Acórdão nº 410/08 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução31 de Julho de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 410/2008

Processo n.º 1141/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.

1. Relatório

1.1. A., B., C. e D. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 7 de Novembro de 2007, que negou provimento ao recurso de revista por eles interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30 de Outubro de 2006, que, por seu turno, havia negado provimento ao recurso de apelação pelos mesmos interposto contra a sentença do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Guimarães, de 13 de Junho de 2005, que, em acção especial emergente de acidente de trabalho intentada por E. (por si e em representação de seus filhos menores F. e G.), patrocinada pelo Ministério Público, os havia condenado no pagamento: (i) à autora, da pensão anual e vitalícia de € 1455,33, acrescida de um doze avos no mês de Dezembro de cada ano, com início em 2 de Outubro de 1999 e até à idade da reforma por velhice sem doença física ou mental, e de € 1940,44 a partir da idade da reforma por velhice ou se antes viesse a autora a sofrer de doença física ou mental que afectasse sensivelmente a sua capacidade de trabalho; (ii) aos representados autores, da pensão anual de € 970,22, acrescida de um doze avos no mês de Dezembro de cada ano, com início em 2 de Outubro de 1999, até perfazerem dezoito, vinte e dois ou vinte e cinco anos, enquanto frequentassem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, sem doença física ou mental, ou sem limite de idade, caso padecessem de doença física ou mental que os incapacitasse sensivelmente para o trabalho; (iii) a todos os autores, do montante de € 768,15, a título de despesas de funeral; (iv) à viúva, € 5,99 de despesas de transporte nas deslocações ao tribunal; e (v) juros de mora, à taxa legal, sobre todas as quantias ainda não pagas.

De acordo com o requerimento de interposição de recurso, os recorrentes pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade constante do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), “da aplicação da Base XIX da Lei n.º 2127, sem ter em conta as repercussões que para o mesmo decorrem da Lei n.º 135/99, se interpretadas no sentido de, passando o cônjuge sobrevivo do sinistrado, falecido em acidente de trabalho, a viver em união de facto com outrem, não lhe ser aplicável o n.º 3 da primeira daquelas duas disposições legais”, na parte em que determina que “se a viúva [de vítima mortal de acidente de trabalho] passar a segundas núpcias, receberá, por uma só vez, o triplo da pensão anual” a que tem direito nos termos do n.º 1, alínea a), da mesma Base.

1.2. A alegação apresentada pelos ora recorrentes no recurso de revista endereçado ao STJ foi sintetizada nas seguintes conclusões:

“I – A entrada em vigor da Lei n.º 135/99, de 29 de Agosto, procedendo à equiparação para efeitos de prestações por morte do unido de facto sobrevivo ao cônjuge sobrevivo, estendeu ao primeiro, quer a atribuição do direito (Base XIX, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965), quer as condições e limitações do exercício desse mesmo direito (Base XIX, n.º 3, da Lei n.º 2127).

II – Ao desconsiderar a circunstância de a autora viver em união de facto com outro homem – há mais de 2 anos quando foi proferida a primeira sentença, há mais de 5 anos quando da segunda sentença na primeira instância e há mais de 6 aquando da prolação do acórdão recorrido – para efeitos do cálculo das prestações por morte, o Tribunal da Relação não considerou a entrada em vigor da Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, e a sua aplicação à Lei n.º 2127.

III – Provado que foi que a autora vive, pelo menos desde Agosto de 2000, em união de facto com outro homem, o Tribunal recorrido dever-lhe-ia ter concedido, nos termos do n.º 3 da referida Base XIX da Lei n.º 2127, de uma só vez, o montante equivalente ao triplo da pensão anual.

IV – A alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 da Base XIX da Lei n.º 2127, na interpretação que lhes foi dada pelo acórdão recorrido, no sentido de apenas proceder à extensão aos unidos de facto da previsão daquele normativo e não das condições do respectivo exercício (n.º 3 daquela norma), operada pela entrada em vigor da Lei n.º 135/99, é manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que permite tratar de forma mais favorável os beneficiários de prestações por morte em acidente de trabalho que venham a contrair união de facto do que os que venham a contrair novo casamento, ao arrepio também do disposto no artigo 36.º do Diploma Fundamental.

V – Quando a razão de ser da atribuição de prestações por morte ao cônjuge sobrevivo e ao unido de facto sobrevivo se baseiam na perda do «amparo» que o falecido trazia para a vida familiar e que por virtude da sua morte aqueles deixam de auferir (cf., neste sentido, o recente acórdão da Relação de Coimbra, de 28 de Março de 2006).

