Acórdão nº 352/08 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelCons. José Borges Soeiro
Data da Resolução01 de Julho de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 352/2008

Processo n.º 402/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro José Borges Soeiro

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

  1. Ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, vem A., SA – Sucursal Portugal reclamar da decisão sumária proferida no âmbito dos presentes autos, concluindo nos seguintes termos:

    “1. Fundamenta-se a Decisão Sumária ora sob reclamação no facto de a matéria objecto do recurso interposto para este Tribunal Constitucional já ter sido anteriormente decidida e se entender que é de manter tal jurisprudência anterior.

  2. A Recorrente não desconhece tal jurisprudência anterior, tanto mais que a mesma foi proferida no âmbito de um processo em que a Recorrente foi parte, mais concretamente, no âmbito de um recurso interposto pelo Ministério Público de Sentença proferida em 1.ª Instância que decidiu não aplicar as normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver novamente apreciada e, em consequência, julgou procedente o recurso interposto pela aqui Recorrente da Decisão de apreensão de bens da então IGAE.

  3. Sucede que, com todo o respeito merecido, é firme convicção da Recorrente não assistir razão à jurisprudência vertida no Acórdão n.° 358/2005 a Decisão Sumária se reporta.

  4. Com efeito, tanto a liberdade de iniciativa privada como o direito à propriedade privada são direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias e, sendo uma lei reguladora da concorrência quanto à utilização de um evento público, condicionando a organização do mercado e a liberdade de actuação das empresas, que vai mais além da simples defesa de patentes e símbolos e denominações existentes, o Decreto-Lei n.° 86/2004 toca, no seu âmbito de aplicação, naqueles dois direitos fundamentais.

  5. O bem jurídico que o legislador do Decreto-Lei n.° 86/2004 pretendeu proteger — as designações e símbolos do Campeonato Europeu de Futebol de 2004 — já se encontra protegido por lei anterior àquele diploma, em concreto, no Código da Propriedade Industrial, no Código dos Direitos de Autor e dos Direito Conexos e no Código da Publicidade, como de resto resulta da interpretação do n.° 5 do art. 5° do próprio Decreto-lei, que prevê a aplicação das normas daqueles Códigos, o que permite desde logo imputar ao Decreto-Lei n.° 86/2004 um juízo de violação do princípio da igualdade, vertido no art. 13° da C.R.P..

  6. O Decreto-Lei n.° 86/2004 prevê uma regulamentação especial para a situação bastante concreta da realização do evento do Campeonato Europeu de Futebol de 2004 e fá-lo de forma indubitavelmente mais restrita do que já resultaria da aplicação das normas gerais acima indicadas, através da previsão, nos arts. 4° e 5°, n.° 1, de um ilícito contra-ordenacional susceptível de abarcar uma infinidade de situações, atenta a sua formulação tão genérica e a utilização de conceitos completamente indeterminados.

  7. O mencionado Diploma efectua, por conseguinte, uma efectiva restrição do direito fundamental à iniciativa económica privada e do direito fundamental de propriedade, acolhidos, respectivamente, nos arts. 61°, n.° 1 e 62°, n.° 1, análogos aos direitos, liberdades e garantias, nos termos e para os efeitos do art. 17°, bem como do direito à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação e do direito à liberdade e segurança, consagrados nos arts. 26°, n.° 1 e 29°, n.° 1 e aplicáveis nos termos do art. 12°, n.° 2, todos da C.R.P., sem que para tanto exista autorização constitucional.

  8. Apesar da redacção do art. 2° do Decreto-Lei n.° 86/2004, o certo é que estão manifestamente determinadas, por lei, as entidades que têm a seu cargo a ‘organização, a promoção, a realização ou a gestão de bens, equipamentos ou estruturas necessários a este evento desportivo’— a sociedade B., S.A. e a UEFA — e, por conseguinte, gozam da reserva das designações e símbolos do B. e da protecção que o Decreto-Lei n.° 86/2004 lhes pretende conferir.

  9. Ou seja, as normas restritivas de direitos, liberdades e garantias do Decreto-Lei n.° 86/2004 que consagram um novo tipo de ilícito contra-ordenacional não são gerais e abstractas como impõe o art. 18°, n.° 3 da C.R.P., que, desta forma, foi violado.

  10. O Decreto-Lei n.° 86/2004 não respeita, de todo, o princípio da proibição do excesso que, estabelecido na parte final do art. 18°, n.° 2 da C.R,P., constitui um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador, antes apresentando nos seus arts. 4° e 5°, n.° 1 verdadeiras normas penais em branco, ao consagrar expressões como ‘utilização, directa ou indirecta, por qualquer meio’; ‘sugira ou crie a falsa impressão’ ‘passível de criar um risco de associação’ ‘utilização, directa ou indirecta’; ‘susceptível de criar a falsa impressão’.

  11. Efectivamente, as leis sancionatórias devem ser redigidas com a maior clareza possível para que tanto o seu conteúdo como os seus limites se possam deduzir, o mais exactamente possível, do texto legal, isto é, o tipo de infracção deve estar suficientemente especificado, não sendo lícito o recurso à analogia para definir infracções e deve estar determinado o tipo de sanção que cabe a cada uma delas, razão pela qual viola também o Decreto-Lei n.° 86/2004 o princípio da legalidade e da tipicidade protegido pelo art. 29° da C.R.P..

  12. Em termos de ponderação de interesses, o Decreto-Lei n.° 86/2004, criando uma clara desigualdade no mercado, é desproporcional e desadequado.

  13. Há ainda que salientar que, conforme ficou provado, a campanha promocional da A. ora em questão começou a ser delineada e foi lançada muito antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 86/2004, o que toma retroactiva a aplicação das normas restritivas aí consagradas, em violação do art. 2° do RGCO e do n.° 1 do art. 29° da C.R.P..

  14. Finalmente, o Decreto-Lei n.° 86/2004 não foi publicado no uso de qualquer autorização legislativa, violando também o art. 165°, n.° 1, al. b) da C.R.P., pelo que enferma, além de inconstitucionalidade material, com os fundamentos supra indicados, de inconstitucionalidade orgânica.

  15. Ao não concluir pela inconstitucionalidade material e orgânica dos arts. 4°, 50 e 7° do Decreto- Lei n.° 86/2004, violaram o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra e a Decisão Sumária de que ora se reclama os arts. 165°, n.° 1, al. b) e 13°, 18°, 26°, 29°, 32°, n.° 10, 61°, 62° e 268° da C.R.P.”

  16. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:

    “2. É de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, por se tratar de matéria já anteriormente decidida por este Tribunal e se entender que é de manter tal jurisprudência anterior.

    Com efeito, no Acórdão n.º 358/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Outubro de 2005, não foram julgadas inconstitucionais, nas dimensões que ora vêm impugnadas pela Recorrente, as normas dos artigos 4.º, e 5.º, do Decreto-Lei n.º 86/2004, de 17 de Abril.

    Integrando o objecto do presente recurso as referidas normas, e, ainda, o artigo 7.º, do mesmo diploma, que determina a apreensão dos objectos em que se manifeste a prática de uma contra-ordenação ali prevista, bem como os materiais ou instrumentos que tenham sido predominantemente utilizados para essa prática, o certo é que a questão de constitucionalidade ora em apreço coincide com a...

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