Acórdão nº 413/11 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Setembro de 2011
Magistrado Responsável | Cons. Vítor Gomes |
Data da Resolução | 28 de Setembro de 2011 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 413/2011
Processo n.º 20/11
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Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
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A., juiz de direito no Tribunal Judicial do Funchal, foi punido pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), com a pena de transferência, pela autoria de uma infracção disciplinar prevista no artigo 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho. Entre os factos imputados ao magistrado recorrente como incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções figuravam duas altercações em lugar público, uma por iniciativa da mulher outra por iniciativa da filha do recorrente, quando o surpreenderam na companhia de outra mulher com quem mantinha uma relação extra-conjugal.
O recorrente impugnou contenciosamente esta decisão do CSM, mas o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 16 de Novembro de 2010, negou-lhe provimento.
O recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, visando a apreciação de questões de inconstitucionalidade enunciadas do seguinte modo:
“1. A norma conjugada dos art.º 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 85.º, n.º 5 e 88.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Dec.-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, interpretada e aplicada, como o foi pelo Conselho Superior da Magistratura, no sentido de que permite ao referido CSM mandar instaurar averiguações sumárias e discretas, sem nenhuma correspondência com a real existência de um verdadeiro processo disciplinar, ainda que de investigação sumária, é materialmente inconstitucional, por violação do n.º 1 do art.º 217.º da CRP;
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A norma do n.º 5 do art.º 85.º do ED aprovado pelo Dec.-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, interpretada e aplicada no sentido com que o Plenário Extraordinário de 15.05.2007 do CSM a interpretou e aplicou – ou seja, no sentido em que o processo de meras averiguações também pode ser utilizado para a investigação da conduta pessoal dos juízes, fora do funcionamento dos respectivos serviços – é materialmente inconstitucional, por violação do disposto no n.º 1 do art.º 127.º, da CRP, já que não se trata do exercício da acção disciplinar nos termos da lei;
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As normas dos n.º 1, 2 e 3 do artº 114.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, quando entendidas e aplicadas, como o foram pelo CSM e pelo instrutor do processo disciplinar, no sentido de que a violação dos deveres por essas normas impostos, designadamente a não observância, sem justificação, do prazo máximo de trinta dias para ultimar o processo disciplinar e a não comunicação ao arguido da data em que foi iniciado o processo, são meras irregularidades, porque então tal entendimento, na medida em que não garante todos os direitos processuais do juiz arguido e pode conduzir à aplicação de uma pena deslocativa do magistrado, como efectivamente conduziu, representa uma inconstitucionalidade material, por violação do disposto no n.º 1 do art.º 216.º da CRP;
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A norma do n.º 1 do art.º 117.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, quando interpretada e aplicada no sentido, em que o foi, de que a acusação não precisa de individualizar em concreto as diversas infracções que imputa ao arguido, nem de indicar o conteúdo concreto do desvalor ético-disciplinar associado a essas infracções, porque então está ferida de inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos art.ºs 13.º, 18.º, 26.º, n.º 1 e 32.º, n.º 10, da CRP.
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O último segmento normativo do art.º 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, interpretado e aplicado no sentido e com o alcance com que a interpretaram e aplicaram a acusação e o acórdão recorrido, ou seja, no sentido de que os actos ou omissões da vida privada, familiar, conjugal e íntima de um juiz podem repercutir-se na sua vida pública em termos que possam ser considerado incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções, sem concretizar quais possam ser tais actos ou omissões, o modo como possam repercutir-se e o conteúdo do que deva considerar-se indispensável à dignidade do exercício das funções, porque então tal segmento normativo é materialmente inconstitucional, por violar o disposto nos art.º 13.º, 18.º, 26.º, n.º 1 e 216.º n.º 1, da CRP.”
Admitido o recurso e recebido o processo no Tribunal Constitucional, o relator proferiu despacho do seguinte teor (artigo 75.º-A da LTC):
“1. A fiscalização concreta de constitucionalidade exerce-se por via de recurso de decisões judiciais (artigo 280.º da Constituição e artigo 70.º da LTC). O recurso tem por objecto necessário (em sentido material) normas tal como foram aplicadas ou a que seja recusada aplicação com fundamento em inconstitucionalidade pela decisão judicial recorrida (objecto em sentido processual). Ainda que haja uma decisão administrativa ou uma decisão materialmente administrativa prévia, só a aplicação ou desaplicação da norma por parte de um órgão qualificável como “tribunal” pode abrir a via de recurso de constitucionalidade.
