Acórdão nº 207/08 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução02 de Abril de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 207/2008

Processo n.º 56/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – Associação do Trabalho Portuário de Aveiro reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não conhecer do recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido nos autos.

2 – Fundamentando a sua reclamação, a reclamante discorre do seguinte jeito:

AUTONUMLGL \e 1.º - Como ficou explicado na douta decisão sumária ora sob reclamação, “o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, apenas se pode traduzir numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.”.

AUTONUMLGL \e 2.º - E, naquela mesma douta decisão, entendeu o Ex.mo Senhor Conselheiro Relator que não deveria o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objecto do recurso por entender, em síntese, não terem “as normas que densificam o presente recurso constituído a ratio decidendi ou o verdadeiro fundamento normativo da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça”.

AUTONUMLGL \e 3.º - É com este ponto de vista que, salvo o devido respeito, a recorrente não se conforma, porquanto, em seu entender, as normas cuja (in)constitucionalidade a recorrente suscita serviram efectivamente de fundamento normativo das decisões tomadas quer pelo Tribunal da Relação de Coimbra quer pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Vejamos porquê.

AUTONUMLGL \e 4.º - Tal como a recorrente fez constar no seu requerimento de recurso, ela pretende ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação do princípio da separação de poderes (rectius, da “separação e interdependência dos órgãos de soberania”, no sentido da separação de funções do Estado e da sua distribuição por aqueles órgãos) consagrado no n.º 1 do art. 111.º da Constituição (CRP), bem como das regras constitucionais em matéria de organização hierárquica dos tribunais (consagradas, v.g., nos arts. 211.º e 212.º da CRP):

a) Da interpretação e aplicação – adoptadas no presente caso concreto e na decisão recorrida – das normas contidas nos artigos 17.º, n.º 1, 19.º, n.ºs 1 e 2 e 24.º da Lei de Organização e Funcionamento e dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 3 de Janeiro, na sua redacção actualizada – LOFTJ), se e quando interpretadas no sentido de que, no caso de coligação activa voluntária, o âmbito da jurisdição dos tribunais legalmente estabelecido em função da hierarquia pudesse ser alterado no sentido do seu alargamento no caso uma decisão errada de admissão de recurso por um tribunal sem jurisdição para julgar a espécie não fosse impugnada no prazo de 10 dias;

b) De quaisquer outras normas que sejam interpretadas e aplicadas com o sentido de não ser admitido o recurso por si interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente a regra subjacente à decisão recorrida de que os tribunais poderiam alterar, por decisão judicial, as regras legalmente estabelecidas em matéria de competência em razão da hierarquia (in casu, alargando a competência jurisdicional do Tribunal da Relação de Coimbra para além do permitido pelas disposições dos arts. 17.º/1, 19.º/1/2 e 24.º da LOFTJ, correctamente interpretadas, v.g. no que respeita aos casos de coligação), regras essas que dão concretização a interesses públicos essenciais ligados à boa administração da justiça.

AUTONUMLGL \e 5.º - Afirma a douta decisão sumária que a ratio decidendi do Acórdão recorrido “repousa inexoravelmente na aplicação do disposto no artigo 678.º do Código de Processo Civil”.

AUTONUMLGL \e 6.º - Ora, se é certo que o douto Acórdão do STJ faz aplicação do artigo 678.º do CPC, isso não obsta a que o mesmo faça igualmente aplicação de outras normas – ainda que não as referindo expressamente –, desde logo daquelas normas que definem legalmente os conceitos operativos utilizados por aquele artigo 678.º, e v.g. os preceitos que, ao serem aplicados ao caso concreto, permitem decidir qual é o “valor da causa”, qual é a “alçada do tribunal de que se recorre”, ou se há “violação das regras de competência em razão da hierarquia”.

AUTONUMLGL \e 7.º - Sem aplicação dessas outras normas, a ratio decidendi ou o fundamento normativo da decisão ficaria incompleto e, por isso, insubsistente, pelo que haverá, sempre salvo o devido respeito, que reconhecer que o douto Acórdão recorrido faz também necessariamente aplicação de tais normas que são subsidiárias do artigo 678.º do CPC (fazendo parte da sua facti species).

AUTONUMLGL \e 8.º - E, em consequência, sempre com o maior respeito, o que deverá ser ponderado, para efeitos do juízo sobre a admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade, é se, independentemente do modo como as decisões das instâncias tenham sido redigidas, as normas cuja (in)constitucionalidade a recorrente suscita serviram efectivamente de fundamento normativo dessas mesmas decisões.

