Acórdão nº 391/12 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Agosto de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução09 de Agosto de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 391/12

Processo n.º 558/12

Plenário

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

  1. A Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia de Crestuma submeteu ao Tribunal Constitucional, por carta enviada ao seu Presidente datada de 25/7/2012 e com registo de entrada neste Tribunal em 26/07/2012, requerimento para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, nos termos do artigo 25.º e seguintes da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de Agosto (doravante LORL), que aprova o regime jurídico do referendo local (alterada pelas Leis Orgânicas n.ºs 3/2010, de 15 de dezembro, e 1/2011, de 30 de novembro), da deliberação da Assembleia de Freguesia de Crestuma, tomada na sua sessão extraordinária de 19.07.2012, «com vista à realização de referendo local», a qual aprovou por unanimidade o Ponto 1 da Ordem de Trabalhos «Votação de proposta de referendo local, na freguesia de Crestuma, sobre a agregação de freguesias, prevista na Lei 22/2012 da reorganização administrativa».

  2. A Presidente da Assembleia de Freguesia, no requerimento de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, solicitou ainda ao Tribunal Constitucional «se digne determinar o Reenvio Prejudicial ao referido tribunal [de justiça europeu], nos termos previstos no Tratado europeu, com vista à resposta das questões do doc. n.º 2 e eventualmente de outras que o tribunal entenda aduzir».

  3. O requerimento subscrito pela Presidente da Assembleia de Freguesia de Crestuma vem instruído com 4 documentos: i) doc. n.º 1, denominado «(…) proposta de Referendo Local, aprovada pela Junta de Freguesia em 28/06/2012(…)» (Acta 1120 da reunião da Junta de Freguesia de Crestuma realizada em 28/6/2012); ii) doc. n.º 2, denominado «(…) anexo à referida proposta, subscrito pela Junta de Freguesia (…)» (Anexo à proposta de referendo); iii) doc. n.º 3, denominado «documento comprovativo da data de recepção da proposta da Junta de Freguesia, datado de 5/07/2012» (Aviso de recepção-de entrega, de 5/07/2012); iv) doc. n.º 4 denominado «Acta» da Assembleia Freguesia), «datada de 19/07/2012, comprovativa da deliberação tomada pela Assembleia, relativamente à proposta referida em 1» (doc. n.º 1 – proposta de Referendo Local, aprovada pela Junta de Freguesia em 28/06/2012) – também denominado «Minuta da acta da Assembleia» na carta dirigida a este Tribunal.

  4. O requerimento foi admitido pelo Presidente do Tribunal Constitucional em 26/07/2012 tendo sido por este ordenada, na mesma data, a distribuição do processo, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 29.º da LORL.

  5. Apresentado o memorando a que se refere o n.º 2 do artigo 29.º da LORL, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre elaborar acórdão nos termos do n.º 3 do artigo 30.º da mesma Lei.

    II - FUNDAMENTAÇÃO

  6. Dos documentos juntos aos autos, tem-se por assente, com relevância para a decisão, o seguinte:

    6.1 Em 28 de Junho de 2012, na reunião da Junta de Freguesia de Crestuma, foi apresentada, «analisada e aceite por todos os membros da Junta» (leia-se aprovada), no âmbito do Ponto 1 da Ordem de Trabalhos, uma proposta de referendo, e respectivo anexo, com vista a «Promover a iniciativa de realização de um referendo local, na freguesia de Crestuma, sobre a agregação de freguesias, prevista na lei da reorganização administrativa territorial autárquica» – a ser entregue, nos termos do Art.º 10.º e 11.º da lei do Referendo Local, para apreciação e aprovação da Assembleia de Freguesia de Crestuma – com o seguinte teor:

    (…)1º - Considerando que a existência do nome ou identidade de Crestuma remonta, segundo textos conhecidos e publicados, a período anterior à própria nacionalidade;

    2º - Considerando a responsabilidade histórica que a execução da lei de reorganização administrativa envolve, não somente para os fregueses de Crestuma, mas também e em particular para os membros eleitos desta Junta, que não podem nem devem aceitar, sem a participação activa do povo, qualquer acto do qual possa resultar em última instância a extinção da freguesia;

    3º - Considerando, ainda e mais especificamente, que do património da freguesia fazem parte a memória colectiva, tradições, usos e costumes das pessoas, e, não menos significativo, o seu termo ou limite territorial, tudo concorrendo para a verdadeira identidade;

    4º - Estando esta Junta segura de que, perante uma medida que a afecta tão profundamente, tem o povo da freguesia de expressar a sua vontade, devendo para isso serem proporcionados e implementados os meios necessários existentes no quadro legal em vigor;

    5º - Tendo desde logo em conta que a Carta Europeia das Autarquias Locais (CEAL) de 15-10-1985, adoptada pelo Conselho da Europa, e ratificada por Decreto do Presidente da República nº 58/90, de 23 de Outubro, publicado no Diário da República, I Série, nº 245/90, determina no art.º 5º:

