Acórdão nº 183/13 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução20 de Março de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 183/2013

Processo n.º 107/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. A., recorrente nos presentes autos em que é recorrido o Ministério Público, foi condenado pelo 2.º Juízo Criminal de Lisboa pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 107.º, n.º 1, e 105.º n.º 1, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (adiante designado abreviadamente por “RGIT”), numa pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 8,00, num total de € 1 600,00.

    Inconformado com tal decisão condenatória, da mesma interpôs o arguido, ora recorrente, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 6 de dezembro de 2012, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença então recorrida. Desse acórdão foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º28/82, de 15 de novembro, adiante referida como “LTC”), em requerimento com o seguinte teor:

    […]

    O recorrente suscitou, nas conclusões da motivação do recurso apresentado nesse Tribunal da Relação o seguinte:

    “e) Acresce que em caso de conflito de deveres, o dever fundamental plasmado nos art.º 59.º n.º 1, alínea a) e no art.º 53.º da Constituição, isto é, o dever de pagar salários aos trabalhadores e de assegurar os seus postos de trabalho, é mais valioso que o dever consignado no art.º 103.º, n.º1 da Constituição tendo o Meritíssimo Juiz a quo feito uma interpretação inconstitucional dos art.º 105.º, n.º 1 e 107.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT) face àqueles preceitos constitucionais (os art.º 59.º n.º 1, alínea a) e 53.º da Constituição, o que também precipita, por erro de interpretação, a violação do art.º 1.º da Lei Fundamental, que consagra o princípio da dignidade da pessoa humana);”

    Isto é, os art.º 105.º, n.º 1 e 107.º, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), são inconstitucionais, face aos art.º 59.º, n.º 1, alínea a); 53.º e 1.º da Constituição, quando interpretados no sentido eleito pela Relação de Lisboa, isto é, de que o direito ao salário cede, em caso de conflito de direitos, face ao dever de entregar os descontos para a Caixa Geral de Aposentações, desses trabalhadores, dando, por isso, prevalência ao dever de pagar as contribuições à segurança social (que não são impostos!!!).

    Destarte, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, roga-se a admissão do recurso e a sua remessa, com os autos, para o Venerando Tribunal Constitucional.

    Pela Decisão Sumária n.º 94/2013 foi decidido não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade, por se entender que o critério normativo aplicado na decisão recorrida é diferente daquele cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada no recurso de constitucionalidade. Com efeito, considerou-se naquela Decisão que, segundo o tribunal recorrido, não ocorreu in casu um conflito de deveres previsto no artigo 36.º do Código Penal.

  2. Não se conformando com tal Decisão, vem agora o recorrente dela reclamar para a conferência com os seguintes fundamentos:

    3.º

    A questão colocada prende-se com um conflito de direitos/deveres constitucionais, o dever fundamental plasmado no artº 59.º nº 1, alínea a) e no artº 53.º da constituição, isto é o dever de pagar salários aos trabalhadores e de assegurar os seus postos de trabalho e o correspetivo direito de o trabalhador ser remunerado pela prestação do seu trabalho, e o dever consignado no artº 103º, nº 1 da CRP, que, face à interpretação dada pelas instâncias aos artºs 105 nº 1 e 107º da Lei 15/2001, de 5 de junho (RGIT), face àqueles imperativos constitucionais (os artºs 53º e 59º, 1, alínea a) do CRP), precipita, outrossim, a violação destas normas e o artº 1º da CRP, que consagra o princípio da dignidade da pessoa humana.

    E isto porque para, designadamente, o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão recorrido, sufraga o entendimento que o direito ao salário cede face ao dever de se entregar à C.G.A. a contribuição respetivas. (mesmo que, não tendo a entidade empregadora, meios financeiros para satisfazer esta obrigação).

    Note-se que no acórdão recorrido, o do TRL, é citada a abundante jurisprudência da qual, aliás, para o caso apenas interessa o Ac. do TRL de 22.9.2004 tirado no âmbito do Procº 4855/04.3 – 3ª Secção, em que foi Relator o Mui Ilustre Desembargador, Doutor António Clemente Lima, porquanto só nesse é que se discute uma situação paralela à dos autos (a não entrega à Segurança Social ou à C.G.A. do “desconto meramente escritural” das contribuições ao Estado), já que aos outros arestos o que estava em causa era a não entrega do IVA, imposto que, como se sabe é entregue, de facto, pelo “cliente” a certa empresa e que, por não lhe pertencer, deve entregar à Fazenda Nacional.

    5.º

    Em nosso modesto entender obstam à concordância com a douta decisão sumária três ordens de razões:

    Os fundamentos apresentados nessa douta decisão não estão corretos;

    A questão não é simples, como determina o artº 78-A, nº 1 do LTC.

    Compromete princípios jurídico-constitucionais fundamentais.

    O argumento essencial da douta decisão sumária é o seguinte:

    O acórdão recorrido do Tribunal da Relação nega a existência do conflito de deveres constitucionais.

    Então esse conflito não existe e por isso, o Tribunal Constitucional não se tem que pronunciar (fls. 6 da decisão).

    Ora a realidade não é esta. E por dois motivos:

    - Não é por um Tribunal Comum negar a existência de um conflito de direitos/deveres constitucionais que este não existe e que o TC não tem que se pronunciar.

    Se assim fosse, não seria...

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