Acórdão nº 43/08 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Janeiro de 2008
Magistrado Responsável | Cons. João Cura Mariano |
Data da Resolução | 23 de Janeiro de 2008 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 43/2008
Processo nº 656/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
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requereu, em 20/10/2006, ao Instituto de Segurança Social, I.P., que lhe fosse concedido apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo e de nomeação de patrono, para dedução de oposição a execução que lhe havia sido movida no Tribunal Judicial de Braga
Em 24-11-2006 foi proferida decisão pelo I.S.S. que indeferiu aquele requerimento.
O requerente impugnou esta decisão para o Tribunal onde pendia o processo executivo, tendo a juiz do 3º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Braga, por decisão de 26-1-2007, julgado improcedente a impugnação e mantido a decisão do I.S.S..
O requerente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual não foi admitido pelo tribunal recorrido, por despacho proferido em 8-3-2007.
O Requerente reclamou deste despacho para o Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, o qual confirmou o despacho reclamado com a seguinte fundamentação:
...O entendimento que da lei faz a Mma. Juíza, bem explanado no seu despacho de sustentação (...) afigura-se correcto; por isso para ele se remete, aqui se dando como reproduzido, igualmente como fundamentação ínsita neste despacho ....
Podia-se ler no despacho de sustentação proferido pela juiz do 3º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Braga:
... o regime de concessão do apoio judiciário e eventual reacção ao seu não deferimento rege-se, na totalidade, pela Lei n.º 34/04, de 29/7.
Todo ele é de cariz administrativo, sem dúvida, mas com maior simplificação de procedimentos e retirando aos interessados, dado tratar-se questões de ordem puramente económica, a possibilidade de invocarem normas constantes dos demais regimes adjectivos, a não ser nas situações expressamente previstas.
Tal como consta já do despacho reclamado, existe apenas um grau de recurso, em matéria de apoio judiciário, que é para o Tribunal de Comarca.
Na verdade, outra interpretação não admite a disciplina plasmada no art. 26º n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29/7, o qual dispõe que: A decisão sobre o pedido de protecção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo susceptível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27º e 28º.
Por seu turno, dispõe o art. 28º, do citado diploma legal que:
1 - É competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontra pendente.
2 - Nas comarcas onde existem tribunais de competência especializada ou de competência específica, a impugnação deve respeitar as respectivas regras de competência.
3 - Se o tribunal se considerar incompetente, remete para aquele que deva conhecer da impugnação e notifica o interessado.
4 - Recebida a impugnação, esta é distribuída, quando for caso disso, e imediatamente conclusa ao juiz, que, por meio de despacho concisamente fundamentado, decide, concedendo ou recusando o provimento, por extemporaneidade ou manifesta inviabilidade.
Por outro lado, o art. 37º, do aludido diploma estabelece como único regime subsidiário o Código de Procedimento Administrativo, em tudo o que não esteja regulado nessa lei e apenas quanto ao procedimento de concessão de protecção jurídica, o que afasta de forma bem clara a aplicabilidade do Cód. Proc. Penal e o regime de recursos aí previsto.
A divergência de vocábulos empregues nos vários diplomas que têm regulado o apoio judiciário, só por si e retirados do contexto global, não tem qualquer relevo.
Veja-se até, por mera comparação, que também o Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Dec. Lei n.º 433/82, de 27/10, alude indistintamente a impugnação e recurso v. Capítulo IV com a epígrafe Recurso e processos judiciais e os n.ºs 1 e 2 do seu art. 59º, o primeiro a falar em impugnação judicial e o segundo em recurso de impugnação não tendo o legislador deixado de esclarecer expressamente quais das decisões que admitiam recurso para o Tribunal da Relação, apesar de indicar como direito subsidiário o processo criminal, onde a regra é o duplo grau de jurisdição.
Finalmente, importa ainda anotar que a jurisprudência citada pelo ora reclamante e disponível Reclamação n.º 580/06-1, de 7/3/2006, do PRE refere-se a situação bem diversa da dos presentes autos.
