Acórdão nº 311/08 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução30 de Maio de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACORDÃO Nº 311/08

Processo n.º 753/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I- Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., S.A., e B., Lda., e recorrido o C., Lda., vem interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:

    […] 9. O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 1 do art.° 70.º da Lei n.° 28/82 na sua redacção actual.

    10. As ora Recorrentes pretendem ver apreciada a inconstitucionalidade da norma segundo a qual a excepção dilatória de violação da convenção de arbitragem prevista no art. 494.°, al. j) do CP Civil não é aplicável nos casos em que a “dificultas prestandi” de uma das partes de um contrato, torna inexigível que ela cumpra o acordo de arbitragem. Ainda segundo esta norma o direito de acesso à justiça consagrado no art. 20.° da Constituição está situado num plano superior ao “direito à arbitragem” das Recorrentes (fls. 982); pelo que não é possível opor-lhe, de forma procedente, aquela excepção dilatória.

    11. A coberto de uma interpretação conforme à Constituição, o Tribunal Judicial de Braga e o Tribunal da Relação de Guimarães, julgaram, afinal, a norma inaplicável ao caso concreto.

    12. O que viola os princípios constitucionais da protecção da confiança e determinabilidade da lei aplicável pelo tribunal, para além do art. 209.°, n.° 2 da Constituição, uma vez que os tribunais arbitrais são uma das categorias de tribunais previstas na Constituição.

    13. Norma essa que é pois inconstitucional.

    14. Nos termos do n.° 1 do art. 280.° da Constituição são recorríveis para o tribunal Constitucional,”as decisões proferidas pelos restantes tribunais em que, a coberto de uma interpretação conforme à Constituição, se haja julgado, afinal a norma inaplicável ao caso concreto. E isto por se considerar que tais situações são, na prática, equiparáveis aquelas em que tenha havida uma pura e simples recusa de aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade” - Luís Nunes de Almeida, A Justiça Constitucional no quadro das funções do Estado, in, Justiça Constitucional e espécies, conteúdo e efeitos das decisões sobre a Constitucionalidade de normas, Lisboa, 1987, III, pag.124.

    15. Como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira, para efeitos de decisões que tenham recusado a aplicação de norma por inconstitucionalidade, não é necessário que o tribunal tenha considerado a norma absolutamente inconstitucional; é suficiente que tenha recusado a sua aplicação num dos seus sentidos possíveis por motivo de inconstitucionalidade — J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, A Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra, 1993, pág. 1019.

    16. A inconstitucionalidade da norma supra, foi suscitada pelas recorrentes nos articulados, na 1ª instância, nas alegações do recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães e também nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e no requerimento de reclamação.[…]

  2. Em resposta ao convite ao aperfeiçoamento formulado pelo relator, a fls. 651, os recorrentes vieram dizer o seguinte:

    As ora Recorrentes pretendem ver apreciada a inconstitucionalidade da norma segundo a qual a excepção dilatória de violação da convenção de arbitragem prevista no art. 494.º, al. j) do CP Civil não é aplicável nos casos em que a “dificultas prestandi” de uma das partes de um contrato, torna inexigível que ela cumpra o acordo de arbitragem. Ainda segundo esta norma o direito de acesso à justiça consagrado no art. 20.° da Constituição está situado num plano superior ao “direito à arbitragem” das Recorrentes (fls. 982); pelo que não é possível opor-lhe, de forma procedente, aquela excepção dilatória.

    Como refere Gomes Canotilho e Vital Moreira “Constituição da Republica Portuguesa Anotada”, Coimbra, 1993, pág. 1019, para efeitos de recursos das decisões que tenham recusado a aplicação de norma por inconstitucionalidade, não é necessário que o tribunal tenha considerado a norma absolutamente inconstitucional; É suficiente que tenha recusado a sua aplicação num dos sentidos possíveis por motivo de inconstitucionalidade. De acordo com Rui Medeiros in “A decisão de inconstitucionalidade”, Universidade Católica Editora, 1999, pág. 325, a concepção hoje dominante no Tribunal Constitucional é de que são recorríveis para este Tribunal, nos termos da al. a) do n.° 1 do art. 280 da Constituição “as decisões proferidas pelos restantes Tribunais em que, a coberto de uma interpretação conforme à constituição, se haja julgado, a final, a norma inaplicável ao caso concreto.

    E isto “por se considerar que tais situações são, na prática, equiparáveis aquelas em que tenha havido uma pura e simples recusa de aplicação de norma, com fundamento na sua inconstitucionalidade”.

