Acórdão nº 446/08 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução23 de Setembro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 446/2008

Processo n.º 301/08

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

    Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

    A – Relatório

    1 – A., com os demais sinais dos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das normas definidas no respectivo requerimento de interposição do recurso nos seguintes termos:

    “(...)

    1. “A norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188º, nº 1, do Código de Processo Penal segundo a qual “é no termo de cada período de escuta, e não logo a seguir a cada conversação telefónica interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravação com indicação pelo órgão de polícia criminal das passagens relevantes para a prova” é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18º, nº 2 e 3, e 34º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa” (Cfr. 3º Parágrafo da página 14 da Motivação e Ponto 8 das Conclusões do recurso)

    2. “A norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo segundo a qual “após a alteração legislativa de 2000 a maior complexidade na elaboração do auto de gravação impõe a adopção de critério mais dilatado quanto ao requisito da imediatividade da sua apresentação” é ainda inconstitucional por violação do disposto nos artigos 13º, 18º, nºs 2 e 3, e 34º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa” (Cfr. 5º Parágrafo da página 18 da Motivação e Ponto 14 das conclusões do recurso)

    3. “A norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188º, nº 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual o inciso imediatamente deve ser interpretado “dentro das contingências inerentes à complexidade e dimensão do processo”, equivalendo, nessa medida, ao “tempo mais rápido possível” é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18º, nºs 2 e 3, 32º, nº 1, e 34º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa” (Cfr. 4º Parágrafo da página 25 da Motivação e Ponto 22 das conclusões de recurso).

    4. “É, assim, inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18º, nºs 2 e 3 e 34º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188º, nº 1 do Código de Processo Penal, segundo a qual, nos casos em que decida proceder pessoalmente à integral audição dos suportes magnéticos que lhe hajam sido entregues, fica ao livre arbítrio do Juiz de Instrução Criminal a determinação do lapso de tempo em que o teor dessas mesmas conversações telefónicas deva ser conhecido” (Cfr. 3º Parágrafo da página 32 da Motivação e Ponto 30 das conclusões do recurso).

    5. “Deverá também o presente Tribunal julgar inconstitucional, por violação dos artigos 32º, nºs 2 e 8, 34º, nº 4, e 18º, nºs 2 e 3 da CRP, a norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo dos artigos 187º, nº 1 e 188º, nº 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual “uma vez autorizada a intercepção e gravação por determinado período, pode ser concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado das anteriores conversações telefónicas interceptadas e gravadas” (Cfr. 40 Parágrafo da página 43 da Motivação e Ponto 49 das conclusões do recurso).

    6. “Deve também ser declarada inconstitucional por violação das normas dos artigos 32º, nº 1 e 8, 18º, nºs 2 e 3 e 34º, nº 4, a norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do disposto no artigo 188º, nº 3, do Código de Processo Penal, segundo a qual “nada impõe que a ordem de destruição seja dada imediatamente após a primeira selecção, podendo o Juiz aditar aos “autos de gravação” sessões que haja anteriormente considerado irrelevantes para a prova” (Cfr. 6º Paragrafo da página 47 da Motivação e Ponto 56 das conclusões do recurso).

      2 – Com interesse para a decisão do caso sub judicio, cumpre relatar:

      2.1 – O presente recurso surge interposto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que negou provimento ao recurso interposto da decisão instrutória proferida no 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar que pronunciara o arguido pela prática de vinte e seis crimes dolosos de corrupção passiva para prática de acto ilícito.

      2.2 – Nesse recurso, o arguido insurgiu-se contra a decisão instrutória na parte em que nesta foi indeferido o seu pedido de declaração de nulidade das escutas telefónicas, colocando ao Tribunal da Relação as seguintes questões:

      “(...)

    7. A regra consagrada na primeira parte do artigo 188.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, não foi respeitada no caso sub judice, o que, nos termos do disposto nos artigos 189.º e 126.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, determina a nulidade das escutas telefónicas ordenadas e, por conseguinte, a proibição da utilização como prova das transcrições das conversações telefónicas interceptadas.

