Acórdão nº 378/08 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução15 de Julho de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 378/2008 Processo n.º 130/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

1.1. O representante do Ministério Público no Tribunal Judicial de Gondomar deduziu acusação contra, entre outros, A., a quem imputou a autoria de:

– vinte e seis (26) crimes dolosos de corrupção activa, sob a forma de autoria, previstos e punidos pelo artigo 374.°, n.º 1, do Código Penal, por referência ao artigo 386.°, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma legal, aos artigos 21.°, 22.° e 24.° da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro (agora artigos 20.°, 21.°, 22.º, 23.º e 24.º da Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho), aos artigos 7.°, 8.° e 11.° do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, e Despacho n.º 56/95 da Presidência do Conselho de Ministros, de 1 de Setembro de 1995, in Diário da República, II Série, de 14 de Setembro de 1995 (factos descritos nos pontos 1.1, 1.3, 1.2, 1.3.1, 1.3.3, 1.3.4, 1.3.5, 1.3.6, 1.3.7, 1.3.8, 1.3.9, 1.3.10, 1.3.11, 1.3.12, 1.3.13, 1.3.15, 1.3.16, 1.3.17, 1.3.19, 1.3.21, 1.3.22, 1.3.23, 1.3.24, 1.3.25, 1.3.26, 1.3.27, 1.3.28 e 1.3.29); e de

– vinte e um (21) crimes dolosos de corrupção desportiva activa, sob a forma de autoria, previstos e punidos pelo artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, por referência aos artigos 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, todos do Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro (factos descritos nos pontos 1.1, 1.3, 1.2, 1.3.2, 1.3.3, 1.3.4, 1.3.5, 1.3.6, 1.3.8, 1.3.9, 1.3.10, 1.3.14, 1.3.15, 1.3.16, 1.3.17, 1.3.18, 1.3.20, 1.3.21, 1.3.22, 1.3.25, 1.3.26, 1.3.27 e 1.3.29).

1.2. Notificado da acusação, o arguido apresentou requerimento de abertura de instrução, cujo teor sintetizou no seguinte resumo:

“1. Ainda que fosse verdadeira – o que não se concede –, a matéria de facto descrita na acusação não é passível de censura penal mediante recurso aos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, 4.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro, nem se enquadra na previsão normativa do artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal.

2. A Lei n.º 49/91, de 3 de Agosto, e o Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro, são inconstitucionais por violação dos n.º 1, alínea c), e 2 do artigo 165.º do CRP, como tal devendo ser declarados.

3. Assim sendo, como se tem por certo, ainda que fossem verdadeiros – mas não são – os factos descritos nos pontos. 1.1, 1.3, 1.2, 1.3.2, 1.3.3, 1.3.4, 1.3.5, 1.3.6, 1.3.8, 1.3.9, 1.3.10, 1.3.14, 1.3.15, 1.3.16, 1.3.17, 1.3.18, 1.3.20, 1.3.21, 1.3.22, 1.3.25, 1.3.26, 1.3.27 e 1.3.29 da acusação, não poderiam os mesmos ser sancionados mediante recurso aos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, e 4.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro, pelo que, nessa parte, se impõe a não pronúncia do arguido.

4. Tais factos, declarada a inconstitucionalidade daqueles diplomas legais, jamais poderão ser sancionados mediante o recurso aos preceitos do Código Penal que prevêem e punem a corrupção, em especial o artigo 374.º, n.º 1, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea c), além do mais porque nenhuma das entidades referenciadas naqueles pontos da matéria de facto poderá ser considerada funcionário público.

5. Os tipos criminais descritos nos artigos 372.º, 373.º e 374.º do Código Penal não abrangem os actos praticados no domínio do futebol profissional, não profissional e amador.

6. O bem jurídico corporizado na verdade, lealdade e correcção da competição e do seu resultado e no respeito pela ética das competições desportivas apenas recebeu protecção criminal com a publicação do Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro, embora de modo juridicamente inoperante, tendo em consideração a inconstitucionalidade deste diploma.

7. É insustentável a incriminação do arguido pela suposta prática de 26 crimes dolosos de corrupção activa, previstos e punidos pelo artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal.

8. A interpretação do artigo 374.º, e, bem assim, dos artigos 372.º e 373.º do Código Penal que considera estes preceitos aplicáveis aos actos praticados no âmbito do desporto em geral e do futebol em particular que ofendam a verdade, lealdade e correcção da competição e do seu resultado e o respeito pela ética das competições desportivas é inconstitucional, por violação do princípio da subsidiariedade e intervenção mínima do direito penal consagrados no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.

9. A incriminação do arguido por 26 crimes dolosos de corrupção reporta-se à suposta solicitação feita por si ao Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol B. (também arguido no processo) para que, de entre os que reuniam condições para serem por ele nomeados, apenas escolhesse para dirigir jogos do C. árbitros constantes de uma lista que lhe era apresentada para o efeito.

