Acórdão nº 351/11 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução12 de Julho de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 351/2011

Processo n.º 627/2007

  1. Secção

    Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral

    Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

    I – Relatório

    1. Nos presentes autos, A. intentou junto do Supremo Tribunal Administrativo acção administrativa especial em que pedia a anulação dos actos administrativos formalizados no acórdão da Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, de 04.05.2004, e no acórdão do Plenário desse mesmo Conselho, datado de 22.11.2004, ambos proferidos no âmbito do processo disciplinar em que o Autor é arguido.

      No primeiro desses acórdãos, integralmente confirmado pelo segundo, foi aplicada ao arguido, pela prática de infracção reveladora de grave desinteresse pelo cumprimento de deveres profissionais, a pena de inactividade por doze meses, com o efeito de perda de tempo correspondente à sua duração quanto à remuneração, antiguidade e aposentação, bem como a impossibilidade de promoção ou acesso durante dois anos contados do cumprimento da pena.

      Por acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 22.02.2006, foi a acção julgada improcedente.

      Inconformado, A. interpôs recurso para o Pleno da Secção.

      Por acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 06.03.2007, foi negado provimento ao recurso.

    2. Dessa decisão, veio A. interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).

      Através dele pretende o recorrente que seja apreciada a constitucionalidade das seguintes normas:

      1. artºs. 202.º e 203.º, ambos da Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto (EMP), interpretados no sentido de o relatório elaborado no fim da instrução do processo disciplinar não dever ser notificado ao arguido antes da decisão final, por violação dos princípios da defesa e do contraditório, consagrados no artº 32.º, n.º 10, da Constituição;

      2. artºs. 4.º, n.º 1, als. a) e c), e 24.º, n.º 1, al. ix), ambos da Lei n.º 13/02, de 19 de Fevereiro (ETAF), e 46.º, n.º 2, al. a), 50.º, n.º 1, e 51.º, n.º 1, todos da Lei n.º 15/02, de 22 de Fevereiro (CPTA), interpretados no sentido de nos recursos de decisões proferidas em processos disciplinares o tribunal não poder conhecer da gravidade da pena aplicada, por prolação dos artºs. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, ambos da Constituição (princípio da jurisdição amplas);

      3. artºs. 163.º e 183.º, n.º 1, ambos do EMP, por violação dos princípios da determinabilidade e da precisão das leis punitivas, da tipicidade e da segurança e confiança jurídicas, bem como da igualdade e imparcialidade, consagrados nos artºs. 2.º, 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3, 29.º, n.º 1 e 266.º, n.º 2, todos da Constituição;

      4. artºs. 166.º, n.º 1, al. e), 170.º, n.ºs 1 e 3, 172.º, 176.º, n.ºs 1 e 2, e 183.º, n.º 1, todos do EMP, por preverem a pena de inactividade com efeitos excessivamente graves e desproporcionais, violando os princípios da dignidade da pessoa humana, da proibição do excesso, da proibição da fixidez das penas, da justiça e da necessidade das penas, consagrados nos art.ºs 1.º, 2.º, 13.º, n.º 1, 18.º, n.ºs 2 e 3, 29.º, n.º 1, 30.º, n.º 1, e 266.º, n.º 2, todos da Constituição, 11.º, n.º 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem;

      5. artºs. 172.º, 175.º, n.ºs 1 e 3, al. a), e 176.º, n.º 1, por colidirem com os princípios da proporcionalidade, da fixidez das penas, da igualdade e da proibição dos efeitos automáticos das penas, bem como do direito à remuneração, acolhidos nos artºs. 13.º, n.º 1, 18.º, n.ºs 2 e 3, 30.º, n.ºs 1 e 4, 59.º, n.º 1, al. a), e 266.º, n.º 2, todos da Constituição;

      6. art.ºs 81.º, n.º 1, 163.º e 216.º, todos do EMP, em conjugação com os art.ºs 24.º, n.º 1, al. c), e 25.º, n.º 2, al. d), ambos do Dec-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, interpretados no sentido de estes dois últimos normativos não serem subsidiariamente aplicáveis em processo disciplinar em que o arguido é magistrado do MP, por violação dos princípios da justiça, da dignidade da pessoa humana, da segurança e confiança jurídicas, da igualdade, da proibição do excesso, da fixidez das penas e da imparcialidade, consagrados nos art.ºs 1.º, 2.º, 13.º, n.º1, 18.º, n.ºs 2 e 3, 30.º, n.º 1, e 266.º, n.º 2, todos da Constituição; e

      7. artºs. 33.º, n.º 1, do Dec-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, 216.º do EMP e 50.º, n.º 1, do CP, interpretados no sentido de este último normativo não ser subsidiariamente aplicável em processo disciplinar em que o arguido seja magistrado do MP, de modo a que a não-suspensão de execução deva ser fundamentada, por violação dos princípios da confiança e confiança jurídicas, da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, consagrados nos art.ºs 2.º, 13.º, n.º 1, 18.º, n.ºs 2 e 3, e 266.º, n.º 2, todos da Constituição.