    8. Do cotejo entre os “autos de gravação” de fls. 205, 206, 298, 230, 231, 266, 267, 268, 278, 298, 299, 305, 321, 339, 343, 348, 364, 365, 397, 404, 407, 417, 427, 489, 492, 494, 525, 533, 567, 629, 676, 677, 708, 743, 756, 782, 886, 945, 1048, 1131, 1186, 1213, 1530, 1069, 1839 e 4172 e as “Promoções” do Ministério Público de fls. 215, 285, 326, 378, 473, 503, 538, 670, 815, 1009, 1090, 1167, 1263, 1557, 1641, 2278 e 4259, verifica-se que nunca os “autos de “gravação” relativos a conversações telefónicas mantidas por e através do número de telemóvel pessoal do Arguido, B. (“alvo” 27199), foram imediatamente levados ao conhecimento da Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar, mediando sempre entre a sua conclusão e a competente remessa, vários dias, e nalguns casos até mais de um mês;

    9. O mesmo sucedeu com as intercepções e gravações de conversações telefónicas efectuadas por e através do número de telemóvel (“alvo” 20798) pertencente ao Arguido, C., cujos “autos de gravação” foram sempre remetidos à Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar vários dias, nalguns casos até mais de um mês, depois de terem sido lavrados (Cfr. “autos de gravação” de fls. 159, 160, 166, 192, 235, 243, 271, 272, 279, 301, 304, 320, 323, 341, 342, 345, 355, 372, 392, 406, 414, 426, 487, 491, 527, 528, 617, 673, 696, 797, 749, 759, 755, 788 e 789, 855, 885, 944, 1047, 1130, 1185, 1212, 1608, 1838, 4171 e 4523 e “Promoções” do Ministério Público de fls. 173, 215, 251, 285, 330, 378, 473, 503, 670, 815,1009, 1090, 1167, 1263, 1557, 1641, 4087, 4259 e 4275).

    10. A validade das escutas telefónicas efectuadas foi defendida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo com base no entendimento segundo o qual é “no termo de cada período de escuta e, não logo a seguir a cada conversação interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravação com indicação pelo órgão de polícia criminal das passagens consideradas relevantes para a prova”.

    11. Tal interpretação a que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo procedeu do disposto no artigo 188.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, não encontra qualquer correspondência nem na letra nem no espírito da lei.

    12. Considerando que o escopo da lei ou “pensamento legislativo” subjacente à regra plasmada no artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, é o de salvaguardar a menor compressão possível dos direitos fundamentais coarctados pelas escutas telefónicas através do acompanhamento efectivo e contínuo das operações que lhe são inerentes pelo Juiz, o critério interpretativo a adoptar neste caso não pode deixar de ser aquele que justamente assegure um maior acompanhamento judicial em que se materializa este específico meio de obtenção de prova.

    13. Seguindo o critério interpretativo que “assegure a menor compressão possível dos direitos fundamentais afectados pela escuta telefónica”, chegar-se-á necessariamente à conclusão que, no decurso do período pelo qual foi autorizada a realização de escutas de telefónicas, devem ser apresentados ao Juiz de Instrução Criminal “autos de gravação” intercalares.

    14. Considera também o Recorrente que a norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual “é no termo de cada período de escuta, e não logo a seguir a cada conversação interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravação com indicação pelo órgão de polícia criminal das passagens consideradas relevantes para a prova”, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18.º, n.º 2 e 3, e 34.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

    15. Os Projectos de Lei de revisão do Código de Processo Penal que foram recentemente apresentados na Assembleia da República, em que o Meritíssimo Juiz a quo se ampara para sustentar a sua posição, levariam necessariamente à proibição de utilização de grande parte das conversações telefónicas dos Arguidos, B. e C., porquanto, os respectivos “autos de gravação” foram, quase todos, levados ao conhecimento da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo mais de 17 dias depois de terem sido lavrados (Cfr. artigo 188.º, n.º 3, da Proposta de Lei n.º 109/X).

    16. No que respeita ao espaço de tempo que deve mediar entre o fim da gravação e a apresentação do respectivo auto, defende o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que “após a alteração legislativa de 2000 a maior complexidade na elaboração do auto impõe a adopção de critério mais dilatado quanto ao requisito da imediatividade da sua elaboração e apresentação, não sendo exigível a fixação de um prazo máximo rígido, que sempre se poderia mostrar completamente desadequado ao condicionalismo do caso concreto” (Cfr. Fls. 22921 da douta Decisão Recorrida).

    17. Entende o Recorrente que também este argumento invocado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo é totalmente desprovido de sentido, visto que, conforme resulta claramente do disposto no artigo 188.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o “requisito da imediatividade” se prende com a remessa do auto ao Juiz de Instrução Criminal e não, como é por demais evidente, com a...

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