Acórdão nº 85/12 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 85/2012

Processo n.º 367/11

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

    Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

    1. Relatório

    1. Por decisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) o A., S.A. (A.) foi condenado, em processo de contraordenação por infrações relativas à comunicação ou divulgação de informação não completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, previstas na alínea a) do n.º1 do artigo 389.º do Código de Valores Mobiliários (CdVM) no pagamento de diversas coimas. Inconformado, o A. impugnou a deliberação no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, que julgou em parte procedente o recurso. Ainda inconformado, o A. recorreu para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 6 de abril de 2011, julgou improcedente o recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida.

      Decidiu a Relação, para o que agora releva, o seguinte:

      “Inconstitucionalidade da atual versão do artigo 389º nº 1 e 2, do CdVM.

      Alegou e concluiu o recorrente que:

      - “Os tipos contraordenacionais devem revelar-se certos e determinados, (...) exigindo-se ao legislador um juízo de proporcionalidade que se divide em dois sentidos: um primeiro sentido, que diz respeito à avaliação da congruência entre o desvalor de uma determinada infração e o desvalor (o quantum) da sanção que lhe é associada (proporcionalidade absoluta); e um segundo sentido, que diz respeito à congruência entre a sanção prevista para uma determinada conduta e o seu horizonte normativo, ou seja, as opções normativas constitutivas de todo o sistema jurídico (proporcionalidade relativa)”.

      Mais conclui o recorrente, que o artº 389º n.º 1 al. a) do CdVM ao prever que a prestação de toda e qualquer informação sem as qualidades referidas na própria é punida com coima, sem identificar e delimitar o agente, objeto, natureza e/ou os efeitos sobre o mercado dessa mesma informação, o referido artº 389º, nº 1, alínea a), do CdVM, “se revela excessivamente indeterminado, não assegurando a certeza que é exigida pelo artigo 29º da Constituição da República Portuguesa, pelo que revela uma norma materialmente inconstitucional”, (...) por violação do princípio da necessidade da punição e do princípio da proporcionalidade da punição, quer no seu sentido relativo, quer no seu sentido absoluto, ambos previstos no artigo 18º, nº 2, da CRP, violando igualmente o princípio da culpa, previsto no artigo 1º e 27º da CRP e o princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da Lei fundamental. No fundo, invoca a indeterminação da norma e a falta de proporcionalidade.

      A argumentação expendida pelo recorrente, não só nas conclusões, como na motivação, sobre a alegada inconstitucionalidade material do artº 389º do CdVM, salvo o devido respeito, constitui um derradeiro ensaio dialético inconsistente, com vista ao afastamento da imputação objetiva e subjetiva das contraordenações pelas quais foi condenado.

      Porém, também aqui sem razão.

      A conjugação das normas dos artº 389º nº 1 al. a) (enquadrado no capítulo dos ilícitos de mera ordenação social e secção dos ilícitos em especial) e art. 7º (inserido no capítulo da informação das disposições gerais) do CdVM, reportando-se aquele à informação e este, à qualidade da informação, levam-nos sem esforço à conclusão de que não há falta de determinação da norma, dado que o seu âmbito de aplicação é garantido pela dupla conexão, normativa e temática e o conceito de informação é claro e preciso.

      Como já atrás referimos, decorre das normas em causa que o legislador pretendeu salvaguardar a segurança do investimento e a confiança no mercado, que são “condições essenciais ao regular funcionamento deste, pois delas depende a decisão do investidor no sentido de aplicar nele as suas poupanças”

      O artigo 388º, n.º 1, al. a), do CdVM não distingue, efetivamente, limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis em razão da qualidade singular ou coletiva dos agentes da infração. Mas tal omissão, situada no âmbito do poder discricionário, constituiu uma opção do legislador, que na ponderação dos bens jurídicos em causa, decidiu relegar para o momento da determinação da medida concreta da sanção a obrigatoriedade de ser considerada a natureza singular ou coletiva do infrator, para além das circunstâncias referidas no artº 405º, nº 1 a 3, do CdVM, sobre a determinação da sanção aplicável.

      A opção dogmática de que partiu o legislador do CdVM foi a de qualificar determinadas contraordenações como “muito graves”, e de seguida tipificar as condutas ou atuações, de pessoas singulares ou coletivas que as podem integrar; uma delas é a “violação dos deveres de informação”, nos termos em que procedeu o recorrente.

