Acórdão nº 443/08 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução23 de Setembro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 443/2008 Processo n.º 299/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

O Município do Porto interpôs recurso excepcional de revista, para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), ao abrigo do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, contra o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 1 de Fevereiro de 2007, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo recorrente da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 4 de Janeiro de 2006, que julgara procedente a acção administrativa especial instaurada por A. e anulara, por padecer do vício de incompetência, o despacho do Vereador do Pelouro da Juventude, Desporto, Euro 2004, Educação e Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto, de 15 de Setembro de 2004, proferido no uso de competências delegadas pelo respectivo Presidente da Câmara, que aplicara ao autor a pena disciplinar de 45 dias de suspensão, com execução suspensa por dois anos.

As alegações apresentadas pelo recorrente foram sintetizadas nas seguintes conclusões:

“1. A jurisprudência invocada pelo aresto ora recorrido foi emitida ao abrigo da legislação anterior.

2. O Estatuto Disciplinar foi elaborado, em matéria de lei das autarquias, na vigência da Lei n.º 79/77.

3. Esta lei conferia à câmara municipal o poder de «superintender na gestão e direcção do pessoal ao serviço do município», entendendo-se caber nesse os poderes de «nomear, contratar ou assalariar, promover, transferir, louvar, punir, aposentar e exonerar os funcionários assalariados municipais».

4. O presidente da câmara já gozava de competência disciplinar mesmo antes de ser órgão autónomo – órgão municipal –, o que resulta do n.º 4 do artigo 18.º do Estatuto Disciplinar.

5. Hoje, de acordo com o artigo 68.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 169/99, «compete ao presidente da câmara municipal decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais».

6. A competência do presidente da câmara para a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais é originária e exclusiva.

7. O presidente da câmara é o órgão executivo singular do município.

8. O poder de aplicação de sanções disciplinares é assunto indissociável da gestão e direcção dos recursos humanos.

9. O Estatuto Disciplinar não contraria, antes complementa, o disposto no artigo 68.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 169/99.

10. O Estatuto Disciplinar limita-se a explicitar, mas não a atribuir competências.

11. Norma de atribuição de competência é o artigo 68.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 169/99.

12. A matéria disciplinar não é especial relativamente à autárquica.

13. É antes uma secção do direito autárquico, tal como a matéria autárquica é uma secção do direito disciplinar.

14. A Revisão de 1997, na nova redacção dada ao n.º 2 do artigo 243.º da CRP, esclareceu que, a haver alguma especificidade, ela seria sempre de cariz autárquico.

15. O resultado normativo que dê preferência, por especial ainda que anterior, às normas do Estatuto Disciplinar face a normas autárquicas é inconstitucional.

16. O artigo 18.º do Estatuto Disciplinar, no entendimento perfilhado pelo tribunal a quo, é inconstitucional por vulneração do comando da parte final do artigo 243.º, n.º 2, da CRP.

17. Uma interpretação que defende a extensão do âmbito do Estatuto Disciplinar à atribuição e repartição de competências entre órgãos autárquicos está, necessariamente, ferida de inconstitucionalidade.

18. A Lei de Autorização Legislativa ao abrigo da qual foi emitido o Estatuto Disciplinar (Lei n.º 10/83, de 13 de Agosto) não habilita o Governo a legislar no âmbito da actual alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, respeitante ao Estatuto das Autarquias Locais, que abarca não só a organização e as atribuições das autarquias, mas também a competência dos seus órgãos e a estrutura dos seus serviços.

19. A Lei n.º 10/83 somente confere ao Governo a possibilidade de legislar ao abrigo das actuais alíneas d) e t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.

20. A interpretação perfilhada pela sentença recorrida equivale a aceitar que um decreto-lei autorizado (no caso, o Estatuto Disciplinar) para uma dada matéria reservada é apto a definir parte do regime jurídico respeitante a outra matéria também reservada (no caso, o estatuto das autarquias locais), ao abrigo do qual não foi emitida qualquer lei de autorização e que a Assembleia da República entendeu ela própria regular (no caso a Lei n.º 169/99).”

Por acórdão de 13 de Fevereiro de 2008, o STA negou provimento ao recurso jurisdicional, desenvolvendo, para o efeito, a seguinte fundamentação:

“III – O DIREITO

A questão suscitada pelo recorrente e cuja relevância justifica o presente recurso excepcional de revista é a de saber a quem cabe, na vigência da Lei das Autarquias Locais n.º 169/99, de 18 de Setembro, a competência para impor a aplicação de sanções disciplinares aos funcionários e agentes afectos aos serviços municipais – se à câmara municipal, se ao seu presidente.

