Acórdão nº 127/13 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Gomes
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 127/13

Processo n.º 672/2012

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Por sentença do Juízo de Família e Menores da Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, foi atribuído a A., recorrida nos presentes autos em que é recorrente B., o direito ao arrendamento da “casa morada da família”, bem próprio do segundo, cuja utilização tinha sido atribuída à requerente no acordo de divórcio por mútuo consentimento. O ora recorrente impugnou esta decisão invocando, designadamente, a inconstitucionalidade do artigo 1793.º do Código Civil «na parte em que possibilita ao juiz decretar a constituição de uma relação arrendatícia, a favor de um dos cônjuges, quando a casa de morada de família seja um bem próprio do outro cônjuge, desde que essa constituição seja contra a vontade deste» (fls. 235), por violação do artigo 62.º da Constituição nas dimensões do direito de propriedade enquanto direito de uso e fruição.

    O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 3 de novembro de 2011 (fls. 257 e seguintes), confirmou a decisão recorrida, apenas alterando o montante da renda mensal para 420 euros. Quanto ao problema de constitucionalidade invocado pelo recorrente, disse o seguinte:

    “(…)

    Na 2.ª conclusão da alegação de recurso, o apelante levanta a questão da inconstitucionalidade do n.º 1 do art. 1793.º do C.C. – por violação do art. 62.º da C.R.P. – na parte em que possibilita ao juiz decretar a constituição de uma relação arrendatícia, a favor de um dos cônjuges, quando a casa de morada de família seja um bem próprio do outro cônjuge, desde que essa constituição seja contra a vontade deste, na medida em que tolhe o direito de propriedade, nas suas dimensões de direito de uso e fruição.

    Salvo melhor entendimento, não assiste razão ao apelante.

    Dispõe o art. 1793.º n.º I do Cód. Civil que pode o tribunal dar de' arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer essa seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

    Por seu turno, preceitua o art. 62.º n.º 1 da Lei Fundamental que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.

    Dispondo o art. 65.º n.º 1 do mesmo diploma legal que todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

    Sendo que a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros - cfr. art. 67.º n.º 1 da citada lei Fundamental.

    Em anotação ao art. 1793.º do Cód, Civil, referem Pires de Lima e Antunes Varela, na citada obra, que "... É, todavia, uma das normas integradoras do sistema global arquitectado pela Reforma de 1977 para protecção da habitação da família, um pouco na sequência do pensamento programático da acção do Estado delineado nos artigos 65.º e 67.º da Constituição da República ...".

    Tais normas constitucionais - inseridas nos direitos e deveres económicos, sociais e culturais - são de natureza programática por serem de aplicação diferida e mediata.

    Como escreveu Jorge Miranda, in Direito Constitucional, AAFD de Lisboa, 1977, pág. 63, " ... tais normas implicam a colaboração do legislador ordinário a cujo critério fica a formulação das regras capazes de as tornar exequíveis por meio de um poder discricionário; e os cidadãos não as podem invocar desligadas destas regras de carácter legal.. .".

    Em anotação ao art. 65.º da C.R.P., Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, escreveram "... O direito à habitação deve prevalecer sobre o direito de uso e disposição da propriedade privada ... ".

    Mais adiantam os mesmos constitucionalistas, em anotação ao art. 62.º da C.R.P. que " ... sempre se terá de entender que o direito de propriedade está sujeito a muitas restrições. Além dos limites estabelecidos pela própria Constituição ... , deve entender-se que o direito de propriedade está indirectamente sob reserva das restrições estabelecidas por lei, dado que a Constituição remete em vários lugares para a lei ... ".

    Ora, prevendo a dimensão normativa em análise (art. 1793.º n.º 1 do C.Civil) uma transferência do direito de uso e fruição da propriedade do imóvel (casa de morada de família) propriedade do requerido para o domínio da requerente, dando-a de arrendamento, tendo em vista garantir e proteger outros tantos direitos fundamentais dos cidadãos como a constituição e protecção da família e garantia do direito à habitação, conclui-se que essa dimensão normativa não viola qualquer daqueles preceitos constitucionais, designadamente, o art. 62.º da C.R.P., antes se articula numa perspectiva de proteger todos aqueles direitos merecedores de tutela constitucional.

    Por tudo quanto se deixou dito, a norma do art. 1793.º do C.Civil, embora excepcional, porque contraria o princípio geral de liberdade contratual – como refere Pinto Furtado, in Arrendamentos Vinculísticos, 1984, pág. 38, "... o arrendamento previsto neste artigo não reveste a natureza jurídica de contrato sendo de caracterizar como um arrendamento judicial, um acto judicial..." - não é inconstitucional, como sustenta o apelante, uma vez que não viola as referidas normas-disposição (sejam elas imediatamente preceptivas sejam programáticas) nem os princípios constitucionais, sejam eles expressos (normas-princípio) sejam eles apenas implícitos.

    (…).”

    Na sequência de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que não foi admitido, o recorrente interpôs o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional – LTC), para apreciação do artigo 1793.º, n.º 1 do Código Civil, na medida em que permite que o tribunal dê de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quando esta seja bem próprio do outro face à protecção constitucional do direito de propriedade constante do artigo 62.º da Lei Fundamental.

  2. Notificadas as partes para alegações, o recorrente concluiu nos seguintes termos:

    “Conclusões:

  3. A disposição, contida no n.º 1 do art.º 1793.ºdo CC, na parte em que possibilita ao juiz decretar a constituição de uma relação arrendatícia, a favor de um dos cônjuges, quando a casa de morada de família seja um bem próprio do outro cônjuge, desde que essa constituição seja contra a vontade deste, é inconstitucional, por violação do art.º 62.º da CRP, na medida, designadamente, em que tolhe o direito de propriedade, nas suas dimensões de direito de uso e fruição.

  4. Mesmo que se entenda que a criação da solução legislativa, constante do n.º 1 do art.º 1793º do CC, na parte aqui questionada, se configura como uma resposta do legislador ordinário à imposição constitucional do art.º 65º da CRP, não se pode aceitar que, a pretexto de promover o seu cumprimento, em vez de ser indutor ou promotor de habitação...

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