Decisões Sumárias nº 503/12 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução26 de Outubro de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 503/2012

Processo n.º 563/2012

  1. Secção

    Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral

    Recorrente: A.

    Recorrido: Ministério Público

    I – Relatório

    1. No decurso do inquérito realizado nos presentes autos de processo comum com intervenção de tribunal coletivo, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, em que é arguido A. e se investigava a prática de um crime de lenocínio, foi proferido despacho pela Senhora Juiz de Instrução Criminal a determinar a tomada de declarações para memória futura de três testemunhas, por se encontrar reunido o pressuposto a que se refere o artigo 271.º do Código de Processo Penal.

    Esse despacho não foi notificado ao arguido, atento o disposto no artigo 89.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, na redação aplicável.

    No dia em que deu o despacho, a Senhora Juiz de Instrução Criminal ouviu os arguidos em primeiro interrogatório de arguido detido e mais duas testemunhas para memória futura e no dia seguinte, as restantes testemunhas indicadas no despacho proferido também para memória futura, sendo que quer o arguido quer o seu defensor estiveram presentes nessas inquirições para memória futura, sem que na altura tenham objetado o que quer que fosse à prática desse ato.

    Foi no decurso dos três dias subsequentes à notificação ao arguido da acusação que este veio alegar que, durante o inquérito, duas testemunhas prestaram declarações para memória futura sem que tenha havido precedência de despacho judicial a determinar tal tomada de declarações, pelo que tais depoimentos são inválidos, devendo ser declarados inexistentes e ser desentranhados.

    Alegou também que o despacho proferido pela Senhora Juiz de Instrução Criminal padece da irregularidade prevista no artigo 118.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, seja porque não estavam reunidos os fundamentos previstos no artigo 271.º desse diploma para a tomada de declarações para memória futura seja por tal despacho não conter qualquer fundamentação, o que viola as garantias de defesa do arguido e o artigo 32.º, n.º 2 da Constituição.

    Foi então proferido despacho pela Senhora Juiz de Instrução Criminal, nos termos do qual, embora reconhecendo que o despacho anterior estava viciado por falta de fundamentação, em violação do disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do Código de Processo Penal, entendeu, todavia, que tal consubstancia uma irregularidade, nos termos do disposto no artigo 118.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, e que, considerando o teor do estatuído para o regime das irregularidades, nomeadamente no artigo 122.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a irregularidade se teria entretanto sanado, na medida em que, tendo o arguido sido notificado para a diligência e tendo o seu defensor nela estado presente no ato, teria sido esse o momento adequado para suscitar a irregularidade do despacho que ordenou a diligência. No que respeita à alegada falta de verificação dos pressupostos legais de que depende a tomada de declarações para memória futura, entendeu a Senhora Juiz de Instrução Criminal que tal não configuraria uma irregularidade mas antes fundamento de recurso ordinário, sendo que este teria necessariamente de ter sido interposto no prazo de quinze dias desde a prática do ato, o que não sucedera. Por último, no que respeita à questão da falta de despacho a determinar a tomada de declarações para memória futura de duas das testemunhas inquiridas, tal configuraria uma mera irregularidade, porquanto a diligência foi, no cumprimento da lei, presidida pela Juiz de Instrução, pelo que houve uma apreciação tácita dos pressupostos da sua realização, não tendo sido violado o essencial e primordial direito do contraditório, pois o arguido esteve nela presente, do seu conteúdo foi-lhe dado conhecimento bem como esteve assistido por defensor. Assim, considerando as irregularidades sanadas pelo decurso do prazo da sua arguição e decorrido o prazo de interposição do recurso com fundamento em falta de verificação dos pressupostos legais de que depende a tomada de declarações para memória futura, entendeu a Senhora Juiz de Instrução Criminal que nada havia a determinar no sentido de serem declaradas inválidas as declarações para memória futura, mantendo aquelas a sua validade nos termos previstos na lei processual.

    Inconformado com o assim decidido, interpôs o arguido recurso, o qual foi admitido a subir com o que viesse a ser interposto da decisão final, como sucedeu, concluindo as suas alegações do seguinte modo:

    “1.ª

    A fls. 928 e seguintes dos autos, o arguido veio requerer que fosse declarado inválido porquanto irregular o despacho de fls. 438 dos autos, que determinou a realização dos restantes depoimentos para memória futura porquanto, o mesmo carece de fundamentação legal nos termos do disposto no art.º 97.º nº 1 alínea b) e nº 4 do C.P.P. (anterior redação do C.P.P.), que dispõe que os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

  2. Que fossem declarados inexistentes os autos de tomadas de declarações para memória futura das testemunhas B. e C. de fls. 445 e 448 respetivamente, isto porque após consulta do processo, que só foi possível após prolação do despacho de Arquivamento/Acusação, verificou-se que as testemunhas prestaram depoimento SEM QUE TENHA SIDO PROFERIDO QUALQUER DESPACHO A DETERMINAR A TOMADA DE DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA DESTAS TESTEMUNHAS.