VI – E o fundamento daquelas prestações – que normalmente, se não forem remidas, se estendem por vários anos – a que aludia o n.º 3 do Base XIX da Lei n.º 2127 e a que agora alude o artigo 20.º, n.º 3, da Lei n.º 100/97 está justamente no facto de o sobrevivo (cônjuge ou unido de facto) ter na data em que as pensões hão-de ser pagas encontrado novo amparo, seja por casamento, seja por união de facto.

VII – A viúva apenas tem direito a receber as prestações correspondentes ao período de tempo entre a morte do seu cônjuge (1 de Outubro de 1999) e a data em que passou a viver em união de facto com outro homem, como se fossem marido e mulher (Agosto de 2000), acrescidas por referência a essa data do triplo da pensão anual.”

1.3. O acórdão do STJ, de 7 de Novembro de 2007, ora recorrido, negou a revista e desatendeu a arguição de inconstitucionalidade suscitada pelos recorrentes, com base na seguinte fundamentação:

“3. Resulta das «conclusões» dos impugnantes do recurso principal que a questão que os mesmos pretendem ver submetida ao escrutínio deste Supremo Tribunal se liga, essencialmente, em saber se a autora, pelo facto de passar a viver em união de facto com outro homem, tem direito, desde essa vivência, a que lhes sejam concedidas as prestações devidas pela morte do sinistrado ou, ao invés, se lhe não haveria somente de ser concedido o montante previsto no n.º 3 da Base XIX da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, sendo que os mesmos recorrentes entendem que a interpretação que foi perfilhada no acórdão recorrido, no sentido de a previsão da equiparação, para efeitos de atribuição de prestações por morte do cônjuge ao unido de facto, previsão essa operada pela Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto, se estender tão-só à concessão do benefício e não já às condições do respectivo exercício, seria manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, na medida em que permite tratar mais favoravelmente os beneficiários que venham a contrair união de facto, referentemente aos que venham a contrair casamento.

Tendo em conta o que se prescreve no artigo 41.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, a data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril (cf. seu artigo 71.º, n.º 1), e a data da ocorrência do acidente de que versam os presentes autos [1 de Outubro de 1999], não será a disciplina jurídica emergente daqueles diplomas a aplicável ao caso em apreço, mas sim a legislação que a esta última data vigorava, designadamente, no que agora mais importa, a Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965.

4. De harmonia com o dispositivo ínsito na primeira parte do n.º 3 da Base XIX daquela Lei n.º 2127, se a viúva (que, de acordo com o n.º 1, alínea a), terá jus, em caso de acidente de que resulte a morte do seu marido, caso se tiver casado antes do acidente, a uma pensão anual de 30 por cento da retribuição base da vítima até perfazer 65 anos, e 40 por cento a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho) passar a segundas núpcias, receberá, por uma só vez, o triplo da pensão anual.

Nesse diploma, atento o contexto temporal e social em que foi editado, não se previa que, nas situações de infortúnio laboral de que resultasse a morte do trabalhador acidentado e estando este ligado a outrem por vínculo não matrimonial, quem com o mesmo estivesse unido de facto iria desfrutar, por algum modo, de benefício similar àquele que era titulado pelo cônjuge na constância do matrimónio aquando do acidente (ou o cônjuge divorciado ou judicialmente separado à data do acidente, mas que tivesse direito a alimentos – cf. alínea c) do n.º 1 da falada Base XIX).

Porventura no entendimento de acordo com o qual o que vem consagrado no n.º 1 do artigo 36.º da Constituição abarca dois direitos, justamente o direito de constituir família e o direito de contrair casamento – não admitindo, por isso, nesse entendimento, a Lei Fundamental que o conceito de família se circunscreva somente à denominada «família matrimonial» esteada na celebração ou produto do negócio jurídico do casamento, tal como é legalmente erigido –, foi, no que agora interessa, editada a Lei n.º 135/99, de 29 de Agosto, que intentou regular a situação jurídica das pessoas de sexo diferente e que vivam em união de facto (cf. seu artigo 1.º).

De entre as suas variadas disposições, prescreveu-se no seu artigo 3.º, alínea g), que quem viva em união de facto tem direito à prestação por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, nos termos da lei.

Perante este direito conferido pela lei ordinária, não se postam...

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