Aliás, o Tribunal Constitucional tem recorrentemente entendido que a Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz e que o direito a um duplo grau de jurisdição pode ser restringível pelo legislador ordinário, estando-lhe apenas vedada a abolição completa ou afectação substancial deste, sendo que o texto constitucional não garante, genericamente, o direito a um segundo grau de jurisdição. Assim, refere-se mesmo no Ac. n.º convencional ACTC8107, processo 96-0158, de 5/2/98, disponível em dgsi.pt/atcol, que VII De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o duplo grau de jurisdição em matéria não penal não se acha constitucionalmente garantido, reconhecendo-se ampla liberdade ao legislador para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos. Nessa medida, caberá à lei infraconstitucional definir o acesso aos sucessivos graus de jurisdição, segundo critérios objectivos, ancorados numa ideia de proporcionalidade (relevância das causas, natureza das questões) e que respeitar o princípio da igualdade, tratando de forma igual o que é idêntico e de forma desigual o que é distinto.
Nesta conformidade, parece-nos que o direito de acesso à justiça em matéria de apoio judiciário fica devidamente salvaguardado através do regime consagrado nos aludidos arts. 26º, 27º e 28º, da Lei n.º 34/2004, carecendo de fundamento a presente reclamação.
O Requerente interpôs então recurso da decisão do Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), suscitando a inconstitucionalidade das seguintes normas:
Para apreciação da inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas nos artigo 399.º do Código de Processo Penal, e no n.º 1 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugada concomitantemente com o artigo 9.º do Código Civil, na interpretação emergente da douta decisão recorrida no sentido de que não é admissível recurso da decisão judicial tirada sobre impugnação da decisão administrativa que indefere o requerimento de Protecção Jurídica, pois que apesar de a e expressão em última instância ter desaparecido do texto legislativo actual e de a sindicância da decisão administrativa ter visto a sua denominação alterada de recurso de impugnação para impugnação judicial ( o modelo de impugnação judicial da decisão da segurança social quanto ao apoio judiciário se mantém intocado relativamente ao anterior, nesta vertente, da Lei n.º 30-E/2000.
Uma tal interpretação dessas conjugadas normas legais viola os princípios do acesso ao direito e aos tribunais e do direito ao recurso, imperativos dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 20.º, n.ºs 1 e 7 do artigo 32.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 202.º e artigo 203.º, in fine, todos da Constituição da República Portuguesa (...).
O Recorrente apresentou posteriormente alegações, culminando as mesmas com a formulação das seguintes conclusões:
1.ª A apreciação de petição do instituto de Protecção Jurídica não configura bagatela jurídica, antes se apresenta como questão essencial por, a montante da questão principal trazida a juízo, poder cercear ou impedir o acesso ao direito e aos tribunais pelo cidadão economicamente carenciado.
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O recurso da decisão judicial tirada sobre a impugnação do acto administrativo que tenha indeferido a concessão desse instituto é, na realidade, o primeiro e único recurso jurisdicional.
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A sua admissibilidade não está vedada por lei, nem nas excepções previstas no art.º 400.º do Código de Processo Penal, nem no n.º 1 do art.º 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, não podendo existir qualquer razão para interpretar esta norma de modo diverso do que a sua letra expressa, por absoluta omissão.
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Sendo a regra geral, a do art.º 399.º da aludida lei adjectiva penal, a aplicável pois que a irrecorribilidade tem que estar expressa taxativamente.
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Sem que sequer se possam esgrimir quaisquer outros motivos, designadamente de índole histórico ou de celeridade, que obstem a esta interpretação.
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Muito menos a expressão Alcance da decisão final plasmada no art.º 29.º da mesma Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, pode ser entendida noutro sentido que não como sendo a definitiva, a que já não admite recurso judicial, a transitada em julgado.
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É, pois, recorrível por nada estar expresso nessas normas legais no sentido contrário, devendo estar se o não fosse, segundo a regra do citado art.º 399.º do Código de Processo Penal.
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A interpretação legislativa das normas arguidas plasmada pelo Tribunal a quo viola o direito do cidadão carenciado a aceder de forma célere e equitativa ao direito e aos tribunais, sindicando as decisões judiciais que se lhe afigurem de erradas e/ou ilegais, competindo aos tribunais, em primeira linha, tutelar tais direitos, assegurando o seu exercício, em submissão à lei e à constituição, seja qual for a posição desse cidadão na acção a dirimir.
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Devendo, em conformidade, ser declarada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 28.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e do art.º 399.º...
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