  3. E ainda que fossem declaradas inválidas todas as declarações para memória futura prestadas pelas testemunhas durante a fase de Inquérito, pedindo-se o consequente desentranhamento desses autos porquanto todos as tomadas de declarações para memória futura foram determinadas fora do âmbito previsto no art.º 271.º do C.P.P., uma vez que não existiu qualquer fundamentação judicial que justifique a realização desses depoimentos para memória futura.

  4. E, salvo melhor entendimento, o artigo 271.º nº 1 do C.P.P., que enuncia as situações em que se admite a prova ad perpetuam rei memoriam, não contempla qualquer dos fundamentos que foram invocados na promoção do Ministério Público de fls. 433.º e 434.º dos autos para a referida realização de depoimentos para memória futura.

  5. E nestes termos foi arguida a irregularidade do despacho de fls. 438 dos autos bem como de todas os autos de tomada de declarações para memória futura, que foram determinadas fora do âmbito previsto no art.º 271.º nº 1 do C.P.P. (anterior redação), ao abrigo do disposto no art.º 123.º nº 1 do C.P.P.

  6. Para além do mais, foi também arguida a inconstitucionalidade da interpretação do art.º 97.º nº 1 alínea b) e nº 4 do C.P.P. no sentido que é plasmado no despacho de fls. 438, que se basta com a indicação da disposição legal na qual se baseia, porquanto viola as garantias de defesa que a Constituição da República Portuguesa reconhece ao arguido no art.º 32.º nº 1, pois ao não conhecer a fundamentação daquele despacho o direito ao recurso resulta limitado.

  7. Acerca do despacho de fls. 438 dos autos o despacho recorrido começa por concordar com o arguido considerando que o despacho de fls. 438, é irregular por falta de fundamentação, no entanto, considera que essa irregularidade do despacho que determinou a realização dos depoimentos para memória futura deveria ter sido arguida no próprio ato de declarações para memória futura.

  8. Sucede que o arguido foi notificado da realização da diligência, mas NUNCA FOI NOTIFICADO DO TEOR INTEGRAL DO DESPACHO DE FLS. 438º DOS AUTOS, porque o Tribunal não procedeu a tal notificação.

  9. E, não tendo sido notificado do referido despacho o arguido nunca poderia conhecer do teor do mesmo porquanto durante a fase de Inquérito, em virtude das restrições impostas pelo artigo 89.º, n.º 2 do C.P.P., na redação do anterior Código de Processo Penal então em vigor.

  10. Só na sequência da prolação do despacho de Arquivamento/Acusação, do qual o arguido foi notificado em 30 de agosto o arguido tem acesso aos autos e toma conhecimento dos despachos que promoveram e ordenaram a inquirição de testemunhas para memória futura, pelo que veio, nos três dias seguintes à notificação para qualquer termo no processo, tempestivamente, arguir tal irregularidade, ao abrigo do disposto no art.º 123.º do C.P.P.,

  11. Quanto à falta dos pressupostos legais de que depende a tomada de declarações para memória futura considera o despacho recorrido que se o arguido considerava que não se verificavam os pressupostos legais de que depende a tornada de declarações para memória futura, desse despacho deveria ter interposto recurso para o Tribunal da Relação, que tinha de ser interposto no prazo de 15 dias da prática do ato já que a falta desses pressupostos não consubstancia qualquer irregularidade ou nulidade.

  12. Ora, como já explanado o arguido nunca tomou conhecimento do despacho de fls. 438º dos autos e não tendo tomado conhecimento do despacho nunca poderia saber de que forma fundamentava o tribunal a realização dos depoimentos para memória futura, a fim de reagir contra o mesmo.

  13. Também, não assiste razão, salvo o devido respeito, ao signatário do despacho recorrido ao considerar que a falta dos pressupostos legais de que depende a tomada de declarações para memória futura não consubstancia qualquer irregularidade ou nulidade pois, ao abrigo do disposto no art.º 118.º nº 1 e nº 2 do C.P.P., a violação ou inobservância das leis de processo penal determina a irregularidade do ato quando não estiver expressamente comi nada a nulidade do mesmo.

  14. Ainda, que assim não se entenda, é no presente recurso que o arguido está em tempo para recorrer do referido despacho - face à posição declarada no despacho recorrido - o que faz já que o mesmo foi proferido fora do âmbito do previsto no artigo 271.º do C.P.P.

  15. Na realidade, o artigo 271.º nº 1 do C.P.P. (anterior redação do C.P.P.), que enuncia as situações em que se admite a produção de depoimentos para memória futura refere, exige duas condições que nunca se...

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