Acórdão nº 11/08 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução14 de Janeiro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 11/2008

Processo nº 584/07

Plenário

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

Relatório

A., S.A., na qualidade de concessionária para a concepção, construção, financiamento, conservação e exploração da auto-estrada n.º 28 (IC1 Viana do Castelo/Caminha), requereu contra B. e C. a expropriação por utilidade pública, com carácter de urgência, para a construção da referida auto-estrada, lanço Viana do Castelo/Riba de Âncora, da parcela de terreno com a área de 5523 m2, a destacar do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 418.º da freguesia de Riba de Âncora, sito no lugar de Barrosa, da referida freguesia, tendo-lhe sido atribuído o número 368.

A declaração de utilidade pública respeitante a esta expropriação foi efectuada pelo Despacho n.º 18.240/2003, de 18 de Agosto, do Secretário de Estado da Obras Públicas, publicado no D.R., n.º 220, II Série, de 23 de Setembro de 2003.

O acórdão arbitral atribuiu pela expropriação da parcela em causa o valor global de € 31.215,00.

A expropriante interpôs recurso do acórdão arbitral, nos termos do disposto nos artigos 58.º e seguintes do Código das Expropriações de 1999, invocando argumentos de facto que, em seu entendimento, conduziriam a que a indemnização pela expropriação da parcela referida se quedasse pelo valor global de € 10.415,25.

O Juiz do Tribunal de Caminha proferiu sentença, em 11-4-2007, que, qualificando a parcela expropriada como “solo apto para outros fins”, decidiu o recurso interposto do seguinte modo:

“

  1. Não aplico a norma ínsita no artigo 23º, nº 4, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99 de 18 de Setembro, com fundamento na inconstitucionalidade da mesma, designadamente, na violação do disposto nos artigos 13º, nº 1, 62º, nº 2 e 103º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa;

  2. Julgo parcialmente procedente, por parcialmente provado, o recurso interposto por A., S.A. e, consequentemente, fixo a indemnização devida aos expropriados em € 14.811,75, a actualizar, a final, nos termos do disposto no artigo 24º, nº 1, do Código das Expropriações.”

    Desta sentença recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, al. a), e 75.º-A, da Lei 28/82, de 15/11 (LTC), na parte em que recusou a aplicação da norma contida no artigo 23.º, n.º 4, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, com fundamento na sua inconstitucionalidade.

    Apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:

    “Pelas razões invocadas no Acórdão nº 422/04, proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional, a norma constante do artigo 23º, nº 4, do Código de Expropriações de 1999 não viola o disposto nos artigos 13º e 62º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

    Termos em que deverá proceder o presente recurso.”

    *

    Fundamentação

    1. A norma cuja aplicação foi recusada

      A decisão recorrida considerou inconstitucional e, consequentemente, não aplicou a norma constante do artigo 23.°, n.º 4, do Código das Expropriações de 1999, nos termos da qual “ao montante indemnizatório, determinado de acordo com os critérios previstos no Código das Expropriações deverá ser deduzido o valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação nos últimos cinco anos.”

      Esta disposição não tinha correspondência nos anteriores Códigos das Expropriações, tendo sido uma inovação da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, que aprovou o actual Código.

      Pronunciaram-se pela sua inconstitucionalidade ALVES CORREIA em “A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999”, na R.L.J., Ano 133.º, pág. 116-119, e em anotação ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 422/04, na R.L.J., Ano 134º, pág. 340-352, LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, em “Código das Expropriações anotado”, pág. 92-93, da ed. de 2000, da Almedina, VICTOR SÁ PEREIRA e ANTÓNIO PROENÇA FOUTO, em “Código das Expropriações”, pág. 86, da ed. de 2002, do Rei dos Livros, JOÃO PEDRO DE MELO FERREIRA, em “Código das Expropriações anotado”, pág. 174-175, da 4ª ed., da Coimbra Editora, PEDRO ELIAS DA COSTA, em “Guia das Expropriações por utilidade pública”, pág. 263, da ed. de 2003, da Almedina, e VASCO VALDEZ MATIAS, em “Parecer sobre o Código das Expropriações”, pág. 13-15, da ed. pol. de 1999, da APAE.

    2. A posição anterior do Tribunal Constitucional

      Este Tribunal decidiu, no Acórdão n.º 422/2004 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 59º vol., pág. 687), tirado em Plenário, ao abrigo do disposto no art.º 79.º - A, da LTC, num caso em que estava em causa a mesma norma, mas em que a entidade expropriante era o Município onde se situava o terreno expropriado, não julgar inconstitucional a norma questionada.

