Acórdão nº 86/08 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Presidente
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 86/2008 [1]

Processo n.º10/CPP

Plenário

ACTA

Aos treze dias do mês de Fevereiro de dois mil e oito, achando-se presentes o Excelentíssimo Conselheiro Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmos. Conselheiros Ana Maria Guerra Martins, Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro, Mário José de Araújo Torres, Benjamim Silva Rodrigues, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Maria Lúcia Amaral, Maria João da Silva Baila Madeira Antunes, Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, João Eduardo Cura Mariano Esteves, Vítor Manuel Gonçalves Gomes e José Manuel Cardoso Borges Soeiro, foram trazidos à conferência os presentes autos, para apreciação.

Após debate e votação, foi ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o seguinte:

ACÓRDÃO N.º 86/2008.

  1. Relatório.

    1. No âmbito dos presentes autos, decidiu este Tribunal, através do Acórdão n.º 371/07, dar por verificado o recebimento, por parte do PPD/PSD, durante o ano de 2002, de um donativo indirecto, no valor de € 233.415,00, efectuado pela SOMAGUE – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., através do pagamento, por parte desta sociedade, de serviços prestados pela NOVODESIGN – Companhia Portuguesa de Design, S.A, àquele partido, em violação do disposto no art. 5º, n.º 4, da Lei n.º 56/98, na redacção dada pela Lei n.º 23/2000.

      Simultaneamente, determinou que os autos fossem continuados com vista ao Ministério Público, nos termos do disposto no art. 103º-A, n.º 2, da LTC.

    2. Na sequência dessa decisão, veio o Ministério Público, aos 31.07.2007, promover o seguinte:

      Conforme decorre dos elementos probatórios coligidos nos autos e do douto acórdão n.º 371/2007, verifica-se que:

      1. No âmbito da campanha para as eleições autárquicas de 2001, foram prestadas ao PPD/PSD e à JSD (organização especial deste partido, integrada na respectiva orgânica, nos termos previstos no art. 10º dos Estatutos) pela sociedade comercial designada Novo Design – Companhia Portuguesa de Design, SA, os serviços reflectidos nos pedidos de factura constantes de fls.10/16 dos autos, emitidas em 15 de Março de 2002.

      2. Na sequência de acordo estabelecido entre os responsáveis pelo sector financeiro daquele partido e as administrações da Novo Design, SA e da sociedade denominada Somague, S.G.P.S., S.A., - entidade absolutamente estranha à dita relação contratual entre PPD/PSD e a Novo Design – as referidas facturas, correspondentes aos serviços efectivamente prestados ao partido, deram origem a uma factura única (n.º 20176/1), emitida à Somague (que aparece em substituição da referência originária ao referido partido, verdadeiro devedor), no montante de € 233.415,00, liquidada através do cheque n.º 2439635269, sacado sobre a conta n.º 277126091, titulada pela Somague S.G.P.S., S.A. e domiciliada no BCP.

      3. Tal comportamento implica violação directa do estatuído imperativamente no n.º 4 do artigo 5º da Lei n.º 56/98 (na redacção da Lei n.º 23/2000), já que aos partidos políticos está vedado aceitar ou receber quaisquer contribuições ou donativos indirectos que se traduzam no pagamento por terceiros de despesas que lhes aproveitem, fora dos limites previstos no art. 4º.

      4. Com efeito, face à matéria documentada e apurada nos presentes autos, ocorreu manifestamente um pagamento por terceiro (a Somague) de despesas, decorrentes de serviços prestados no âmbito de uma relação contratual estabelecida com a Novo Design, que aproveitou inteiramente ao referido partido político – sendo certo que o valor do donativo indirecto (€233.415,00) ultrapassa manifestamente o limite previsto no art. 4º, n.º 1, da citada lei – 30 salários mínimos mensais nacionais por doador, isto é, € 10.440,00, já que o salário mínimo no referido ano correspondia a € 348.

      5. Tal infracção – supervenientemente conhecida e totalmente autónoma relativamente às verificadas e sancionadas no âmbito do processo normal de prestação de contas de 2002 – consubstancia, pois, uma contra-ordenação, imputável:

      a) ao próprio PPD/PSD, nos termos do n.º 2 do art. 14º da Lei n.º 56/98;

      b) aos dirigentes do partido em causa que pessoalmente participaram na dita infracção, nos termos do art. 14º, n.º 3, da mesma lei; neste caso, tais dirigentes, responsáveis da Sede Nacional em 2002, são, (como decorre do decidido definitivamente por este Tribunal, no acórdão n.º 348/06):

      - o Secretário-Geral, José Luís Fazenda Arnaut Duarte;

      - o Secretário-geral Adjunto para a área financeira, José Manuel de Matos Rosa;

      - e ainda, face ao teor do ofício da pg. 122 dos presentes autos, subscrito pelo Secretário-Geral actualmente em exercício – o Secretário-Geral Adjunto, responsável pela área administrativa e financeira, José Luís Vieira de Castro.