Sucede que nos n.ºs 1, 2 e 3 do requerimento de interposição do presente recurso se identificam formalmente como objecto do pedido de apreciação de constitucionalidade determinadas normas com o sentido com que foram aplicadas pelo Conselho Superior da Magistratura. Não sendo este órgão qualificável como tribunal, nem sendo as suas decisões passíveis de impugnação perante o Tribunal Constitucional, o recurso não pode prosseguir nesta parte.
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Notifique para alegações quanto às normas identificadas nos n.ºs 4 e 5 do requerimento de interposição do recurso.”
O recorrente apresentou alegações, em que sustenta, em síntese:
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Como questão prévia, que deve conhecer-se das questões que o despacho liminar do relator considerou não serem passíveis de apreciação pelo Tribunal Constitucional;
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Que a norma do n.º 1 do artigo 117.º do EMJ, interpretada no sentido de que a acusação não tem de individualizar as diversas infracções que imputa ao arguido nem de indicar o conteúdo concreto do desvalor ético-disciplinar associado a essas infracções, é inconstitucional por violação dos artigos 13.º, 18.º, 26.º, n.º1 e 32.º, n.º 10, da Constituição;
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Que a norma do ultimo segmento normativo do artigo 82.º do EMJ, interpretado no sentido de que os actos ou omissões da vida privada, familiar, conjugal e íntima de um juiz podem repercutir-se na sua vida pública em termos que possam ser considerados incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções, sem concretizar quais possam ser tais actos ou omissões, o modo como podem repercutir-se e o conteúdo do que possa considerar-se indispensável à dignidade do exercício das funções, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º, 26.º, n.º 1, e 261.º, n.º 1, da Constituição.
II – Fundamentos
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Nas alegações, o recorrente questiona o despacho liminar de delimitação do objecto do recurso acima transcrito (fls. 306) na parte em que nele foi decidido que o recurso não podia prosseguir quanto às questões identificadas nos n.ºs 1, 2 e 3 do requerimento de interposição do recurso.
Porém, tal decisão é agora imodificável, por não ter sido atacada, pela via própria, dentro do prazo legal respectivo. Esse meio é a reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A, aplicável por força do n.º 2 do artigo 78.º-B da LTC, que deve ser deduzida no prazo geral de 10 dias (artigo 153.º do CPC, ex vi artigo 69.º da LTC).
Com efeito, contrariamente ao que o recorrente parece supor, esse despacho assumiu conteúdo decisório relativamente à questão do conhecimento das referidas questões e não de mera suscitação da questão para debate e ulterior apreciação. Essa decisão, por falta de impugnação no prazo legal, adquiriu força de caso julgado formal, não podendo agora ser posta em causa (artigo 672.º do CPC). Se o recorrente entendia que o despacho errara na interpretação do requerimento de interposição do recurso ou na apreciação dos pressupostos e requisitos do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade ou que consubstanciava omissão de qualquer formalidade processual, teria de suscitar tal questão perante a conferência ou arguir a nulidade no prazo geral. Guardando-se para as alegações, deixou que a situação processual, definida pelo referido despacho se tornasse definitiva.
Consequentemente, não pode apreciar-se a “questão prévia” suscitada pelo recorrente, pelo que só se conhecerá das questões relativamente às quais o despacho liminar determinou a apresentação de alegações.
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A primeira questão cuja apreciação o recorrente pretende respeita à norma do n.º 1 do artigo 117.º do EMJ, quando interpretado no sentido de que a acusação não precisa de individualizar em concreto as diversas infracções que imputa ao arguido, nem de indicar o conteúdo concreto do desvalor ético-disciplinar associado a essas infracções, que o recorrente considera ferida de inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º, 26.º, n.º 1 e 32.º, n.º 10, da CRP.
Impõe-se uma primeira delimitação do objecto do recurso.
O acórdão recorrido não perfilhou o entendimento de que a acusação (o acto acusatório, a nota de culpa) não tem de individualizar as diversas infracções que imputa ao arguido. O que entendeu foi que a acusação se reporta, claramente, a uma única infracção disciplinar constituída por todos os factos nela descritos, não havendo que individualizar quaisquer actos ou grupos de actos para efeitos de subsunção autónoma e consequente cúmulo. Este entendimento, que não cabe censurar no que concerne à interpretação da nota de culpa e à aplicação do direito ordinário que lhe subjaz, não corresponde, nem cabe (por redução) na definição do objecto do recurso a que o recorrente procede, pelo que, relativamente à norma do n.º 1 do artigo 117.º do EMJ, só pode conhecer-se do que incide sobre a desnecessidade de indicação na...
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