Acórdão nº 105/13 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 105/2013

Processo n.º 716/12

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

Relatório

Por sentença do Tribunal Judicial de Condeixa-a-Nova foi o arguido A. condenado pela prática, em concurso efetivo, de dois crimes de importunação sexual, previsto e punido pelo artigo 170.º do Código Penal, na pena de 85 dias de multa, por um deles, e na pena de 105 dias de multa pelo outro e, em cúmulo jurídico, na pena única de 170 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, perfazendo a quantia total de € 1.700,00.

Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 20 de dezembro de 2010, concedeu parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida no que respeita ao quantitativo diário da multa, e condenou o arguido na pena única de 170 dias de multa, à taxa diária de €. 7,00, perfazendo a quantia total de € 1.190,00, mantendo, no mais, a sentença recorrida.

O arguido invocou a nulidade deste acórdão, por omissão de pronúncia, em relação a diversas questões e o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 27 de junho de 2012, deferiu parcialmente o pedido, suprindo o vício em causa, mantendo, no entanto, inalterada a condenação.

O arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, não tendo tal recurso sido admitido.

O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:

“Dando cumprimento ao plasmado nos n.ºs 1 e 2 do art. 75º-A da LTC, refere-se que o presente recurso versa sobre seis questões concretas e objetivas: I) inconstitucionalidade da interpretação das normas legais em causa [arts. 358º e 379º nº 1 b) CPP] bem como II) do ónus sobre o arguido no sentido de aventar explicitação para a mentira das vítimas; III) direito ao conhecimento integral do recurso e sua não cindibilidade, IV) preenchimento do tipo de ilícito (art. 170º CP) e convocação do Direito Penal (a fundamentar a nulidade por omissão de pronúncia supra reclamada!), V) recorte do tipo legal de crime em causa (importunação sexual) bem como VI) o entendimento do julgamento da matéria de facto em sede de recurso (maxime a questão de plausibilidade da resposta como explicação da realidade em caso de variedade de soluções possíveis!) conjugado com preterição do princípio in dubio pro reo em nome da livre valoração da prova e quase santidade de tal princípio.

Tais questões foram validamente suscitadas no recurso apresentado por fax no dia 09 de junho de 2011 [maxime ponto III e conclusões D, E, G, DD, EE, KK.] e posteriormente remetido por correio ao Tribunal de 1ª instância, resposta ao douto parecer do Ministério Público (maxime fls. 2 a 8), apresentada a 29 de setembro de 2011, bem como, atenta a surpresa de tal decisão proferida, no requerimento de aclaração e invocação de nulidade apresentado, via fax, no passado dia 03 de janeiro de 2012.

Como fundamento do recurso aponta-se o entendimento sufragado quer na douta sentença de primeira instância quer nos doutos acórdãos do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra proferidos nos presentes autos e relativamente à legitimidade do Tribunal para, de per si e unilateralmente, proceder à alteração da douta acusação pública, nomeadamente ao nível do local de prática dos factos, com eliminação de factualidade que deixa de figurar nos factos provados ou não provados e sua substituição, sendo fonte de anulação do julgamento e nulidade da douta sentença, mas unicamente na parte respeitante aos factos que foram objeto de tal alteração, nos termos do art. 379º nº 1 b) CPP.

Sendo mesmo inconstitucional, por violação das garantias de defesa e dos princípios do acusatório e contraditório assegurados nos art. 32º n.ºs 1 e 5 CRP, o entendimento segundo o qual a consideração na douta sentença condenatória de factos atinentes à execução do pretenso crime não alegados na douta acusação pública, com eliminação e substituição do descrito nesta, com relevância para a condenação e determinação da pena, não constituir alteração não substancial dos factos, nos termos e para efeitos do art. 358º CPP, não estando em causa qualquer violação de direitos de defesa na diligência de deslocação ao local mas sim a final, com a proferição de douta sentença, bem como a qualificação de tal alteração que in casu clara e inequivocamente teve lugar como de “pormenor”, “pontual” e mera “redação de escrita!

Da mesma forma que se tem por inconstitucional a colocação de um eventual ónus sobre o arguido no sentido de que o mesmo ter de aventar uma justificação explicitante para a mentira das vítimas, por violação da presunção de inocência vertida no art. 32º nº 2 CRP bem como demais garantias de defesa plasmadas no nº 1, sempre e quando, como no presente caso, decorre e são manifestas as contradições e imprecisões, não só entre o depoimento das supostas vítimas como entre elas e a testemunha imparcial...