      Considerou-se que o disposto no n.º 4, do artigo 23.º, do Código das Expropriações de 1999, não violava nem o princípio da igualdade, nem o direito a uma justa indemnização, consagrados, respectivamente, nos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da C.R.P. - fundamentos então invocados para recusar a aplicação daquela norma pela sentença proferida no processo em que foi prolatado o referido acórdão.

      Posteriormente, efectuaram o mesmo juízo de constitucionalidade, por remissão para os fundamentos do acórdão acima referido, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

      - n.º 585/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

      - n.º 588/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

      - n.º 625/2004 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 60.º vol., pág. 503).

      - n.º 629/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

      - n.º 643/2004 (pub. no Diário da República, II Série, de 10-1-2005).

      - n.º 644/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

      - n.º 662/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

      - n.º 683/2004 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

      - n.º 251/2005 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

      - n.º 332/2005 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt).

      No acórdão n.º 625/2004 afirmou-se que “o acolhimento dessa orientação implica não apenas o acatamento do sentido da decisão das questões de constitucionalidade expressamente tratadas pelo acórdão do Plenário, mas também o respeito pela projecção que, relativamente a questões nele não explicitamente apreciadas, há que atribuir aos juízos em que se fundaram tais decisões, pelo menos quando constituam seu pressuposto lógico necessário.”

      Este raciocínio permitiu que também se considerasse, nesse acórdão e noutros posteriormente proferidos, que o disposto no n.º 4, do art.º 23.º, do Código das Expropriações de 1999, não violava também o princípio da não retroactividade fiscal, consagrado no art.º 103.º, n.º 3, da C.R.P..

    3. A delimitação do objecto do recurso

      A situação em que se recusou a aplicação do disposto no n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., nos presentes autos, é algo diversa da situação sobre a qual recaiu o acórdão n.º 422/2004, tirado por este Tribunal em Plenário, uma vez que aí a entidade expropriante era o próprio Município onde se localizava o terreno expropriado, enquanto neste processo a entidade expropriante é uma sociedade comercial anónima - a “A., S.A.”, concessionária da construção da auto-estrada a que se destina a parcela expropriada.

      Apesar da sentença recorrida revelar conhecer a posição que defende que o n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Exp., deve der interpretado no sentido que o mesmo só é aplicável às expropriações em que a entidade expropriante é o Município onde se situa o terreno expropriado (vide ALVES CORREIA em “A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999”, na R.L.J., Ano 133º, pág. 116-117, e LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, em “Código das Expropriações anotado”, pág. 92-93), admitiu a aplicação infraconstitucional da citada norma à situação sub iudice, apenas a tendo afastado por contrariar preceitos constitucionais.

      Não competindo ao Tribunal Constitucional questionar a bondade da interpretação do direito infraconstitucional acolhida pela decisão recorrida, deve limitar-se, nos termos do art.º 70.º, n.º 1, a), da LTC, a verificar a correcção da recusa da aplicação do disposto no n.º 4, do art.º 23.º, do Cód. das Expr., com fundamento na sua inconstitucionalidade, apesar de, neste caso, a entidade expropriante não ser o Município onde se situa o terreno expropriado.

      Por outro lado, a norma sob análise reporta-se à dedução na indemnização por expropriação da diferença entre o valor da contribuição autárquica efectivamente satisfeito e aquele que seria pago, caso se tivesse considerado como matéria colectável aquele montante indemnizatório.

      A contribuição autárquica foi um imposto de receita municipal, criado pelo D.L. n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código da Contribuição Autárquica (C.C.A.), e substituído posteriormente pelo imposto municipal sobre imóveis (IMI), criado pelo Código de Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.), aprovado pelo D.L. n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que, no seu art.º 31.º, nº 1, revogou o C.C.A., determinando que deve considerar-se “a contribuição autárquica substituída pelo imposto municipal sobre imóveis para todos os efeitos legais”.

      Contudo, tendo a decisão recorrida efectuado o seu juízo de inconstitucionalidade com referência à contribuição autárquica, uma vez que o montante da indemnização, por expropriação, deve ser calculado à data da publicação da Declaração de Utilidade Pública (art.º 24.º, n.º 1, do Cód. das Exp.), que neste caso ocorreu em 18 de Agosto de 2003, ou seja em data anterior à revogação do C.C.A., é o regime desse imposto e não o do posterior IMI, que deve estar presente na presente análise de constitucionalidade.

    4. A...

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