      Na verdade, todos estes dirigentes partidários, com responsabilidade estatutária no sector administrativo e financeiro, sabiam que o partido estava legalmente impedido de aceitar que terceiros realizassem donativos indirectos, consubstanciados no injustificado pagamento de despesas, emergentes de relação contratual de prestação de serviços a que eram totalmente estranhos, violando, pois, com dolo, o referido preceito legal, no aceitar o pagamento pela Somague de dívida que manifestamente vinculava apenas o próprio partido.

      c) Às pessoas colectivas que – participando constitutivamente no referido acordo, propiciador da atribuição de um donativo indirecto ao PPD/PSD – violaram, com dolo, a citada disposição legal, bem sabendo que a atribuição patrimonial, feita ao partido, era legalmente vedada (artigo 14º, n.º 5, da Lei n.º 56/98):

      - a Somague, S.G.P.S, S.A.;

      - a Novo Design – Companhia Portuguesa de Design, S.A. (cuja denominação foi ulteriormente modificada, passando a designar-se por Brandia Creating – Design e Comunicação, S.A.).

      d) Os administradores dessas pessoas colectivas que pessoalmente participaram dolosamente no cometimento da referida infracção, bem sabendo que o dito acordo, por eles consentido, possibilitador da atribuição patrimonial ao partido em causa, era legalmente vedado, face à citada disposição legal imperativa – e, que, perante a matéria de facto apurada nos autos, entende-se serem:

      - João Paulo Moreira Cardoso Sequeira (id. p. 48), que exercia em 2002 funções na administração da Novo Design, sendo responsável pela área financeira, que deu expresso assentimento à operação consubstanciada na alteração da identidade do responsável pelo pagamento das facturas emitidas, apesar de bem saber que os serviços em causa tinham sido prestados ao PPD/PSD;

      - Diogo Alves Diniz Vaz Guedes (id. p. 47), presidente do Conselho de Administração da Somague, que apôs na factura em causa a sua assinatura, a qual caucionava o respectivo pagamento, autorizando o assumir daquele débito por tal sociedade, bem sabendo que os serviços em causa tinham sido prestados ao partido por outra sociedade comercial, agindo com o intuito de realizar um donativo indirecto, que bem sabia ser vedado por lei;

      - Luís Miguel Dias da Silva Santos (id. p. 96); e

      - Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva (id. p. 91), ambos administradores executivos da Somague, em 2002, que assinaram o cheque emitido pela Somague, que corporizou o referido donativo indirecto, bem sabendo que o mesmo era legalmente vedado;

      Nestes termos – e em consonância com o preceituado nos n.ºs 2, 3, 5 e 6, do art. 14º da referida lei – promove-se a aplicação de coimas, ali estabelecidas, em relação aos responsáveis pelo ilícito contra-ordenacional, atrás especificadas, a graduar em conformidade com os critérios gerais estabelecidos no art. 18º do Decreto-Lei n.º 433/82.

      Mais se promove, nos termos da parte final do n.º 2 do art. 14º da mesma Lei n.º 56/98, que seja declarada a perda a favor do Estado dos valores (€ 233.415,00) ilegalmente recebidos pelo PPD/PSD, através do donativo indirecto em causa

      .

    3. Em resposta à promoção do Ministério Público, vieram pronunciar-se João Paulo Moreira Cardoso Sequeira, Brandia Central – Design e Comunicação, S.A. (actual denominação da Novo Design – Companhia Portuguesa de Design, S.A.), o PPD/PSD, José Manuel de Matos Rosa, José Luís Fazenda Arnaut Duarte, Diogo Alves Diniz Vaz Guedes, Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva, Luís Miguel Dias da Silva Santos e a Somague, S.G.P.S, S.A, o que fizeram mediante as exposições cujo conteúdo essencial se pode assim sumariamente sintetizar:

      1. Caracterizando a relação negocial estabelecida entre a Brandia Central – Design e Comunicação, S.A. (então denominada Novo Design – Companhia Portuguesa de Design, S.A.) e o Partido Social Democrata como de prestação de serviços, João Paulo Moreira Cardoso Sequeira começou por sustentar que tal relação, como subsumível que deverá considerar-se à tipificação constante do art. 1154º do Código Civil, se rege exclusivamente pelo direito privado, encontrando-se, por consequência, sob incidência das normas constantes dos arts. 1167º, alínea b), e 767º, ambos do Código Civil, o primeiro ex vi do disposto no art. 1156º, do mesmo diploma legal.

        De acordo com a perspectiva defendida, resultará daqui que a licitude do comportamento contratual empreendido pela Brandia Central – Design e Comunicação, S.A., devendo aferir-se em função do que é consentido pelo direito privado, se encontra no presente caso assegurada, quer pelas normas acima referidas – as quais, para além de legitimarem a prestação de serviços a partidos políticos mediante contrapartida financeira, autorizam o credor da retribuição acordada a recebê-la, seja do respectivo devedor, seja de um terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação -, quer pela inexistência de outras que, nesta última hipótese, paralelamente impusessem ao prestador do serviço a retribuir o ónus de conhecer da relação ou dos motivos subjacentes à realização por terceiro da contraprestação pecuniária previamente acordada.

        Numa segunda e complementar linha argumentativa, vem ainda sustentada a impossibilidade de imputação à Brandia Central –...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT