Acórdão nº 383/12 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Catarina Sarmento e Castro
Data da Resolução12 de Julho de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 383/2012

Processo n.º 437/10

  1. Secção

Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Nos presentes autos, vindos do 2.º Juízo de Competência Cível de Vila Franca de Xira, veio o Ministério Público interpor recurso da sentença datada de 5 de janeiro de 2010, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

  2. No requerimento de interposição do recurso, consta que “a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é o art. 64.º, n.ºs 7 a 9, do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação que lhe foi conferida pelo DL n.º 153/2008, de 6 de agosto.”

  3. A presente ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, proposta pelo aqui recorrido contra a A. – Companhia de Seguros S.A., foi instaurada com base em pretensão de recebimento de indemnização por danos sofridos na sequência de acidente de viação.

    A ré apresentou contestação.

    Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 5 de janeiro de 2010, concedendo parcial procedência à ação.

    Na parte relevante, para efeito de apreciação do objeto do presente recurso, é do seguinte teor a fundamentação da aludida sentença:

    “A respeito do valor do rendimento mensal do lesado a ter em conta na determinação da indemnização por danos patrimoniais decorrentes da perda de rendimentos em consequência de incapacidade, foi recentemente introduzida uma alteração legislativa, acerca da qual se impõe tecer algumas considerações.

    O Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, relativo ao seguro obrigatório automóvel, que veio substituir o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de dezembro, tendo como principal objetivo a transposição de diretivas do Conselho e do Parlamento Europeu neste domínio, foi recentemente alterado pelo Decreto-Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, que introduziu no seu art. 64.°, inserido no Capítulo V relativo às “Disposições Processuais” e que rege sobre “Legitimidade das partes e outras regras”, os n.°s 7 a 9, que estabelecem regras a aplicar pelo tribunal na averiguação e fixação do valor da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado em acidente de viação, a saber:

    “7— Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear -se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal.

    8 — Para os efeitos do número anterior, o tribunal deve basear -se no montante da retribuição mínima mensal garantida (RMMG) à data da ocorrência, relativamente a lesados que não apresentem declaração de rendimentos, não tenham profissão certa ou cujos rendimentos sejam inferiores à RMMG.

    9 — Para os efeitos do n.° 7, no caso de o lesado estar em idade laboral e ter profissão, mas encontrar-se numa situação de desemprego, o tribunal deve considerar, consoante o que for mais favorável ao lesado:

    1. A média dos últimos três anos de rendimentos líquidos declarados fiscalmente majorada de acordo com a variação do índice de preços no consumidor, considerando o seu total nacional, exceto habitação, nos anos em que não houve rendimento; ou

    2. O montante mensal recebido a título de subsídio de desemprego.”

    Esta alteração legislativa, segundo consta do preâmbulo do citado DL 153/2008, pretende contribuir para a concretização da medida prevista na resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2007, de 6 de novembro, de “revisão do regime jurídico aplicável aos processos de indemnização por acidente de viação, estabelecendo regras para a fixação do valor dos rendimentos auferidos pelos lesados para servir de base à definição do montante da indemnização, de forma que os rendimentos declarados para efeitos fiscais sejam o elemento mais relevante”.

    Medida essa que, como outras previstas nessa Resolução, segundo o referido preâmbulo, visa diminuir a fonte de litigiosidade que contribui para o congestionamento dos tribunais, consistente em as seguradoras em regra basearem o cálculo da indemnização devida por danos patrimoniais nos rendimentos declarados pelos lesados à administração tributária, enquanto estes não raramente invocam em juízo rendimentos bastante superiores sem correspondência com as declarações fiscais.

    Assim, conforme o referido preâmbulo, a alteração legislativa em apreço surge “para pôr cobro ao potencial de litigiosidade que aquela situação encerra, procurando, por um lado, contribuir para acentuar a tendencial correspondência entre a remuneração inscrita nas declarações fiscais e a remuneração efetivamente auferida — sinalizando-se também aqui o reforço de uma ética de cumprimento fiscal — e por outro, aumentar as margens de possibilidade de acordo entre seguradoras e segurados (...).” E ainda, de uma cajadada só, consegue-se com estas regras introduzidas no citado art.° 64° “que nestas matérias exista mais objetividade e previsibilidade nas decisões dos tribunais, criando também condições para que a produção de prova seja mais fácil e célere e a decisão mais justa.” (…)

    Admite-se por compreensível, que as seguradoras se baseiem nas declarações de rendimentos apresentadas para efeitos fiscais pelos lesados para apresentarem as suas propostas indemnizatórias, o que, como é evidente, não resulta de terem tomado o encargo louvável de defesa da verdade tributária e da captação de receitas fiscais, visando antes a finalidade egoísta de defesa do seu património e aumento dos seus lucros, eximindo-se do cumprimento da sua obrigação contratual de ressarcir os danos patrimoniais efetivamente sofridos pelos lesados, traduzidos na perda de rendimentos presentes ou redução da capacidade de ganho futuro, em consequência de incapacidade com reflexos negativos no exercício da profissão.

    Da nossa experiência judicial resulta ainda que, quando estão em causa valores acima de certo limite, como sucede em especial no que respeita a este tipo de danos patrimoniais, as seguradoras apenas fazem acordo se o lesado aceitar receber uma indemnização inferior, por vezes em mais de metade, ao valor concreto dos danos sofridos, sendo preferível, do ponto de vista financeiro, para as seguradoras, obrigar o lesado a propor a competente ação judicial, cuja tramitação em regra exige o decurso de vários anos enquanto se realizam as consabidamente morosas mas imprescindíveis periciais médico-legais para fixação da(s) incapacidade(s), período esse durante o qual o montante indemnizatório que devia estar nas mãos do lesado é investido de forma lucrativa pelas seguradoras dos lesantes devedoras.

    Não cremos, pois, que as regras em apreço sejam dotadas da virtualidade de poderem, em alguma medida, contribuir para a diminuição da litigiosidade entre lesados e seguradoras dos lesantes nos acidentes de viação nem para o descongestionamento dos tribunais, apenas podendo redundar em injusto beneficio do património destas à custa do prejuízo do património daqueles.

    De outra sorte, estamos certos de que da sua aplicação nunca poderá resultar a facilitação da produção de prova dos rendimentos auferidos pelos lesados e menos ainda uma decisão assente em critérios objetivos e materialmente justa.

    Com efeito, sendo com base nas declarações de rendimentos apresentadas à administração tributária que esta calcula o montante de imposto devido pelo apresentante, o qual naturalmente tem interesse em declarar o menos possível por forma a pagar o menos possível, é evidente que raramente tais declarações refletem os verdadeiros rendimentos auferidos e, consequentemente, calcular com base nelas o valor dos rendimentos perdidos em consequência de incapacidade resultante de acidente de viação, é falsear a realidade, em benefício dos lesantes, ou melhor, das seguradoras que se lhes substituem, por obrigação contratual, na indemnização desses danos.

    (…)

    Não é atribuindo a esse...

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