Acórdão nº 437/12 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelCons. José Cunha Barbosa
Data da Resolução26 de Setembro de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 437/2012

Processo n.º 656/11

  1. Secção

Relator: Conselheiro José Cunha Barbosa

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (LTC), do despacho proferido pelo Tribunal Judicial de Caldas da Rainha – 1.º Juízo que « … recusou a aplicação do disposto no artigo 814.º, do Código de Processo Civil, com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação do direito de defesa, quando interpretado mo sentido de “limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória”.

  2. No despacho recorrido, no que releva para a decisão do presente recurso, decidiu-se que:

    “…

    Vem o Executado deduzir oposição à presente execução alegando, em síntese, que, não obstante o título executivo apresentado respeitar a uma injunção na qual foi aposta a fórmula executória tal oposição era admissível uma vez que entendia que a equiparação da injunção a uma sentença judicial para efeito de limitação dos fundamentos de oposição à execução, e que decorre do art. 814.º do Código de Processo Civil, padecia de inconstitucionalidade material.

    O Decreto-Lei n.º 226/2008 de 20/11 equiparou o título executivo injunção à sentença, reacendendo a discussão sobre a constitucionalidade de tal medida, em face do direito de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa que integra o princípio da indefesa.

    Assim. o que importa aferir, na presente análise, é se tal princípio constitucional se encontra respeitado, para efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 814.° à injunção, tão só com a existência de oportunidade de defesa, em momento anterior à fase executiva; ou se essa defesa tem de revestir especiais garantias, nomeadamente, sendo precedida de uma ação judicial, presidida por um juiz.

    Tal questão não tem sido objeto de entendimento unânime.

    Autores há que entendem que o procedimento de injunção contem em si todos os mecanismos de materialização das garantias de defesa, designadamente o exercício do contraditório, podendo e devendo o requerido exercer a respetiva defesa, pelo que, não o tendo feito (...) não lhe é lícito vir novamente deduzir tais argumentos na oposição à execução (cfr. Eduardo Paiva e Helena Cabrita, “O Processo Executivo e o Agente de Execução”, 2.ª Edição, página 117).

    Outros há, no entanto que defendem que: “dada a natureza não jurisdicional do processo de injunção, a menor garantia que o devedor encontra na notificação que nele lhe é efetuada, maxime quando a notificação é dirigida, por carta simples, para o domicílio convencionado (artigo 12.°-A do Decreto-Lei 269/98. de 1 de setembro), e o facto de a formação do título prescindir de qualquer juízo de adequação do montante da dívida aos factos em que ela se fundaria, a equiparação, ao impedir a oposição à execução fundada na inexistência da dívida à data da injunção, é inconstitucional, por violar o direito de defesa. Para salvar o preceito, há que, na adaptação a fazer, circunscrevê-lo de tal modo a que ele se aplique apenas nos casos em que o devedor, na execução, se conforme com a diminuição de garantias registadas no anterior processo de injunção (...)“ (Lebre de Freitas, A ação executiva, depois da reforma, 5.ª Edição, Coimbra Editora, páginas 182 e 183). (sublinhado nosso)

    Sobre esta questão, já se pronunciou, antes da redação que o Decreto-Lei n.° 226/2008 de 20.11 conferiu ao artigo 814.°, o Tribunal Constitucional, julgando inconstitucional, por “violação do princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.° da Constituição, a norma do artigo 14.° do Regime anexo ao Decreto-Lei n.° 269/98 de 1 de setembro, na interpretação segundo a qual, na execução baseada em título que resulta da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção, o executado apenas pode fundar a sua oposição na alegação e prova, que lhe incumbe, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo exequente, o qual se tem demonstrado.” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 658/2006, da 2.ª Secção, in: www.tribunalconstitucional.pt)

    Ora, tal entendimento mantém, em nossa opinião, inteira atualidade, uma vez que o que outrora se entendia ser uma interpretação inconstitucional, passa, agora, a ser uma norma inconstitucional, porquanto a lei consagrou expressamente na sua letra tal interpretação.

    O direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa, consiste num direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das regras de imparcialidade e independência.

    Como recorda o Acórdão do Tribunal Constitucional supra citado, “a proibição da indefesa consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhes dizem respeito”.

    Resulta do exposto que o direito de acesso à justiça, em geral, e o princípio da proibição da indefesa, em particular, não se coadunam com a mera existência de uma oportunidade de defesa. Tal defesa tem de ocorrer numa fase jurisdicional e não administrativa ou burocrática, como ocorre nas injunções, com efetivas garantias de imparcialidade e independência.

    Com efeito, o que confere essência jurisdicional a um determinado processado é a intervenção decisória de um profissional sujeito a garantias de independência, irresponsabilidade, isenção, inamovibilidade (…), i.e., um juiz; caso esta não ocorra e venha a ser aposta a fórmula executória por omissão de oposição, estamos perante um processado de natureza não jurisdicional (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 16.09.2010, Processo n.° 23549/09.5T2SNT-A.L1-B, in: www.dgsi.pt, por referência à anterior redação do Código de Processo Civil mas aplicável ao caso em apreço).

    Como esclarece Salvador da Costa, “a aposição da fórmula executória não se traduz em ato jurisdicional de composição do litígio, consubstanciando-se a sua especificidade de título executivo extrajudicial no facto de derivar do reconhecimento implícito pelo devedor da existência da sua dívida por via da falta de oposição subsequente à sua notificação pessoal. Assim, a fórmula executória é insuscetível de assumir efeito de caso julgado ou preclusivo para o requerido que pode, na ação executiva, controverter a exigibilidade da obrigação exequenda, tal como o pode fazer qualquer executado em relação a qualquer título executivo extrajudicial propriamente dito”. (A injunção e as Conexas Ação e Execução, 2.ª Edição, Coimbra, 2002, p. 172). (sublinhado nosso)

    É certo que o legislador, na reforma de 2008, equiparou o título executivo extrajudicial injunção aos títulos judiciais impróprios. Fê-lo no exercício dos seus poderes de criação normativa. O que não concretizou nem poderia ter feito (ao manter os poderes do funcionário), foi alterar-lhe a essência: o processo em apreço continua a não ser um processo jurisdicional na apontada fase não contenciosa (Acórdão da Relação de Lisboa de 16/9/2010, loc. cit).

    Assim sendo, e face ao exposto, não se pode deixar de entender que a norma do art. 814.° do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de limitar a...

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