Acórdão nº 445/12 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Gomes
Data da Resolução26 de Setembro de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 445/2012

Processo n.º 889/10

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Vítor Gomes

    Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

    1. Relatório

      1. Os assistentes A., B. Lda. e C., Lda. recorrem, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de outubro de 2010, que julgou extinto o procedimento criminal contra o arguido D..

        No que interessa, o Tribunal da Relação considerou que a prescrição do procedimento criminal não se interrompe com a notificação da acusação particular quando esta não seja acompanhada pelo Ministério Público, como no caso sucedeu.

      2. Os recorrentes apresentaram alegações em que concluem nos seguintes termos:

        “1. O Acórdão proferido pelos Exmos. Juízes Desembargadores da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em Conferência confirmou o sentido da decisão sumária anteriormente proferida, no sentido de não conhecer do recurso dos recorrentes em virtude de se mostrar prescrito o procedimento criminal contra o arguido pelos crimes relativamente aos quais foi deduzida acusação particular, decisão esta que assentou:

        1. No artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do CP, da qual extraíram uma norma com o seguinte teor:

        A prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação pública ou da acusação particular acompanhada pelo Ministério Público.

        ii) No artigo 121.º, n.º 1, alínea b), do CP, dele extraindo uma norma com o seguinte teor:

        A prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a notificação da acusação pública ou da acusação particular acompanhada pelo Ministério Público.

    2. Concluindo-se, em suma, que dos preceitos legais citados foi extraída uma disposição normativa nos termos da qual

      A prescrição do procedimento criminal suspende-se e interrompe-se com a notificação ao arguido da acusação pública ou da acusação particular acompanhada pelo Ministério Público, mas não com a notificação da acusação particular desacompanhada pelo Ministério Público.

      III.A apreciação da validade das normas aplicadas pelo Tribunal a quo à luz dos invocados preceitos constitucionais exige que se atente nos dados normativos constitucionais e infraconstitucionais referentes, quer à caracterização da figura do assistente em processo penal, quer à especial natureza dos crimes particulares e, por último, ao instituto da prescrição do procedimento criminal.

      IV.O artigo 32.º, n.º 7, da Constituição reconhece ao legislador ordinário ampla liberdade de conformação do estatuto processual do ofendido e dos respetivos poderes de intervenção, não podendo, porém, tal conformação resultar numa constrição acentuada de forma a que, na prática, o direito constitucionalmente reconhecido se veja injustificada ou acentuadamente limitado, em termos de, na realidade das coisas, não poder ser exercido.

    3. O critério para aferir da constitucionalidade da atuação conformadora do legislador ordinário traduz-se na inadmissibilidade de o legislador restringir o direito de intervenção do arguido de forma desadequada, desnecessária ou arbitrária.

    4. Ao nível da legislação processual, o direito do ofendido a participar no processo penal traduz-se na consagração da figura do assistente, o qual, assumindo a qualidade de sujeito processual, goza de um estatuto autonomizado, sendo-lhe conferidos poderes de intervenção próprios e conformadores do decurso e do sentido da decisão penal, previstos no artigo 69.º do CP, e de entre os quais se encontra o direito de deduzir acusação independente da do Ministério Público e, no caso de procedimento dependente da acusação particular, ainda que aquele não a deduza.

    5. Como decorrência do preceito processual penal citado, é usual afirmar-se que o assistente é mero colaborador do MP, ficando a sua atuação subordinada a este último.

    6. Este princípio geral de subordinação do assistente ao MP não pode afirmar-se de forma absoluta, já que o mesmo tem como limite o núcleo essencial do direito de intervenção do ofendido no processo penal, que o legislador ordinário deve salvaguardar.

    7. Em particular, a subordinação tendencial do assistente ao MP deve ter em conta as especificidades da figura do crime particular e a especial conformação conferida ao procedimento para prossecução daqueles crimes.