Resulta da matéria provada que ao autor da presente acção, funcionário da Câmara Municipal do Porto, com a categoria de técnico superior consultor jurídico principal, foi aplicada, em 15 de Setembro de 2004, pelo (…) Vereador do Pelouro da Juventude, Desporto, Euro 2004, Educação e Recursos Humanos, ao abrigo de delegação de competência do (…) Presidente da Câmara do Porto, a pena disciplinar de 45 dias de suspensão, com execução suspensa por dois anos.

Quer a sentença do TAF do Porto, quer o acórdão do TCA Norte que a manteve, entenderam verificar-se o invocado vício de incompetência do autor do acto, por ser a Câmara Municipal do Porto, e não o seu Presidente, o órgão que tem a seu cargo o exercício do poder disciplinar sobre os funcionários e agentes municipais, competência que fundamentam no artigo 18.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, considerando que tal preceito não foi revogado pela Lei n.º 18/91, de 12 de Junho, na redacção conferida ao n.º 2 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (LAL), nem pela posterior Lei n.º 169/99, de 16 de Setembro, como defendia o Município.

O recorrente Município continua a defender que, contrariamente ao decidido, o despacho impugnado não padece de vício de incompetência, pois o (…) Vereador, autor do acto impugnado, praticou-o no uso de competência validamente delegada pelo Presidente da Câmara, que, enquanto verdadeiro órgão autárquico, é quem hoje detém, originariamente, a competência para decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 68.º da citada Lei n.º 169/99, sendo que o poder de aplicação de sanções disciplinares é assunto indissociável da gestão e direcção dos recursos humanos.

Defende ainda que o Estatuto Disciplinar não atribui competências, limitando-se a explicitar as competências atribuídas pela lei própria, que é a lei reguladora do quadro de competências, no caso a LAL n.º 169/99, e, por isso, não contraria, antes complementa o disposto no citado artigo 68.º, n.º 2, alínea a), dessa Lei, mas, a considerar-se que o contraria, então deve considerar-se derrogado por ela.

Cita, em seu apoio, o parecer do Prof. Doutor Mário Aroso de Almeida, que juntou aos autos com as alegações de recurso para o TCA.

Invoca, ainda, a inconstitucionalidade de eventual interpretação que defenda que o artigo 18.º do Estatuto Disciplinar, como norma especial, não foi revogado pela referida Lei n.º 169/99, por vulneração do comando da parte final do artigo 243.º, n.º 2, da CRP, na redacção da Revisão de 1997 e ainda a inconstitucionalidade da interpretação que defenda a extensão do âmbito do Estatuto Disciplinar à atribuição e repartição de competências entre os órgãos autárquicos, por falta de autorização legislativa para o efeito.

Vejamos:

À data da prática do acto punitivo aqui em causa, estava em vigor o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (doravante ED), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro.

Como expressamente consta do seu artigo 1.º, o ED aplica-se aos funcionários e agentes da administração central, regional e local, apenas se exceptuando do âmbito da sua aplicação os funcionários e agentes que possuam estatuto especial.

Portanto, não restam dúvidas que o ED se aplica aos funcionários e agentes das autarquias.

O ED foi emitido ao abrigo da autorização legislativa constante da Lei n.º 10/83, de 13 de Agosto, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 168.º da CRP/82, que respeita ao regime geral de punição das infracções disciplinares.

Com efeito, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea b), da citada Lei, o Governo é autorizado a legislar «em matéria de regime disciplinar da função pública» e, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito: «O regime a instituir nos termos da alínea b) do n.º 1 visa introduzir alterações ao Decreto-Lei n.º 191-D/79, de 25 de Junho, por forma a redefinir factos ilícitos ou a definir novas formas de ilícito de corrupção passíveis de sanção disciplinar, a corrigir a dosimetria das penas em vigor e ainda a ultrapassar dificuldades de execução e a integrar lacunas do Estatuto Disciplinar». (sublinhados nossos).

Deve aqui referir-se que o anterior Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de Junho, não se aplicava directamente às autarquias locais em certas matérias, designadamente no que respeita à competência disciplinar, porque o legislador, face às particularidades que reveste o seu regime, designadamente à autonomia dos respectivos órgãos – embora subordinados às leis gerais da República – julgou preferível a adaptação dessas matérias por via regulamentar...

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