    As autarquias locais interessadas devem ser consultadas previamente relativamente a qualquer alteração dos limites territoriais locais, eventualmente por via de referendo, nos casos em que a lei o permita

    6º - Considerando que num estado democrático nenhuma decisão que condicione ou altere a vida das populações deve ser tomada sem a sua prévia audição e participação (artº 2º e 9º da CRP);

    7º - Considerando que o referendo local está previsto na Constituição da República Portuguesa (art.º 240 CRP), nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer, prevendo o art.º 3º da Lei do Referendo que este pode ter por objecto questões de relevante interesse local que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesia, que se integrem nas suas competências, quer exclusivas quer partilhadas com o Estado;

    8º - Considerando que esta Junta tem a oportunidade de implementar a proposta de referendo, na medida em que através de auscultação da freguesia em diversas ocasiões, como no caso duma sessão de esclarecimento em que foi vivamente aclamada a ideia da sua realização;

    São apresentadas, para serem respondidas, estas perguntas:

    1ª - Concorda com a alteração dos limites territoriais da freguesia de Crestuma?

    2ª - Concorda com a junção da freguesia de Crestuma, com a freguesia de Lever, ou Sandim, ou Olival? (…)

    ANEXO À PROPOSTA DE REFERENDO

    1 – Entrou em vigor a Lei nº 22/2012 de 30 Maio, publicada no DºRº, 1ª série, nº 105 de 30 Maio de 2012, que prevê essencialmente a reorganização das freguesias, mediante parâmetros de agregação, em cujo teor se prevê a redução do seu número para 55%, quanto a freguesias situadas total ou parcialmente em lugar urbano, ou lugares urbanos sucessivamente contíguos, e para 35%, no caso de freguesias rurais (artº 6º), cuja classificação em ambas as formas foi artificialmente tabelada pela lei; em concretização dessa reorganização, cada assembleia de freguesia apenas pode emitir parecer que a assembleia municipal acatará, “desde que se conforme com os princípios e parâmetros definidos na lei” (artº 11º), o que significa sem dúvida alguma, e em última análise, que é meramente opinativo ou de mera inutilidade;

    2 – Visto que a aplicação estrita da lei implica a extinção desta freguesia e a agregação a outras que a população liminarmente pode rejeitar, ou seja, pode ser-lhe imposta por determinação legal (artº 14º) uma solução à inteira revelia da vontade do povo, com inimagináveis consequências futuras, entendeu esta Junta deliberar a propositura de um Referendo Local, conforme fundamentado na Proposta de Referendo, para se determinar a vontade expressa da população;

    3 - A solicitação de Referendo ao TC, conforme teor da proposta desta Junta de Freguesia, funda-se, em primeira linha, na Carta Europeia de Autonomia Local (CEAL) de 15-10-1985, adoptada pelo Conselho da Europa, e ratificada por Decreto do Presidente da República nº 58/90 de 23 de Outubro, publicado no DR, I série nº 245/90;

    4 – O preceituado na Carta vincula o Estado Português, com a supremacia que lhe é reconhecida (artº 8 CRP e primado do direito da União), em toda a sua extensão, na medida em que o Estado decidiu não proceder a qualquer notificação (Secretário Geral do Conselho da Europa) para limitação do seu âmbito, como lhe era lícito ao abrigo do preceituado dos artº 12º e 13º dessa Carta.

    5 – Vigorando assim plenamente a dita Carta na Ordem Jurídica Portuguesa desde 1 de Abril de 1991, do Preâmbulo da Carta consta especialmente:

    - 3º Considerando: “que as autarquias locais são um dos principais fundamentos de todo o regime democrático”

    - 4º Considerando: “que o direito de os cidadãos participar na gestão dos assuntos públicos faz parte dos princípios democráticos comuns a todos os Estados membros do Conselho da Europa”

    - 5º Considerando: “convencidos de que é ao nível local que este direito pode ser mais directamente exercido”

    - 7º Considerando: “conscientes do facto de que a defesa e o reforço da autonomia local nos diferentes países da Europa representam uma contribuição importante para a construção de uma Europa baseada nos princípios da democracia e da descentralização do poder”

    - 8º Considerando: “que o exposto supõe a existência de autarquias locais dotadas de órgãos de decisão constituídos democraticamente e beneficiando de uma ampla autonomia quanto às competências, às modalidades do seu exercício e aos meios necessários ao cumprimento da sua missão”

    6 – No seu artº 2º determina-se que “O princípio da autonomia local deve ser reconhecido pela legislação interna e tanto quanto possível pela Constituição”; e quanto ao seu âmbito refere-se no artº 4º nº 4 que “As atribuições confiadas às autarquias locais devem ser normalmente plenas e exclusivas, não podendo ser postas em causa ou limitadas por qualquer autoridade central ou regional, a não ser nas termos da lei”; e no nº 6 do mesmo artigo – “As autarquias locais devem ser consultadas, na medida do possível, em tempo útil e de modo adequado, durante o...

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