Acórdão nº 424/08 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Agosto de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução04 de Agosto de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 424/2008

Processo n.º 646/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (a fls. 9 a 16), foram indeferidas as diligências de prova requeridas pelo detido e foi determinada a execução do mandado de detenção europeu emitido em 25 de Março 2008 pelo Procurador-geral da República junto do Tribunal de Grande Instância de Paris, com a entrega do cidadão guineense A. para os fins aí consignados.

    Pode ler-se no texto do acórdão, para o que agora releva, o seguinte:

    “ […]

    O detido, quando da sua audição, declarou opor-se à execução do mandado e não renunciar ao benefício da regra de especialidade.

    Conformidade dispõe o art.° 21 do DL n° 65/2003, de 23/08, a pessoa procurada só pode opor à sua entrega ao Estado de emissão, com o fundamento no erro na identidade ou a existência de causa de recusa de execução do MDE.

    As causas de recusa de execução do MDE encontram-se tipificadas no art.° 11 do mesmo diploma legal. São as seguintes:

    1. A infracção que motiva a emissão do mandado de detenção europeu tiver sido amnistiada em Portugal, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento da infracção;

    2. A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado membro desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido integralmente cumprida, esteja a ser executada ou já não possa ser cumprida segundo a lei do Estado membro onde foi proferida a decisão;

    3. A pessoa procurada for inimputável em razão da idade, nos termos da lei portuguesa, em relação aos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu;

    4. A infracção for punível com pena de morte ou com outra pena de que resulte lesão irreversível da integridade física;

    5. A emissão do mandado de detenção for determinada por motivos políticos.”

      Analisando os supra transcritos fundamentos invocados pelo detido para se opor à sua entrega às autoridades francesas, não se vislumbra com efeito, nenhuma destas razões que poderiam obviar ao cumprimento do mandado de detenção europeu.

      No essencial o que o detido pretende colocar em crise, e no essencial, é a factualidade que determinou a emissão do mandado. Mas essa questão, como saberá, não está aqui em discussão. Isso será matéria que poderá alegar em sede da investigação aberta pelas autoridades francesas e para a qual este Tribunal não tem competência. Aqui e apenas está em análise o teor do mandado e saber se existe algum óbice, que se encontre legalmente estipulado, ao seu cumprimento. Daí não ter alcance as diligências de prova solicitadas.

      Não existindo causa de recusa de execução do mandado de detenção, subsiste apenas como fundamento erro na identificação do detido.

      E é precisamente este o fundamento que o detido aduz na sua oposição, procurando colocar em crise a sua identificação, dizendo que nunca teve a alcunha de “…” e sua esposa também não é conhecida por “…”.

      No entanto, quando da sua audição por este Tribunal, verificou-se não existir tal erro, tendo então dado a sua identificação, a qual ficou registada no respectivo auto e que corresponde à constante no mandado.

      Por outro lado o cidadão visado, quando foi detido no aeroporto de Lisboa, era portador do passaporte guineense n.° ….. e do bilhete de identidade guineense n.° ….., ambos os documentos com o seu nome e que então lhe foram apreendidos. Estes documentos correspondem, de forma inequívoca, aos mencionados no mandado de detenção como sendo do detido – v. fls. 53.

      Por este motivo não faria sentido estar a procurar produzir prova sobre a identidade do detido, e apenas sobre esta, a qual para o Tribunal está esclarecida.

      Nestes termos não se vislumbra que não se possa deixar de cumprir o mandado, uma vez que inexiste fundamento legal para a recusa de cumprimento do presente MDE.

      […]”

      Deste acórdão recorreu A. para o Supremo Tribnunal de Justiça, formulando nas alegações respectivas (fls. 17 a 23) as seguintes conclusões:

      “ […]

    6. O TRL julgou improcedente a oposição deduzida por A., nacional da Guiné-Bissau e residente em S. Paulo, Brasil, considerando haver coincidência entre o nome do visado no MDE e os documentos de identidade referentes ao oponente;

    7. Aplicou assim o art.° 21/2, DL.65/2003 de 23.08, no sentido do erro de identificação ter, nestes casos, um alcance restritivo e formal, remetendo a substância da identidade do arguido para o debate interprocessual penal, segundo a lei interna do Estado emissor do MDE;

    8. Mas, onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir, e a lei não distingue aqui – aliás, de acordo com uma visão do ordenamento conformado com a implementação e defesa dos direitos humanos;

    9. Se bem virmos os motivos de recusa de cumprimento dos MDE são todos eles indexados a atitudes intoleráveis, nomeadamente, atitudes formais de incumprimento substantivo das normas jurídicas do respeito pela dignidade humana;

    10. Ora, prender por erro de indiciação do autor do crime é um concreto e pesadíssimo desrespeito da dignidade humana, uma violação relevante do princípio dos direitos humanos de presunção de inocência do arguido, ou mais precisamente, de infracção á justa medida de uma compressão dos direitos pro libertate;

    11. Assim, deve ser considerado erro de identificação do visado em MDE, todo aquele que resulta da incongruência indiciária da base de justificação da autoridade emissora dada ao MDE (e motivos que são obrigatórios, justamente para poderem ser objecto de controlo jurisdicional em debate contraditório), da qual resulta uma certa nomeação, contestada com êxito;

    12. Tendo o recorrente argumentado este tipo de erro, não poderia ter sido afastado o mérito da oposição sem pelo menos ter sido aberta a fase intercalar probatória que o art.° 22/2 da Lei citada permite;

    13. O Acórdão recorrido infringiu, por conseguinte, este preceito em conjugação com o art° 21/2 cit., pelo que deve ser revogado, no sentido, pelo menos, de ser ordenada a realização das diligências requeridas na oposição;

      […]”

      O Supremo Tribunal de Justiça, por...

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