Acórdão nº 77/13 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução31 de Janeiro de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 77/2013

Processo n.º 237/12

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Mediante decisão proferida em 20 de junho de 2011, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a impugnação judicial do ato tributário de liquidação com o n.º 2007 8310015242, referente ao exercício de 2003, consubstanciado na demonstração de acerto de contas com o n.º 2007 1078962, na demonstração de liquidação de IRC com o n.º 2007 00003997929 e na demonstração de liquidação de juros com os n.ºs 2007 00001143274 e 2007 00001143275, deduzida por A., SGPS, S.A.

A impugnante interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 31 de janeiro de 2012, negou provimento ao recurso.

A impugnante recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:

A., SGPS, S.A., melhor identificada nos autos, notificada, na sua qualidade de Recorrente, do douto Acórdão que negou provimento ao Recurso interposto de decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, vem, ao abrigo dos artigos 6º, 70º, n.ºs 1, alínea b), e 2, 71º, n.º 1, 72º, n.ºs l, alínea b) e 2, 75º, n.º 1, 75º-A, n.ºs 1 e 2, e 76º, n.º 1, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional), dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que o mesmo aplicou uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei aludida).

A norma em causa é o n.º 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária, o qual foi interpretado e aplicado no Acórdão recorrido num sentido inconstitucional, conforme seguidamente se concretiza.

Em primeiro lugar, a norma em causa foi aplicada com o sentido de que se trata de uma espécie de tipo legal aberto ou de sobreposição que permite a tributação de factos ou realidades que a ordem jurídica não pretendeu tributar, assim conduzindo a uma espécie de aplicação analógica das normas tributárias (na medida em que admite que administração fiscal, desconsiderando, para efeitos fiscais, a personalidade jurídica de uma sociedade sedeada na Zona Franca da Madeira, a cuja constituição o contribuinte foi expressamente incentivado pela lei, possa tributar como juros aquilo que reconhece expressamente serem lucros, no plano jurídico-civil); ora, interpretada com este sentido, a norma é materialmente inconstitucional porque viola o Princípio Constitucional da Legalidade Fiscal, previsto nos artigos 103º, n.º 2, 104º e 165º, nº 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

Em segundo lugar, a norma do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, foi também aplicada com o sentido de que se trata de uma norma que admite apenas uma via fiscalmente aceitável para cada objetivo económico-jurídico prosseguido pelo contribuinte, que é a fiscalmente mais onerosa (e, por conseguinte, restringe ou suprime a liberdade de utilização de direitos e prerrogativas de natureza fiscal conferidos pela ordem jurídica); interpretada com este sentido, a norma é materialmente inconstitucional porque viola o Princípio Constitucional da Liberdade Económica, previsto no artigo 61º da Constituição da República Portuguesa.

As duas referidas inconstitucionalidades foram oportunamente suscitadas pela ora Recorrente em sede de Recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, nas alegações que apresentou, nomeadamente a págs. 25, 26, 27 e 43 e na conclusão 24.ª, a págs. 49, nas quais claramente invocou que o artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária não deve ser interpretado e aplicado como uma espécie de tipo tributário geral de sobreposição que unicamente admite como via fisca1mente aceitável para cada objetivo económico-jurídico a que for fiscalmente mais onerosa, e que, com essa interpretação, o referido preceito é inconstitucional por infringir de modo flagrante os mencionados Princípios da Legalidade Fiscal e da Liberdade Económica.

Em terceiro lugar, a norma do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária foi ainda interpretada com o sentido de que é aplicável a factos anteriores à sua entrada em vigor contanto que estes se integrem numa “cadeia de atos” em que alguns deles ocorreram já no seu domínio de vigência, ainda que estes últimos se traduzam apenas na distribuição de rendimentos com base em contratos celebrados anteriormente; interpretada com este sentido, a norma é materialmente inconstitucional porque viola a proibição constitucional da retroatividade da lei fiscal consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

Esta última inconstitucionalidade foi invocada pela Recorrente seja na impugnação judicial, sob os arts. 66.º e seguintes, seja nas alegações que apresentou no Recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, nomeadamente a págs. 22 e na conclusão 14.ª, a págs. 46 e 47.

As partes apresentaram alegações e, tendo os autos sido redistribuídos, foi a Recorrente notificada para se pronunciar sobre a possibilidade de o recurso não ser conhecido com fundamento em que as questões colocadas respeitam a interpretações normativas que não integram a ratio decidendi da decisão recorrida, nem foram adequadamente suscitadas perante o tribunal recorrido.

A Recorrente pronunciou-se no sentido do conhecimento de todas as questões de constitucionalidade por si colocadas ao Tribunal Constitucional.

Fundamentação

No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputadas a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.

Constitui jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração ou subsunção do julgador – não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo de queixa constitucional para defesa de direitos fundamentais.

Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.

A suscitação processualmente adequada de uma questão de constitucionalidade implica, desde logo, que o recorrente tenha cumprido o ónus de a colocar ao tribunal recorrido, enunciando-a de forma expressa, clara e percetível, em ato processual e segundo os requisitos de forma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT