Acórdão nº 279/11 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelCons. José Borges Soeiro
Data da Resolução07 de Junho de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 279/2011

Processo n.º 885/10

  1. Secção

Relator: Conselheiro José Borges Soeiro

Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório 1. A., Recorrente nos presentes autos em que figuram como Recorridos o Ministério Público e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, inconformado com a decisão do Tribunal de Família e Menores de Cascais que o condenou, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto e punido pelo artigo 105.º do RGIT, na pena de um ano de prisão (suspensa por 18 meses) e no pagamento, ao citado Instituto, da quantia de 76.347,61 Euros, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou o julgado.

Posteriormente, apresentou requerimento invocando alteração da lei aplicada (na sequência da redacção dada ao n.º 1 do artigo 105.º do RGIT pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro) e consequente pedido de cessação da sua condenação, pedido esse que lhe foi negado.

Mais uma vez inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo visto a sua pretensão improceder.

Interpõe, agora, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 (Lei do Tribunal Constitucional – Lei do Tribunal Constitucional).

Diz, no seu requerimento:

“1- Pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie e declare a inconstitucionalidade do n° 1 do art. 105° do REGIT, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5/6, na redacção que lhe foi dada pelo art. 113° da Lei n° 64-A/08, de 31/ 12, na interpretação de que o regime introduzido pela nova redacção não é aplicável aos crimes de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no art. 107°, n° 1 do mesmo diploma.

2- São as seguintes as normas e princípios que se consideram violados:

  1. o n° 1 do art. 13° da CRP, na dimensão normativa de que ninguém deve ser discriminado perante a lei e na lei, de forma arbitraria, perante situações essencialmente iguais.

  2. a 2.ª parte do n° 4 do art. 29° da CRP, na medida em que proíbe que alguém seja condenado em virtude de lei anterior que foi alterada, deixando de punir a acção ou omissão em causa, por ampliação dos pressupostos da punição.”

    1. Notificado para alegar, o recorrente concluiu do seguinte modo:

      “1- A norma do n° 1 do art. 105.º, do RGIT, na redacção dada pelo art° 113.º da L. 64-A/08 de 31/12 que aprovou o O.G.E. para 2009, introduzindo-lhe o limite de € 7.500,00, na interpretação não é aplicável às prestações devidas à segurança social é inconstitucional, por violação do disposto no n° 1 do art. 13° da Constituição da República;

      2- Já que faz uma discriminação arbitrária entre as prestações devidas à administração fiscal e à segurança social;

      3- Quebrando, sem justificação, uma evolução histórica de identidade de regimes;

      4- Nem há qualquer justificação para discriminar, exigindo um montante mínimo para criminalizar a falta de entrega de verbas fiscais e já não à segurança social, quando, na verdade, há similitude identitária do bem jurídico protegido, o qual exprime o interesse comunitário na manutenção da entrega legalmente obrigatória às entidades público-estaduais beneficiárias, de entrega à segurança até € 7500,00 já está a sua criminalização das prestações tributárias deduzidas, ou seja, o erário público;

      5- Para além disso, o art. 42° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, já prevê contra-ordenação, não se vendo justificação para criminalizar quanto às prestações devidas de valor até € 7500,00, contrariamente ao que sucede nas dívidas fiscais.

      6- Havendo assim desproporção de meios e de um excesso, que afrontam os princípios da adequação e da necessidade ínsitos ao Estado de Direito Democrático, consagrado no art. 2° da C.R.P., igualmente violados.

      Termos em que deverá deverá ser dado provimento ao recurso e ser decidida a inconstitucionalidade da norma do n° 1 do art. 105°, do RGIT, na redacção dada pelo art° 113° da L. 64-A/08 de 31/12 que aprovou o O.G.E. para 2009, introduzindo-lhe o limite de C 7.500,00, na interpretação de que não é aplicável às prestações devidas à segurança social, por violação do disposto no n° 1 do art. 13° da C.R.P., revogando-se a decisão recorrida que decidiu pela sua constitucionalidade, com as legais consequências, nomadamente, considerando-se descriminalizada a conduta do arguido, acarretando a absolvição do mesmo do crime por que foi acusado e condenado.”

    2. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, contra alegou e concluiu:

      “1 - O legislador ordinário - que terá de ser a Assembleia da República ou Governo se para tal autorizado por aquela - goza de uma ampla liberdade de conformação em matéria de definição de crimes e fixação de penas.

      2 - As infracções contra a Segurança Social — até historicamente - têm alguma autonomia face ás infracções praticadas no âmbito fiscal, podendo variar o quadro sancionatório num e no outro ramo, face à constatação da sua suficiência, ou não, num determinado período e tendo em atenção as exigências e os fins próprios de cada um

      3 - Com a alteração introduzida no n° 1 do artigo 105° do RGIT, pelo artigo 113° da lei n° 64-A/2008, de 31 de Dezembro, deixou de ser criminalmente punível como abuso de confiança fiscal, a não entrega à administração tributária de prestação tributária de valor igual ou inferior a €7.500.

      4 - Tal conduta, no entanto, continua a ser punível como contra-ordenação (artigo 114°, n° 1, do RGIT)

      5 - A não aplicação extensiva daquela alteração - com a consequentemente descriminalização - ao crime de abuso de confiança contra a segurança social (artigo 107° do RGIT), não viola o princípio de proporcionalidade, (artigo 18°, n° 2, da Constituição) nem o da igualdade (artigo 13° da Constituição), não se vislumbrando, pois, qualquer inconstitucionalidade.

      6 - Termos em que deve negar-se provimento ao recurso.”

      Cumpre apreciar e decidir.

      II – Fundamentação a) – Delimitação do objecto do recurso 4. O recorrente no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal imputa à norma aplicada na decisão recorrida um juízo...

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