Acórdão nº 258/08 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução30 de Abril de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 258/2008

Processo n.º 958/07

2ª Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Em 25 de Junho de 1997, a sociedade “A., S.A.” requereu junto da Câmara Municipal de Lisboa (CML) o licenciamento da construção de um edifício novo, com cinco pisos acima do solo, destinados a habitação, comércio e escritórios, e seis caves destinadas a estacionamento e arrecadações, em substituição de edifícios antigos e demolidos, na cidade de Lisboa.

Posteriormente, em 14 de Abril de 2000, ao aprovar o referido pedido de licenciamento, a CML viria a condicionar a emissão da competente licença de construção à obrigação de pagamento, pela Requerente, da importância de Esc. 158.752.952$00, a título de taxa devida pela realização de infra-estruturas urbanísticas (TRIU), então liquidada ao abrigo do disposto no Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa (RTRIU), aprovado em 11 de Julho de 1991, na redacção constante do Edital n.º 122/95, do Município de Lisboa.

Em 24 de Maio de 2000, a Requerente reclamou graciosamente contra a liquidação da referida TRIU, tendo esta reclamação sido indeferida por decisão proferida pelo Vereador das Finanças da CML.

Em 15 de Setembro de 2000, inconformada com esta decisão, a Requerente viria a impugnar judicialmente a aludida liquidação da TRIU junto do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa.

A impugnação foi julgada improcedente na 1.ª instância, por sentença proferida em 16 de Setembro de 2003, da qual a Requerente interpôs recurso para a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, tendo este tribunal superior negado provimento ao recurso e confirmado a sentença recorrida, por acórdão datado de 11 de Outubro de 2005.

É desta decisão do Tribunal Central Administrativo Sul – não obstante ter havido, entretanto, lugar à intervenção do Supremo Tribunal Administrativo em sede de recurso fundado em oposição de acórdãos, que veio a ser julgado findo por inexistência de oposição – que a Requerente interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), tendo por objecto a “questão da inconstitucionalidade das normas do Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa (RTRIU), aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa de 1991.07.01, que prevêem a Taxa pela realização de Infra-Estruturas Urbanísticas (TRIU) face às normas e princípios consagrados nos artigos 2.º, 9.º, 18.º, 20.º, 62.º, 103.º e 165.º/1/i) e 266.º da CRP.”

A recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:

“1º. O tributo instituído pelo RTMIEU e concretamente exigido à ora recorrente nunca poderia qualificar-se como taxa, pois:

  1. Não existe qualquer relação concreta ou contrapartida específica, por parte do Município relativamente ao respectivo pagamento, pois não se verificou a instalação ou reforço de quaisquer infra-estruturas urbanísticas, primárias ou secundários, cuja construção ou ampliação tenha sido necessária em consequência do licenciamento e construção do prédio da ora recorrente, não podendo também ser exigido pela recorrente a realização da referida prestação pelo Município;

  2. Não existe qualquer nexo de proporcionalidade ou equilíbrio entre o montante do referido tributo e eventuais serviços prestados ou a prestar pelo Município de Lisboa à ora recorrente;

  3. O tributo em análise foi liquidado apenas por a recorrente manifestar a sua capacidade contributiva, ao requerer e obter a emissão da respectiva licença de construção – cfr. texto n.ºs a 1 a 5;

    1. No caso em análise inexiste qualquer relação entre os montantes pagos pelo recorrente e eventual contrapartida a prestar pelo Município de Lisboa, pelo que o tributo criado pelas normas regulamentares do RTMIEU nunca poderio qualificar-se como taxa (v. Ac. TCA, de 2003.05.13, Proc. 4/03) – cfr. texto n.ºs 6 a 10;

    2. O tributo em análise assume a natureza de contribuição especial, estando sujeito ao princípio da legalidade tributária e ao regime de criação e execução legalmente estabelecido para os impostos, sendo manifesta a inconstitucionalidade material e orgânica das normas do RTMIEU que o instituíram (v. arts. , , 18º, 20º, 61º, 62º, 103º, 165º/1/i) e 266º da CRP; cfr. art. 3º/3 da LGT; cfr. ainda, Ac. TC n.º 274/2004, de 2004.04.20, Proc. 295/03, in ww.tribunalconstitucional.pt) – cfr. texto n.º 11;

    3. O Município de Lisboa não realizou quaisquer obras de urbanização nem procedeu à abertura de grandes vias de comunicação nem provou a realização de quaisquer infra-estruturas urbanísticas em consequência do licenciamento do prédio da ora recorrente, tendo reconhecido que os estacionamentos projectados pela recorrente são suficientes (v. arts. 9º e 10º da p.i., não impugnados; cfr. fls. 28 do Acórdão recorrido do TCAS, de 2005.10.11; cfr. ainda acta de inquirição de testemunhas de fls. 85 a 93 dos autos cfr. texto n.º 12;