Tem-se por contrária à Lei fundamental e demais diplomas de Direito internacional, desde logo por violação do art. 32º nº 2 CRP, o entendimento segundo o qual sendo permitida, em razão das regras da experiência, mais que uma solução para a resposta à matéria de facto, será a decisão do julgador inatacável sempre que for uma das soluções plausíveis segundo tais regras sempre e quando seja a solução mais nefasta para o arguido.

Mais se tem por inconstitucional o segundo segmento de tal fundamento explanado no douto acórdão, agora por violação do nº. 1 do art. 32º CRP, quando entendido que a decisão do julgador em tal caso será inatacável por proferida em obediência à lei que impõe que julgue de acordo com a sua livre convicção uma vez que aquilo que a lei impõe é que o julgador julgue segundo o Direito e a Constituição da República Portuguesa e tendo por base o respeito aos princípios constitucionais e internacionais!

Na hipótese de existirem várias soluções plausíveis, mais do que atentar na livre convicção, está o Tribunal vinculado ao principio in dubio pro reo e ao Direito globalmente considerado, pelo que na dúvida, havendo várias soluções possíveis segundo a experiência comum não poderá optar pela menos favorável ao arguido ao arrepio dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo!

Não se afira conforme à lei fundamental, por violação do art. 32º nº 2 CRP, o entendimento segundo o qual “sendo permitida, em razão das regras da experiência, mais que uma solução para a resposta à matéria de facto, será a decisão do julgador inatacável sempre que for uma das soluções plausíveis segundo tais regras sempre e quando seja a solução mais nefasta para o arguido”, à imagem do segundo segmento de tal fundamento explanado no douto acórdão, agora por violação do nº. 1 do art. 32º CRP, quando entendido que a decisão do julgador em tal caso será inatacável por “proferida em obediência à lei que impõe que julgue de acordo com a sua livre convicção” uma vez que aquilo que a lei impõe é que o julgador julgue segundo o Direito e a Constituição da República Portuguesa e tendo por base o respeito aos princípios constitucionais e internacionais!

Sob pena de se ter por disforme à lei fundamental tal entendimento, o direito ao recurso, que abarca tal vertente, teria pés de barro e sucumbiria na hierarquia e trajetos recursórios, não se questionando a ausência de fundamentação da sentença, antes se atacando os fundamentos (ou alicerces) da fundamentação”, coisas bastante diferentes...

Tem-se assim por inconstitucional, em violação do art. 32º nº. 1 CRP, o entendimento segundo o qual o conhecimento do recurso se basta com as questões essenciais na ótica do Tribunal ad quem, sem que se mostre justificada qual a razão da desconsideração de algumas passagens indicadas e relatório final da Polícia Judiciária indicado em sede de recurso e que, modestamente, teriam a virtualidade de alterar a decisão final, seja ela de condenação. vs absolvição ou simples alteração da medida da pena.

A interpretação da garantia de um segundo grau de recurso em matéria de facto se mostraria com “pés de barro” atenta a cindibilidade, ausência de análise integral do recurso e omissão de pronúncia operadas, sendo tal circunstância geradora de inconstitucionalidade por violação do nº. 1 do art. 32º CRP que consagra o direito a um recurso pleno e não sectável obrigando assim o Tribunal ad quem, a pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas ou a, pelo menos, fundamentar (nos termos do arts. 374º nº. 2, 379º nº 1 a), aplicáveis por força do nº. 4 do art. 425º, todos do CPP, e exigência vertida no art. 205º CRP) tal exclusão ou omissão de pronúncia, maxime face ao teor do relatório final da Polícia Judiciária, sendo tal desconsideração e cindibilidade da prova produzida ilícita e violadora das mais elementares garantias de defesa, devendo ser aferida tendo por base a sua imagem globalmente considerada e a unicidade do recurso, não se mostrando legítima a interpretação do nº. 1 do art. 31º CRP que permita a cisão e desconsideração recursórias.

Tem-se por inconstitucional o entendimento segundo o qual poderá haverá condenação pelo crime de importunação sexual sempre e quando o ato típico se mostre unicamente ao nível da intenção sem produção de resultado ou dano em concreto, que seja comprovado, dado por provado ou assente.

A normal legal ora em causa (o art. 170º CP, qual caldeirão e albergue espanhol) foi criada ad hoc em resultado dos tumultos ocorridos no país e algumas lacunas de punibilidade, tendo um âmbito de aplicação geral, tendo-se por inconstitucional tal forma de legislar, por violação da exigência de lei certa e do princípio da legalidade, vertidos nos arts. 1º nº. 1 CP e 29º nº.1 CRP atenta a não determinação concretizante do facto ilícito típico, sendo, não uma norma legal mas um princípio jurídico que se mostra depois concretizado e subsumido nos diversos crimes.

Impor-se-á...

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