    Assim sendo e salvo melhor opinião V. Exa, Exmo. Conselheiro Relator que, suprirá se assim o entender conveniente, entendem as Recorrentes que a decisão recorrente é recorrível para o Tribunal Constitucional, nos termos da al. a) do n.° 1 do art. 280.° da Constituição sendo, consequentemente, o presente recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 1 do art.° 70.° da Lei 28/82 na sua versão actual.

    A tudo acresce que a inconstitucionalidade da norma supra, foi suscitada pelas recorrentes nos articulados, na 1.ª instância, nas alegações do recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães e também nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e no requerimento de reclamação.

  3. As recorrentes apresentaram alegações onde concluem o seguinte:

    I. A decisão do tribunal “a quo” que, a coberto de uma interpretação conforme à Constituição, julgou inaplicável a norma do art. 494.º, al. j) do CPC ao caso concreto, é recorrível para o Tribunal Constitucional.

    II. A norma segundo a qual a excepção dilatória decorrente da violação de convenção de arbitragem se não verifica quando ocorra uma situação de insuficiência económica que impossibilite uma das partes dessa convenção de suportar as despesas com a constituição e funcionamento da arbitragem, pelo que, em tal caso, pode submeter o litígio que a oponha à outra parte aos tribunais estaduais, é inconstitucional, violando, nomeadamente, os princípios constitucionais da protecção da confiança e da determinabilidade da lei aplicável.

    III. Os tribunais arbitrais são verdadeiros tribunais, fazendo parte das categorias de tribunais previstas na Constituição da República.

    IV. A administração da justiça não é um monopólio exclusivo dos tribunais estaduais.

    V. O direito de acesso à justiça, consagrado no art. 20.º da Constituição da República, não é susceptível de ser violado por via da aplicabilidade da norma do art. 494.º, al. j) do CPC.

    VI. Do mesmo modo, esta norma não põe em causa nenhum valor fundamental do ordenamento jurídico português, consagrado constitucionalmente.

    VII. Não é aceitável o entendimento do tribunal “a quo”, segundo o qual a aplicação da norma do art. 494.º al. j) do CPC, implica a denegação de acesso à justiça, mesmo na situação de insuficiência económica de uma das partes.

    VIII. A autora da acção nunca tomou a iniciativa de constituir o tribunal arbitral, pelo que nem sequer foi apurado que ela não teria podido prosseguir a instância arbitral sem custear os respectivos custos de funcionamento, já que esta é uma decisão que estava, e está, na disponibilidade das partes e do próprio tribunal arbitral.

    IX. Não é, pois, possível, concluir, como o fez o tribunal “a quo”, que a aplicação da norma do art. 494.º, al. j) do CPC, colocava em causa o dever do Estado de assegurar a todos o direito de acesso à justiça e o dever de impedir que este direito seja denegado por insuficiência de meios económicos.

    X. A aplicabilidade da norma do art. 494.º, al j) do CPC, não significa, pois, a denegação do direito de acesso à justiça, com referência à parte contra a qual foi deduzida a mencionada excepção dilatória.

    XI. A validade da convenção de arbitragem estabelecida pelas partes, nunca foi questionada pela autora, nos termos do art. 437.º do Código Civil, à luz do instituto da resolução ou alteração do contrato por alteração das circunstâncias.

    XII. A norma cuja inconstitucionalidade é objecto do presente recursos, viola os princípios constitucionais da protecção da confiança e da determinabilidade da lei aplicável, e bem assim, o disposto no art. 209.º da Constituição da República, na medida em que desconsidera os tribunais arbitrais que fazem parte da administração da justiça, atenta a sua natureza, o seu carácter jurisdicional, o estatuto de independência e imparcialidade dos respectivos juízes.

    4. O recorrido contra-alegou, suscitando a questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso, e concluindo o seguinte:

    1. Carecem as Recorrentes de qualquer razão para obter a fiscalização concreta da decisão do tribunal a quo, sendo que não se vislumbra nos argumentos apresentados pelas mesmas qual a inconstitucionalidade ou qual a norma legal ou constitucional violada pela douta decisão recorrida.

    2. O presente recurso constitui um flagrante abuso de direito na medida em que as Recorrentes se servem do mesmo para protelar o julgamento da presente acção que, note-se, foi considerada prejudicial à acção de falência por Acórdão do STJ de 12.10.2004. Falência essa que foi inclusive...

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