      Tendo em conta a conjugação das normas citadas, não vemos que a não distinção da qualidade singular ou coletiva do agente constitua qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, pois na determinação concreta da punição terão de ser sempre consideradas as circunstâncias expressamente previstas no artº 405º, n.º 1 a 3, do CdVM, de forma ponderada e diferenciada.

      Na apreciação da invocada inconstitucionalidade do artº 389º do CdVM, não podemos ignorar o papel fundamental da CMVM, que tem como principais incumbências a regulamentação, supervisão, fiscalização e promoção dos mercados de valores mobiliários e a obrigação de zelar pelo bom funcionamento dos mercados, nomeadamente no que concerne à sua transparência, sem a qual não existiria confiança por parte dos agentes económicos. É imperativo que as entidades bancárias cumpram com rigor as suas obrigações, no que toca à prestação de informação à CMVM, que deve ser “completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita”, (cfr. artº 7º nº 1 e 389º nº 1 al. a) do CdVM). A tese do recorrente, a ser levada em conta, conduziria a que o papel desta entidade reguladora fosse meramente decorativo.

      Mais do que isso, a sua tese é que se afigura ferida de inconstitucionalidade, tendo em conta que os mercados e o sistema financeiro são valores que, pela sua importância, revestem dignidade e proteção constitucional, como decorre do disposto nos artº 81º e 101º da CRP.

      No artº 81º al. f), prevê-se o funcionamento eficiente dos mercados e nesse contexto, designadamente, a repressão de práticas lesivas do interesse geral como incumbências prioritárias do Estado; por seu turno, o artº 101.º obriga a que o sistema financeiro seja estruturado por lei de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social.

      Esta norma comporta uma abrangente e forte intervenção da entidade reguladora (CMVM) em matéria de supervisão das entidades financeiras, o que inteiramente se compreende e se justifica, basta atentarmos na génese da atual crise financeira mundial, para concluirmos que talvez se justifique o reforço de poderes das entidades supervisoras ou pelo menos atribuir maior eficácia prática às suas decisões, dotando os ordenamentos jurídicos de leis claras e libertas de mecanismos ínvios, que permitem o obscurecimento da verdade económica, como acontece com o recurso frequente das entidades bancárias, entre elas o recorrente, as sociedades offshore, com todas as consequências negativas que daí advêm para a transparência da vida económica.

      Como referem os Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, o artº 101.º al. f) da CRP, (...) constitui uma amplíssima credencial constitucional para a intervenção, regulação e supervisão pública das atividades financeiras, com as necessárias limitações restrições da liberdade económica nesta área, com a extensão e a intensidade que os interesses em causa podem justificar (desde a autorização administrativa para a entrada na atividade até, no limite, a intervenção na gestão das instituições financeiras). De resto não estão aqui em causa somente valores constitucionais ligados à estabilidade financeira e ao desenvolvimento económico e social mas também a proteção dos direitos dos aforradores e investidores e clientes das instituições financeiras, a começar pelo seu direito de propriedade.”.

      Citado pelo Ministério Público na resposta ao recurso, não podemos deixar de salientar também a passagem do autor Paulo Câmara, (…) a maximização de informação constitui uma trave mestra do sistema de governação dos emitentes. (...). As regras sobre informação procuram servir uma quádrupla função: prosseguir objetivos de proteção dos investidores, de robustecimento da governação, de defesa do mercado e de prevenção de ilícitos”.

      Mais refere ainda lucidamente o autor que: “a transparência das decisões empresariais e a divulgação imediata dos indicadores de desempenho servem de base para o escrutínio da gestão e, com isso, favorecem o efeito disciplinador do mercado de capitais”.

      “Os deveres de informação dos emitentes de valores mobiliários representam a pedra angular do sistema jurídico-mobiliário”.

    2. É deste acórdão que o A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC (Lei n.º 28/82 de 15 de novembro) em requerimento do seguinte teor:

      “ A. S.A. (adiante A.), Arguido e Recorrente nos autos à margem identificados, tendo sido notificado do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 6 de abril de 2011, Vem, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), n.º 2 e n.º 3, 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 75.º e 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, a Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (abreviadamente LTC), interpor recurso para o Tribunal Constitucional do citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 6 de abril de 2011, o qual deve subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

    3. Normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie:

      1. a norma constante do artigo 389.º. n.º 1, alínea a), do CdVM, ao prever que a prestação de...

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