, estabelecendo o § 2.º que, quando concorra qualquer destas agravantes, será aplicada a pena máxima prevista no artigo 65.º.

No entanto, é nosso entendimento enfermar a parte final do mencionado artigo 67.º de inconstitucionalidade, pelo que a acusação deduzida contra o arguido não poderá, nesta parte, proceder.

De facto, a norma constante da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto n.º 44 623, de 10 de Outubro de 1962, ou seja, o segmento dele que manda aplicar o máximo da pena prevista no artigo 65.º para o crime de pesca em zonas aquáticas designadas e assinaladas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas para abrigos, quando concorra a agravante de a pesca ter lugar em águas onde a pesca for proibida, viola os princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, enquanto dele decorre a aplicação ao arguido, condenado por crime de pesca ilegal em zona designada para abrigos, de uma pena fixa, consistente no máximo da pena prevista no artigo 65.º, quando concorra uma das circunstâncias agravantes estabelecidas no corpo do referido artigo 67.º, pelo que deve ser arredada a sua aplicação.

A este propósito, e no mesmo sentido, ora perfilhado, se pronunciou o recente Acórdão do Tribunal Constitucional, de 24 de Abril de 2002, publicado in Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 2002, apesar de aí a agravação ter radicado no facto de a pesca em período de defeso ter sido praticada em zona de pesca reservada.

Propendemos, no entanto, para considerar tal concreta diferenciação, que aflora no teor literal dos preceitos em questão, desprovida de «valor normativo», de um ponto de vista jurídico-constitucional, por exclusivamente conexionado com o circunstancialismo fáctico apurado nos processos-pretexto, padecendo qualquer daquelas circunstâncias agravantes, indiferenciadamente previstas no corpo do citado artigo 67.º, e ambas desencadeando, em termos estritamente idênticos, a agravação constante do respectivo § único, de inconstitucionalidade.

Na parte final do preceito em apreço não existe, pois, qualquer «procedimento» a observar pelo juiz para determinação concreta da pena, não podendo ela adequar-se nem à gravidade do ilícito e da culpa, nem à condição económico-financeira do agente. Uma tal espécie de pena é não só eminentemente contrária, por isso, ao espírito político-criminal que subjaz ao nosso ordenamento, como é, na verdade, duplamente inconstitucional. Para quem considere o princípio da culpa jurídico-constitucionalmente reconhecido, ela é inconstitucional porque a sua aplicação viola, de forma irremediável, aquele princípio. Mas, para além disto, é indiscutivelmente inconstitucional na medida em que ofende o princípio da igualdade, plasmado no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, ao prejudicar o agente de mais fraca situação económico-financeira por absoluta incapacidade para a tomar em conta no momento da determinação concreta.”

2. Como na sentença impugnada se refere, a inconstitucionalidade da norma em causa já foi reconhecida por este Tribunal Constitucional.

Com efeito, após no Acórdão n.º 83/91 (Diário da República, II Série, n.º 199, de 30 de Agosto de 1991, pág. 8820; Boletim do Ministério da Justiça, n.º 406, pág. 224; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 18.º vol., pág. 493) haver julgado não inconstitucional a norma constante da parte final do § único do referido artigo 67.º, na medida em que determina que, no caso de pesca em período de defeso, quando concorra a circunstância agravante de o facto haver sido praticado de noite, devem ser aplicados os máximos das penas, o Tribunal Constitucional veio a adoptar o entendimento oposto no Acórdão n.º 95/2001 (Diário da República, II Série, n.º 96, de 24 de Abril de 2002, pág. 7629; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 49.º vol., pág. 365), tendo essa divergência jurisprudencial sido resolvida pelo plenário do Tribunal, através do Acórdão n.º 70/2002 (Diário da República, II Série, n.º 96, de 24 de Abril de 2002, pág. 7623), que confirmou o Acórdão n.º 95/2001, remetendo para a respectiva fundamentação.

A fundamentação do Acórdão n.º 95/2001, assumida pelo Acórdão n.º 70/2002, do Plenário, é a seguinte:

“4. A norma sub iudicio:

Foi, justamente, a parte final do § único do artigo 67.º, acabado de transcrever ou seja: o segmento dele que manda aplicar o...

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