Acórdão nº 385/11 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução27 de Julho de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 385/2011

Processo n.º 470/11

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Por acórdão proferido em 20 de Setembro de 2010, no Processo Comum (Tribunal Colectivo) n.º 68/10.1PBLRA, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Leiria, A. foi condenado na pena de cinco anos e seis meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º e 131.º, todos do Código Penal.

Inconformado, o Arguido suscitou uma nulidade e recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 26 de Janeiro de 2011, decidiu:

- Dar como provado o seguinte facto: “O arguido, para ressarcimento parcial dos danos causados ao ofendido, em virtude dos factos relatados e tidos por provados nos autos, pagou-lhe, em 16 de Setembro de 2010, a quantia de €2.500,00”;

- Julgar improcedentes, quer o pedido de nulidade, quer o recurso interposto pelo arguido.

O Arguido interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido, por despacho de 30 de Março de 2010, do Desembargador Relator.

O Arguido reclamou deste despacho para o Supremo Tribunal de Justiça que, por decisão de 27 de Abril de 2011, do seu Vice-Presidente, indeferiu a reclamação, com os seguintes fundamentos:

[…]

3. No domínio dos recursos e das normas que disciplinam a competência em razão da hierarquia, a redacção do art. 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP dispõe que há recurso para o Supremo Tribunal das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas em recurso pelas relações nos termos do artigo 400.º.

E deste preceito destaca-se a alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito que estabelece serem irrecorríveis «os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

O acórdão da Relação confirmou a decisão da 1.ª instância, que condenara o arguido na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime enunciado – confirmação decisória total, no que se refere à qualificação, solução jurídica e medida da pena.

E havendo conformidade, como resulta directamente da norma - no caso há conformidade total - o recurso só é admissível se for aplicada pena superior a 8 anos de prisão.

Assim sendo, não é admissível recurso do acórdão condenatório ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.

E o direito ao recurso, garantido como direito de defesa no n.º 1 do art. 32.º da Constituição, basta-se com um grau de recurso, ou segundo grau de jurisdição, que o reclamante já utilizou ao recorrer para o Tribunal da Relação. É esta a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional (cf., v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 189/01 e 377/2003 de 3 de Maio de 2001 e de 15 de Julho de 2003, respectivamente).

Por último, no respeitante à invocação de que o despacho reclamado não apreciou os argumentos apresentados no recurso interposto para o STJ, designadamente, a inconstitucionalidade da alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, por violação do art. 32.º da CRP, é questão de que não se pode tomar conhecimento, por ser estranha ao objecto e fundamentos da reclamação, nos termos do art. 405.º, n.º 1, do CPP.

4. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação.

O Arguido recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pedindo que se declare inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP), interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão de 1.ª instância em pena não superior a 8 anos, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1.ª instância não havia apreciado.

O Arguido apresentou alegações, concluindo da seguinte forma:

1. O presente recurso vem interposto do, aliás muito douto, despacho proferido pelo Exmo. Senhor Presidente do STJ que indeferiu a reclamação apresentada pelo ora Recorrente do despacho de não admissão de recurso proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra sobre requerimento de interposição de recurso do acórdão daquele mesmo Tribunal da Relação que confirmou a condenação da 1.ª Instância na pena de 5 anos e seis meses de prisão;

2. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou a decisão de 1.ª instância apreciou, pela primeira vez, um facto que o Tribunal de 1.ª instância não havia tomado em consideração quando proferiu a sentença de condenação;

3. Efectivamente, o Tribunal da Relação veio a dar como provado um facto novo – logo, não apreciado em 1.ª instância – que é o seguinte:

4. “O arguido, para ressarcimento parcial dos danos causados ao ofendido, em virtude dos factos relatados e tidos por provados nos autos, pagou-lhe, em 16 de Setembro de 2010, a quantia de 2.500,00”;

5. E, nessa medida, conheceu ex novo dum facto não apreciado em 1.ª instância;

6. O facto novo fixado pelo Tribunal da Relação está expressamente contemplado no art. 72-1-2-c), CP, o que imporia ao tribunal uma atenuação especial da pena;

7. É que o facto novo só foi apreciado uma única vez e apenas pelo Tribunal da Relação;

8. Não foi apreciado em 1.ª instância;

9. E isso faz toda a diferença;

10. Até porque não se trata dum facto de valor inócuo – apesar de o ter sido para o Tribunal da Relação – que merece e deve ser apreciado num duplo grau de jurisdição;

11. Assim, é inconstitucional a norma do artigo 400º-1,-f), CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que se pronuncia pela primeira vez sobre um facto novo, com influência na determinação e medida da pena, que era desconhecido na primeira instância e que não foi apreciado em primeira instância;

12. Em manifesta violação do direito constitucional ao recurso previsto no art. 32-1, Constituição;

13. E em manifesto prejuízo dos direitos, liberdades e garantias do ora Recorrente;

14. Com graves consequências, inclusive de denegação de justiça, por coarctar o direito de ver reapreciado pelo tribunal superior uma decisão que afecta de forma determinante a liberdade do arguido e que só foi apreciado por uma das instâncias.

  1. Até porque o Tribunal Constitucional tem admitido o direito a recurso para o STJ de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação que conhece ex novo de questões processuais que não haviam sido conhecidas em 1.ª instância;

  2. O despacho recorrido, ao não deferir a reclamação apresentada pelo ora Recorrente, violou o art.32-1, Constituição;

Pelo exposto e pelo muito mais que resultar do douto suprimento de Vossas Excelências, deve dar-se provimento ao recurso considerando-se a desconformidade com o art. 32-1, Constituição, da norma constante do art. 400º-1,-f), CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que se pronuncia pela primeira vez sobre um facto novo, com influência na determinação e medida da pena, que era desconhecido na primeira instância e que por ela não foi apreciado,

com as legais consequências.

Porque só assim se fará JUSTIÇA!»

O Ministério Público apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

1º Não se pode considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da CRP, pela norma que constitui o objecto do presente recurso, já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto, em que o tribunal superior confirma a decisão do tribunal de 1ª instância, e em que a pena de prisão aplicada é de 5 anos e 6 meses de prisão, tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.

2º E, contrariamente ao alegado pelo recorrente, é irrelevante para esse juízo de constitucionalidade, a circunstância do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ter dado como provado um facto, alegado pelo arguido, mas que manteve inalterada a qualificação jurídica dos factos, não revestindo qualquer efeito útil, pois nem logrou suportar a atenuação especial da pena que lhe foi aplicada.

3º Pelo que, o presente recurso não merece provimento.

Fundamentação

O Recorrente pretende ver sindicada a constitucionalidade da norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão de 1.ª instância em pena não superior a 8 anos, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1.ª instância não havia apreciado.

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