E, no entender da recorrente, serviram, como se procurará demonstrar.

AUTONUMLGL \e 9.º - Em 07/05/2007, a recorrente apresentou junto do Tribunal da Relação de Coimbra um requerimento no qual:

a) Interpôs recurso de agravo para o STJ com fundamento na violação das regras da competência em razão da hierarquia e,

b) Por cautela e subsidiariamente, para o caso de se vir a entender não ser admissível o recurso de agravo com o referido fundamento, arguiu a nulidade decorrente da referida violação das regras da competência em razão da hierarquia.

AUTONUMLGL \e 10.º - E isto porque, como defende a recorrente, o recurso de apelação não deveria ter sido admitido nem julgado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, uma vez que, havendo coligação voluntária activa (10 autores), o valor da causa a considerar teria de ser o valor do pedido de cada um dos autores, que era inferior à alçada da Relação, e não o valor da soma de todos eles.

AUTONUMLGL \e 11.º - Tendo sido, apesar disso, admitido e julgado o recurso de apelação, foram violadas as regras da competência em razão da hierarquia, v.g. as contidas nos artigos 17.º, n.º 1, 19.º, n.ºs 1 e 2 e 24.º da LOFTJ, quando correctamente interpretadas, porquanto a Relação proferiu decisão num caso para o qual não tinha legalmente jurisdição, o que determina a incompetência absoluta do tribunal, que ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (cfr. arts. 101.º e 102.º, n.º 1 do CPC).

AUTONUMLGL \e 12.º - Saliente-se que a questão da incompetência absoluta nunca – até ao momento da apresentação pela recorrente do seu requerimento acima referido – fora suscitada nem foi objecto de qualquer decisão, e nem sequer a questão da competência foi objecto de nenhuma decisão (nem sequer através de uma fórmula usual sintética), pelo que não se formou caso julgado formal sobre tal questão.

AUTONUMLGL \e 13.º - Por outro lado, estão em causa, nas regras de fixação da competência em razão da hierarquia, interesses de ordem pública ligados à boa administração da justiça, sendo essa circunstância que justifica o regime mais severo de nulidade a que o vício decorrente da sua violação está sujeito (cfr. art. 102.º, n.º 1, do CPC).

Ora,

AUTONUMLGL \e 14.º - Tendo o Tribunal da Relação de Coimbra não só admitido mas processado e julgado um recurso para o qual não tinha jurisdição, ficaram postas em causa aquelas regras de interesse e ordem pública.

AUTONUMLGL \e 15.º - E a questão que a recorrente agora vem pôr ao Tribunal Constitucional está em saber precisamente se é compatível com a Constituição uma interpretação das regras determinantes da competência em razão da hierarquia – v.g. as contidas nos artigos 17.º, n.º 1, 19.º, n.ºs 1 e 2 e 24.º da LOFTJ – que permita o alargamento do âmbito da jurisdição dos tribunais legalmente estabelecido em função da hierarquia por decisão judicial (errada) de admissão de recurso por um tribunal sem jurisdição para julgar a espécie (seguida do processamento e julgamento do mesmo recurso), desde que tal decisão não seja impugnada no prazo de 10 dias.

AUTONUMLGL \e 16.º - As decisões do Supremo Tribunal de Justiça têm como fundamento normativo (e mesmo que não claramente expresso) justamente a interpretação daquelas regras de competência em razão da hierarquia no sentido de que as mesmas podem ser alteradas (podendo os tribunais admitir, processar e julgar acções para as quais legalmente não têm jurisdição), por decisão (ou omissão) judicial, desde que o problema não seja levantado nos 10 dias após a admissão (errada) do recurso.

Na verdade,

AUTONUMLGL \e 17.º - Embora tendo sido admitido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não tomar conhecimento do presente recurso por entender que “não está em causa o nexo de competência entre o recurso de apelação e o tribunal da Relação que o decidiu, já que não oferece dúvida que o Tribunal da Relação de Coimbra é competente, em razão da hierarquia, para julgar recursos cujo valor exceda a alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância (cf. artigos 62.º, n.ºs 1 e 2, e 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, 17.º, n.º 1, e 19.º, n.ºs 1 e 2, da LOFTJ), sendo que o valor atribuído à causa, definitivamente fixado em € 3.740,99, excede aquela alçada.” (sublinhados nossos).

AUTONUMLGL \e 18.º - Ou seja, o STJ parte da consideração de que, também para efeitos de alçada, um determinado valor da causa teria sido definitivamente fixado (por não ter sido posto em causa para efeitos de alçada, e, concretamente, por não ter sido...

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