    4. As normas do RTMIEU que criaram a TRIU são assim claramente inconstitucionais, por violação do disposto nos arts. 103º e 165º/1/i) do CRP, pois estabeleceram um imposto ou contribuição especial não previsto na lei cfr. texto n.º 12;

    5. As normas regulamentares do RTMIEU violam ainda os princípios constitucionais da igualdade, justiça, proporcionalidade, iniciativa privada, segurança, confiança e boa fé (v. arts. 2º, 9º, 13º, 18º, 61º, 103º e 266º da CRP) – cfr. texto n.ºs 13 e 14.”

    Por seu turno, o Recorrido MUNICÍPIO DE LISBOA contra-alegou e concluiu nos seguintes termos:

    “I - A taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas do Município de Lisboa foi criada por deliberação da assembleia municipal no âmbito dos seus poderes tributários previstos no artigo 238º da CRP, encontrando-se prevista na Lei das Finanças Locais e no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais.

    II - Esta taxa conforme decorre do artigo 2º do referido Regulamento, ao incidir sobre o aumento de área bruta de construção e/ou do coeficiente de utilização resultante de operações urbanísticas de loteamento urbano, construção, reconstrução e ampliação de edifícios ou respectivas fracções ou alteração da utilização destes, respeita os princípios da proporcionalidade e da equivalência jurídica, encontrando-se assim estabelecida a sinalagmaticidade, característica essencial das taxas.

    III - Na realidade, desta forma procede-se a uma repartição da nossa receita pública pelos particulares que pretendem realizar operações de construção, segundo um padrão médio, que de modo razoável exprima a responsabilidade de cada um pela necessidade de construir, remodelar ou reforçar infra-estruturas urbanísticas.

    IV - A TRIU no Município de Lisboa corresponde, assim, a uma contrapartida específica devida ao município como compensação das despesas efectuadas, ou a efectuar, pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras sobre que incide esse tributo, cujo valor determinado caso a caso respeita a proporcionalidade entre o seu montante, o fim proposto e os meios utilizados na realização da contraprestação tendo natureza de taxa e não de imposto.

    V - Não consubstanciando, assim, qualquer imposto ou contribuição especial ilegalmente criado, conforme é confirmado pela jurisprudência dominante e conforme foi já também apreciado pelo próprio Tribunal Constitucional.”

    *

    Fundamentação

    1. Do objecto do recurso

      No respectivo requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a Recorrente requereu a fiscalização concreta da constitucionalidade das normas do Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa (RTRIU), mais concretamente, daquelas que prevêem a Taxa Municipal pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas (TRIU).

      Sendo o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade o acto idóneo para a fixação do seu objecto, não pode o recorrente, nas peças processuais subsequentes, alterar ou modificar esse objecto, sendo apenas possível restringi-lo.

      Assim, convém precisar, face a alguma equivocidade das alegações apresentadas pelo recorrente, que a fiscalização de constitucionalidade a efectuar neste recurso recairá apenas sobre as regras que integram o denominado RTRIU do Município de Lisboa, aprovado em 11 de Julho de 1991, na redacção constante do edital nº 122/95, e não sobre qualquer interpretação normativa destas disposições, porventura sustentada na decisão recorrida, e muito menos sobre o resultado da aplicação dessas normas ao caso concreto, o que configuraria um recurso de amparo, o qual não tem lugar no nosso sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade.

    2. Da constitucionalidade do RTRIU do Município de Lisboa

      O presente recurso de constitucionalidade versa a vexata quaestio da natureza jurídica das “taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas” criadas por regulamentos emanados das assembleias municipais.

      Para melhor compreensão da realidade em presença importa recuperar os dados de facto essenciais e situá-los no tempo, sendo certo que, entretanto, houve lugar a alterações legislativas relevantes em matéria de taxas das autarquias locais.

      Em 25 de Junho de 1997, a sociedade recorrente requereu, junto da Câmara Municipal de Lisboa (CML), o licenciamento da construção de um edifício novo, com cinco pisos acima do solo destinados a habitação, comércio e escritórios, e seis caves destinadas a estacionamento e arrecadações, em substituição de edifícios antigos e demolidos, na cidade de Lisboa.

      Posteriormente, em 14 de Abril de 2000, ao aprovar o referido pedido de licenciamento, a CML viria a condicionar a emissão da competente licença de construção à obrigação de pagamento, pela Recorrente, da importância de Esc. 158.752.952$00, a título de taxa devida pela realização de infra-estruturas urbanísticas (TRIU), então liquidada ao abrigo do disposto no...

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