10. A acusação não descreve nenhuma irregularidade ou ilegalidade que afectem o conteúdo, a substância ou o fundo do acto de nomeação dos árbitros efectuada pelo co-arguido B. nessas circunstâncias nem enuncia sequer as regras das nomeações que pudessem ter sido violadas.

11. A ser punido pelo Código Penal – o que se repudia –, aquele comportamento só poderia enquadrar-se no n.º 2 do artigo 374.º, por referência ao artigo 373.º, e nunca no seu n.º 1.

12. A incriminação da corrupção activa para acto lícito no domínio do fenómeno desportivo ofenderia em medida de todo incomportável o citado princípio da intervenção mínima e da subsidiariedade do direito penal.

13. A interpretação do artigo 374.º, n.º 2, do Código Penal que estendesse o respectivo âmbito de aplicação aos actos praticados no âmbito do desporto em geral e do futebol em particular sempre seria, por conseguinte, inconstitucional, por violação do princípio da subsidiariedade e intervenção mínima do direito penal consagrados no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.

14. O conceito de funcionário previsto para efeitos da lei penal é integrável apenas nos casos em que o agente activo do crime seja funcionário.

15. É manifesto que o Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol não é reconhecido pelo cidadão comum como funcionário público, mesmo admitindo que o seja por ele próprio, do que se duvida.

16. Assim sendo, como é, não existe a indispensável avaliação paralela na esfera do leigo quanto a essa qualidade de funcionário para que possa estender-se a previsão do artigo 374.º do Código Penal à hipótese vertente.

17. Também por isso, os factos descritos na acusação não poderiam jamais ser enquadrados na previsão do artigo 374.º, n.º 1, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea c), parte final, do Código Penal.

18. Estender o campo de aplicação deste último preceito ao Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol para efeitos de incriminação da corrupção activa prevista e punida pelo n.º 1 do artigo 374.º do Código Penal, implicaria uma interpretação inadmissível dessa normas, por ofensivo da tipicidade e subsidiariedade do direito penal decorrentes dos artigos 18.º, n.º 2, e 29.º, n.º 1, da CRP.

19. Os actos e omissões praticados por dirigentes desportivos com violação da verdade, lealdade, correcção e ética ou a solicitação por outrem para a prática desse tipo de actos seriam puníveis apenas pelo Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro, e nunca pelo Código Penal.

20. O Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol não pode senão considerar-se dirigente desportivo, maxíme para todos os efeitos previstos no citado Decreto-Lei.

21. Ainda que este diploma não estivesse enfermo de inconstitucionalidade, a conduta do requerente visando a prática de actos lícitos pelo Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol jamais poderia implicar responsabilidade criminal, atenta a sua qualidade de dirigente desportivo.

22. Por último, a entender-se que a conduta que a acusação imputa ao requerente tinha por escopo a prática de actos ilícitos pelo Presidente do Conselho de Arbitragem, sempre seria indiscutível, pelas invocadas razões, que a mesma seria punível, quando muito, pelo n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 390/91, e não pelo n.º 1 do artigo 374.º do Código Penal.

23. No sentido da insuperável improcedência da acusação converge ainda a circunstância de nela se não descreverem factos indispensáveis para consubstanciar qualquer tipo de corrupção activa.

24. Desde logo porque, quanto aos actos relacionados com o Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, a acusação não descreve nenhum facto susceptível de ser considerado ofensivo da verdade, correcção, lealdade e ética desportivas.

25. Bem pelo contrário, o que ressalta do próprio libelo é que a intervenção do requerente tinha como único escopo prevenir e impedir a viciação dos resultados desportivos, evitando que fossem nomeados árbitros que pudessem prejudicar o C..

26. Depois, porque não estão descritos na acusação actos susceptíveis de consubstanciar qualquer vantagem patrimonial ou não patrimonial que o requerente tenha dado ou prometido, ainda que por interposta pessoa, a troco dos comportamentos que lhe imputam ter solicitado de qualquer dos intervenientes no processo.

27. Nenhuma das «ofertas» a que se alude na acusação poderá considerar-se relevante ou ofensiva dos hábitos sociais instituídos na actividade do futebol, ou adequada a criar um clima de permeabilidade ou simpatia propício à obtenção futura de favores ilícitos.

28. A extensa e a todos os títulos imprópria citação de excertos de conversações telefónicas contida na acusação implica nulidade, por ofensa do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 283.º, que fica alegada.

29. E a verdade é que os meios de recolha de prova utilizados enfermam de gravíssimas nulidades que lhes retiram em definitivo e sem remissa qualquer réstia de valor.

30. É esse o caso, antes do mais, das escutas telefónicas, que são nulas, em síntese, porque:

30.01. Têm origem num despacho judicial nulo, porque:

– não concretiza nem descreve qualquer indício...

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