Acórdão nº 97/11 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 97/2011

Processo n.º 284/10

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

  1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, nº 1, alínea b), da CRP e do artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, do acórdão proferido, em conferência, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, para que seja apreciada a constitucionalidade da norma extraída “do nº 1 do artigo 107º do RGIT quando interpretado no sentido de que o limite de 7.500€ estabelecido no nº 1 do artigo 105º do mesmo diploma, para o abuso de confiança fiscal, não se aplica ao abuso contra a Segurança Social”.

  2. Notificado para tal pela Relatora, o recorrente produziu alegações, das quais se podem extrair as seguintes conclusões:

    A — O valor protegido pelo n°1 do art. 105° do RGIT e o protegido pelo art. 107° do mesmo diploma é idêntico, ou seja, a defesa do erário público.

    B — A conduta do agente faltoso, quer quando faz a dedução ou retenção de uma quantia para a Segurança Social quer quando faz a retenção do IVA ou do IRS e omite a sua entrega ao credor, é idêntica.

    C — A não entrega da prestação deduzida ou retida, quer se trate de omissão de entrega de impostos ao Fisco quer se trata de omissão de entrega à Segurança Social de prestações deduzidas aos vencimentos dos trabalhadores, é uma conduta cujo desvalor é idêntico, merecendo por isso igual censura.

    D — A não entrega de prestações devidas à Segurança Social ou a omissão de entrega de impostos retidos põe em causa valores idênticos — as necessidades financeiras do Estado Fiscal - Social.

    E — A interpretação do art. 107° do RGIT, no sentido de que a remissão feita para o n°1 do art. 105° do mesmo diploma apenas se refere à moldura penal e não à condição objectiva de punibilidade, consistente na exigência para que a conduta omissiva seja punida criminalmente que o valor da prestação em falta seja de valor superior a 7500,00 euros, viola os princípios constitucionais da igualdade (nº 1 do art. 13° da CRP) e da proporcionalidade, decorrente do art.2° e do nº 2 do art. 18° da CRP.

    (fls. 11622 a 1163).

  3. Devidamente notificado para o efeito, o Ministério Público veio apresentar contra-alegações, cujas conclusões são as seguintes:

    1 - Porque durante o processo não se suscitou de forma adequada uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa e porque a norma identificada no requerimento de interposição do recurso – o artigo 107, nº 1, do RGIT – não pode constituir o suporte normativo da questão de inconstitucionalidade que vem enunciada, não deverá conhecer-se do objecto do recurso.

    2 - O legislador ordinário - que terá de ser a Assembleia da República ou Governo se para tal autorizado por aquela - goza de uma ampla liberdade de conformação em matéria de definição de crimes e fixação de penas.

    3 - As infracções contra a Segurança Social – até historicamente - têm alguma autonomia face ás infracções praticadas no âmbito fiscal, podendo variar o quadro sancionatório num e no outro ramo, face à constatação da sua suficiência, ou não, num determinado período e tendo em atenção as exigências e os fins próprios de cada um.

    4 - Com a alteração introduzida no nº 1 do artigo 105º do RGIT, pelo artigo 113 da lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, deixou de ser criminalmente punível como abuso de confiança fiscal, a não entrega à administração tributária de prestação tributária de valor igual ou inferior a €7.500.

    5 - Tal conduta, no entanto, continua a ser punível como contra-ordenação (artigo 114º, nº 1, do RGIT)

    6 - A não aplicação extensiva daquela alteração - com a consequentemente descriminalização - ao crime de abuso de confiança contra a segurança social (artigo 107º do RGIT), não viola o princípio de proporcionalidade, (artigo 18º, nº 2, da Constituição) nem o da igualdade (artigo 13º da Constituição), não se vislumbrando, pois, qualquer inconstitucionalidade.

    7 - Termos em que deve negar-se provimento ao recurso.

    (fls. 233).

  4. Em função da invocação de questão que obstaria ao conhecimento do objecto do recurso, a Relatora proferiu despacho nos termos do qual o recorrente foi convidado a pronunciar-se, o que fez nos seguintes termos:

    “A - Quanto ao primeiro ponto, ou seja a questão de ter ou não sido suscitada a questão da inconstitucionalidade normativa, no recurso para o Tribunal da Relação:

    Logo no preâmbulo das suas alegações para o Tribunal da Relação, delimitando o recurso, o recorrente afirma :

    Entende o recorrente que, salvo o devido respeito, devia:

    a) — considerar-se despenalizada a conduta do R., em face da nova redacção dada ao nº 1 do art. 105º do RGIT que deve ser aplicada no caso presente por força do art. 107º, nº 1 e 2 do mesmo diploma.

    Depois na fundamentação consta:

    A douta sentença recorrida considerou, na esteira de alguma jurisprudência, que a previsão criminal se encontra totalmente no nº1 do art. 107º mencionado, limitando a remissão aí feita para o nº1 do art. 105º apenas (respeitante) à moldura penal.

    Cremos, porém, (que) não ser aceitável esta interpretação.

    Para o efeito acolhe-se a douta fundamentação constante do Acórdão da Relação do Porto, de 27/05/2009, com o número de documento RP20090527243/05.7TAVNF.P1...

    .

    E, neste Acórdão lê-se:

    O que representa uma ofensa injustificada ao princípio da legalidade e poderia significar uma interpretação inconstitucional do art. 107° n°1 do RGIT, por conduzir a um excesso de punição quando em causa estivesse o crime de abuso de confiança contra a segurança social de valor não superior a € 7.500, com consequente violação do princípio da proporcionalidade das penas e da igualdade (na medida em que situações iguais eram tratadas em termos sancionatórios de forma desigual) e, portanto, por contrariarem o estatuído nos arts. 18° nº 2 e ‘13°da Constituição da República Portuguesa

    .

    E mais adiante, nas alegações, refere-se que a interpretação feita do art. 107º, nº1 no sentido de que este apenas remete para a pena e não também para o elemento valor a partir do qual a conduta do agente é criminalmente punida, afirma-se:

    Aliás, uma interpretação como a propugnada na douta sentença recorrida cremos ser inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade das penas e da igualdade.

    E depois mais adiante, depois de referir que o desvalor da acção de quem não entrega as quantias dos impostos retidos é idêntico ao de quem não entrega os valores retidos para a segurança social, escreve:

    Assim, o princípio da proporcionalidade das penas e da igualdade impõe uma interpretação da lei que mantenha penas iguais para condutas idênticas.

    E depois tira a primeira conclusão do seguinte teor:

    1. A nova redacção dada ao nº 1 do art. 105º do RGIT, pelo artigo 113 da Lei 64-A/08, de 31/12, que estabeleceu o limite de 7 500 euros para o crime de abuso de confiança fiscal é também aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, por força dos nºs 1 e 2 do art. 107º desse mesmo RGIT;

    O recorrente entende que a questão a...

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