    8. Ao consagrar a categoria dos crimes particulares cuja prossecução fica dependente da dedução de queixa e de acusação particular (cfr. artigos 50.º, n.º 1, 69.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 285.º, todos do CPP), o legislador criou exceções ao princípio da promoção oficiosa do processo penal, transformando-se o particular em verdadeiro acusador, numa posição equiparada à que detém o MP relativamente à promoção da ação penal quanto aos crimes públicos e semipúblicos.

    9. Pelo menos no que toca ao impulso processual inicial e, sobretudo, à decisão de submissão da causa a julgamento o legislador mitigou, senão mesmo anulou, a subordinação do assistente ao MP, conferindo ao primeiro um papel preponderante.

    10. Pelo exposto, a acusação particular é, para todos os efeitos, uma acusação que, no âmbito dos crimes em que é deduzida, é em tudo equiparada à acusação do MP quanto aos crimes públicos e semipúblicos.

    11. Deve notar-se ainda que inexiste qualquer norma que atribua à acusação particular características qualitativamente diferentes, consoante esta seja, ou não, acompanhada pelo MP.

    12. Em qualquer destes casos e independentemente da posição do MP, a acusação particular configura uma pretensão acusatória com a virtualidade de delimitar o objeto do processo a apreciar no julgamento, ao qual servirá de base.

    13. No caso dos crimes particulares, o legislador devolveu ao ofendido a decisão sobre a necessidade ou desnecessidade de promoção da ação penal, abdicando o Estado, logo à partida, da sua posição de intérprete das exigências comunitárias de efetivação do jus puniendi.

    14. Estas conclusões relevam para efeitos de interpretação das normas penais respeitantes ao instituto da prescrição, vertidas nos artigos 120.º e 121.º do CP, já que a arquitetura das causas de interrupção e suspensão da prescrição depende da concreta estruturação que, num dado momento, assuma o processo penal.

    15. Nem o artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do CP, nem o artigo 121.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, estabelecem qualquer distinção quanto à eficácia interruptiva ou suspensiva da acusação pública relativamente à acusação particular, ou da acusação particular acompanhada pelo Ministério Público relativamente à acusação particular não acompanhada por este último.

      XVIII.O que releva para apurar da aptidão ou não de certo ato para interromper ou suspender a prescrição é saber se o ato em causa tem ou não a virtualidade de pôr em movimento a ação e, assim, conservar judicialmente a lembrança do crime.

    16. As características apontadas surpreendem-se na acusação particular, independentemente de esta não constituir um ato judicial, pelo que lhe deve ser reconhecida eficácia interruptiva e suspensiva da prescrição.

    17. Não pode ainda deixar ser tido em conta que, embora o Estado confie ao ofendido a iniciativa e a decisão sobre a promoção do processo e a submissão a julgamento dos crimes particulares, a condução do inquérito e a realização das correspondentes diligências continuam a constituir prerrogativas do MP.

    18. O ofendido tem escasso ou nenhum controlo sobre o tempo que medeia entre a apresentação da sua queixa e a prolação pelo MP do despacho de encerramento do inquérito, do qual depende a possibilidade de dedução da acusação particular.

    19. A consequência da posição defendida na decisão recorrida seria, a da prescrição do procedimento criminal ficar «nas mãos» do MP, sem qualquer possibilidade de intervenção por parte do ofendido/assistente, que assim veria sem quaisquer consequências os factos criminosos contra si praticados, anulando-se de forma radical e definitiva o seu direito constitucional a intervir no processo e a fazer atuar o poder punitivo do Estado de forma minimamente satisfatória.

    20. Impõe-se concluir que as normas aplicadas pelo Tribunal a quo, ao preverem que a suspensão e interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal apenas ocorre com a notificação ao arguido da acusação pública ou da acusação particular acompanhada pelo MP e ao, inversamente, negarem idêntica relevância à acusação particular deduzida pelo assistente mas não acompanhada pelo MP, implicam uma constrição do direito de intervenção do ofendido no processo penal, que, ao bulir com o núcleo essencial daquele direito, o limitam, na sua concretização no procedimento por crime particular, em termos de o mesmo não poder...

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