Decisões Sumárias nº 139/08 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução14 de Março de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 139/2008

Processo n.º 68/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de Novembro de 2007, “que decidiu, seguindo a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 10/2000, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 260, de 10 de Novembro de 2000, no sentido de que, no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, contrariando o que foi decidido no Acórdão [do Tribunal Constitucional] n.º 110/2007, publicado no Diário da República, II Série, n.º 56, de 20 de Março de 2007, que considerou inconstitucional aquela interpretação, por violação do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa”.

2. A norma cuja constitucionalidade constitui objecto do presente recurso foi entretanto declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 183/2008 deste Tribunal Constitucional, com base na seguinte fundamentação jurídica:

“5. A questão da violação do princípio constitucional da legalidade criminal

Tudo está pois em saber se foi ou não efectivamente violado o princípio da legalidade criminal. Este princípio resulta do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa: «Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior» e «Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam expressamente cominadas em lei anterior».

O princípio aqui consignado é um «princípio-garantia»; visa, portanto, «instituir directa e imediatamente uma garantia dos cidadãos» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., p. 1167).

Não se trata, pois, apenas de um qualquer princípio constitucional mas de uma «garantia dos cidadãos», uma garantia que a nossa Constituição – ao invés de outras que a tratam a respeito do exercício do poder jurisdicional – explicitamente incluiu no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, relevando, assim, toda a carga axiológico-normativa que lhe está subjacente. Uma carga que se torna mais evidente quando se representa historicamente a experiência da inexistência do princípio da legalidade criminal na Europa do Antigo Regime e nos Estados totalitários do século XX (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral, I, p. 178).

Nos Estados de Direito democráticos, o Direito penal apresenta uma série de limites garantísticos que são, de facto, verdadeiras «entorses» à eficácia do sistema penal; são reais obstáculos ao desempenho da função punitiva do Estado. É o que sucede, por exemplo, com o princípio da culpa, com o princípio da presunção de inocência, com o direito ao silêncio e, também, com o princípio da legalidade (nullum crimen sine lege certa). Estes princípios e direitos parecem não ter qualquer cabimento na lógica da prossecução dos interesses político-criminais que o sistema penal serve. Estão, todavia, carregados de sentido: são a mais categórica afirmação que, para o Direito, a liberdade pessoal tem sempre um especial valor mesmo em face das prementes exigências comunitárias que justificam o poder punitivo.

Não se pense pois que estamos perante um princípio axiologicamente neutro ou de uma fria indiferença ética, que não seja portador de qualquer valor substancial.

O facto de o princípio da legalidade exigir que num momento inicial do processo de aplicação se abstraia de qualquer fim ou valor decorre de uma opção «axiológica» de fundo que é a de, nas situações legalmente imprevistas, colocar a liberdade dos cidadãos acima das exigências do poder punitivo.

Assim se justifica que nem mesmo os erros e falhas do legislador possam ser corrigidos pelo intérprete contra o arguido.

É o que bem explica Figueiredo Dias (Direito Penal. Parte Geral, tomo I, 2.ª ed., p. 180): «Esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redacção funcionam, por isso, sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade também outros comportamentos. Neste sentido se tornou célebre a afirmação de v. Liszt segundo a qual a lei penal constitui a magna Charta do criminoso.»

No mesmo sentido, diz Taipa de Carvalho (Direito Penal, I, Porto 2003, p...

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