      Afirma o recorrente que a inconstitucionalidade das normas indicadas em a), c), d), e), f) e g) foi suscitada na alegação de recurso para o Pleno da 1.ª Secção do STA (na fundamentação e nas conclusões). Já no que respeita às normas indicadas em b), que, no entender do recorrente, o STA teria interpretado implicitamente e de modo insólito no sentido de lhe vedarem o conhecimento da gravidade da pena, afirma o recorrente que deve ser dispensado do ónus de suscitação prévia.

    3. Admitido o recurso no Tribunal, aí apresentou o recorrente as suas alegações, concluindo do seguinte modo:

  2. Por não lhe ter sido dado conhecimento do relatório elaborado no fim da instrução desenvolvida no processo disciplinar antes da decisão punitiva, o recorrente não pôde pronunciar?se utilmente sobre o conteúdo do mesmo e contrariar as respectivas afirmações e conclusões.

  3. Porém, ao recorrente assistia?lhe o direito, garantido por princípios e normas constitucionais, de se defender e pronunciar?se sobre o conteúdo do relatório, discretando sobre o mesmo e contrariando os juízos de valor, as afirmações e as conclusões nele expostas em seu desfavor.

  4. Se tivesse tido conhecimento do relatório logo que o mesmo foi elaborado, teria, além do mais, demonstrado que a infracção considerada era de menor gravidade, só podendo ser sancionada com a pena de suspensão, prevista nos arts. 163º do EMP e 24º, nº 1, al. c), do Decreto-Lei nº 24/84, e não com a pena prevista no subsequente art. 25º, nº 2, al. d).

  5. Por ter julgado com legitimidade constitucional os arts. 202º e 203º do EMP, o acórdão recorrido não declarou a nulidade insuprível prevista no subsequente art. 204º, pelo que o recorrente viu os seus direitos de defesa e do contraditório drasticamente restringidos.

  6. Ao não imporem a notificação do relatório antes da decisão final e interpretados nesse sentido, os citados arts. 202º e 203º violam o princípio do contraditório, derivado do Estado de direito democrático (art. 2º), o princípio do acesso aos tribunais (art. 20º, nº 1), o princípio de um processo equitativo (art. 20º, nº 4), o princípio da igualdade (art. 13º) e o direito de defesa (arts. 32º, nº 10, e 269º, nº 3, todos da Constituição).

  7. No acórdão recorrido declarou?se que o tribunal não podia substituir?se à Administração no conhecimento e apreciação da gravidade da infracção e da pena aplicada, tendo interpretado e aplicado implicitamente os arts. 4º, nº 1, als. a) e c), e 24º, nº 1, al. ix), ambos da Lei nº 13/02, de 19 de Fevereiro, e 46º, nº 2, al. a), 50º, nº 1 e 51º, nº 1 todos da Lei nº 15/02, de 22 de Fevereiro, no sentido de lhe vedarem esse conhecimento e apreciação.

  8. Tal interpretação foi inesperada, surpreendente e insólita, tanto mais que o Tribunal Constitucional já havia julgado e declarado inconstitucionais algumas normas que vedavam, em sede de recurso, o conhecimento da gravidade da infracção e da pena aplicada.

  9. Quando interpretados no sentido em que o foram no acórdão recorrido, os citados normativos violam o princípio da defesa consagrado os arts. 32º, nº 10, e 269º, nº 3, e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, com guarida no art. 268º, nº 4, todos da Constituição.

  10. Os arts. 163º e 183º, nº 1, ambos do EMP, estão redigidos de modo muito genérico, vago, impreciso, indeterminado e incerto, contendo conceitos de tal modo abstractos que não é possível saber, objectivamente, que condutas humanas concretas cabem nas suas previsões.

  11. Os mesmos, “passando um cheque em branco” à entidade que detém o poder disciplinar, permitem?lhe que classifique como infracção todas e quaisquer condutas, mesmo que por critérios objectivos sejam claramente inofensivas, procedendo com toda a arbitrariedade, irrazoabilidade e discricionariedade.

  12. Existem estatutos disciplinares de outros agentes do Estado que, ao contrário do EMP, contêm uma definição mais precisa de infracção, sobretudo quando se trata de prever penas mais graves, como é a de inactividade, especificando as condutas concretas às quais são aplicáveis, do que resulta um desfavor injustificado para o recorrente.

  13. Pela forma como estão redigidos e também se interpretados no sentido de conterem uma definição clara e suficiente de infracção, os arts. 163º e 183º, nº 1, os princípios da segurança e da confiança jurídicas que emanam do Estado de direito democrático (art. 2º), da proporcionalidade ou da proibição do excesso (art. 18º, nºs 2 e 3), da tipicidade, da determinabilidade e da precisão das leis punitivas (art. 29º, nº 1), da igualdade (art. 13º) e da boa fé (art. 266º, nº 2), todos da Constituição.

  14. A pena aplicada, com as penas acessórias que lhe estão ligadas, se tiver que ser cumprida, priva o recorrente dos meios mínimos necessários à sua sobrevivência e da sua família, retirando?lhe a alimentação, vestuário e alojamento de que precisa.

  15. A pena de inactividade, pelas consequências drásticas decorrentes do seu cumprimento, é mais grave do que a aposentação compulsiva e a demissão e do que qualquer pena de natureza criminal, incluindo a prisão...

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