Acórdão nº 187/13 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução05 de Abril de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 187/2013

Processo n.º 2/2013, 5/2013, 8/2013 e 11/2013

Plenário

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

.

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I – Relatório

  1. Pedido formulado no processo n.º 2/2013

    No âmbito do processo n.º 2/2013, foi pedida, pelo Presidente da República, a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade:

    a) Das normas constantes dos n.ºs 1 a 9 do artigo 29.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro de 2012 (Lei do Orçamento do Estado para 2013, adiante LOE2013), e, a título consequente, das restantes normas constantes do mesmo preceito, por eventual violação, no plano tributário, do princípio da igualdade na sua dimensão de proporcionalidade, resultante da conjugação das disposições normativas do artigo 13.º e do n.º 1 do artigo 104.º com a norma do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa República (CRP);

    b) Das normas constantes dos números 1 e 2 e, a título consequencial, das restantes normas do artigo 77.° da mesma lei, por violação, no plano tributário, do princípio da igualdade na sua dimensão de proporcionalidade (artigos 13.º e 104.º, n.º 1, conjugados com o artigo 18.º, n.º 2, da CRP) e por violação do princípio da proteção da confiança, contido no artigo 2.º da CRP;

    c) Das normas constantes dos n.ºs 1, 2, 3 e 4 do artigo 78.º da mesma lei e, a título consequente, das restantes normas do mesmo artigo, com fundamento na violação do princípio da unidade do imposto sobre o rendimento pessoal, (artigo 104.º, n.º 1, da CRP), dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (artigo 104.º, n.º 1, conjugado com os artigos 13.º e 18.º, n.º 2, da CRP), do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da CRP), do direito a uma sobrevivência com um mínimo de qualidade (artigos 1.º e 63.º, n.ºs 1 e 3, da CRP) e do núcleo essencial de direitos patrimoniais de propriedade, na sua dimensão “societário-pensionista”, garantidos pelo n.º 1 do artigo 62.º, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º, ambos da CRP.

    É a seguinte a fundamentação do pedido:

    “1º

    As normas que são objeto do presente pedido de fiscalização da constitucionalidade constam da Lei da Assembleia da República que aprova o Orçamento de Estado para 2013 e suscitam as dúvidas de constitucionalidade que se passa seguidamente a mencionar.

    I - Suspensão do subsídio de férias aos trabalhadores ativos do setor público

    1. O artigo 29° da Lei indicada dispõe o seguinte:

      Artigo 29.º

      Suspensão do pagamento de subsídio de férias ou equivalente

      1- Durante a vigência do PAEF, como medida excecional de estabilidade orçamental é suspenso o pagamento do subsídio de férias ou quaisquer prestações correspondentes ao 14.º mês às pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 27.º cuja remuneração base mensal seja superior a €1100.

      2- As pessoas a que se refere o n. º 9 do artigo 27.º cuja remuneração base mensal seja igual ou superior a €600 e não exceda o valor de €1 100 ficam sujeitas a uma redução no subsídio de férias ou nas prestações correspondentes ao 14. o mês, auferindo o montante calculado nos seguintes termos: subsídio/prestações = 1320 - 1,2 x remuneração base mensal.

      3- O disposto nos números anteriores abrange todas as prestações, independentemente da sua designação formal, que, direta ou indiretamente, se reconduzam ao pagamento do subsídio de férias a que se referem aqueles números, designadamente a título de adicionais à remuneração mensal.

      4- O disposto nos n.ºs 1 e 2 abrange ainda os contratos de prestação de serviços celebrados com pessoas singulares ou coletivas, na modalidade de avença, com pagamentos mensais ao longo do ano, acrescidos de duas prestações de igual montante.

      5- O disposto no presente artigo aplica-se após terem sido efetuadas as reduções remuneratórias previstas no artigo 27. º bem como as constantes do artigo 31.º

      6- O disposto nos números anteriores aplica-se ao subsídio de férias que as pessoas abrangidas teriam direito a receber, incluindo pagamentos de proporcionais por cessação ou suspensão da relação jurídica de emprego.

      7- O disposto nos números anteriores aplica-se igualmente ao pessoal na reserva ou equiparado, quer esteja em efetividade de funções quer esteja fora de efetividade.

      8- O Banco de Portugal, no quadro das garantias de independência estabelecidas nos tratados que regem a União Europeia, toma em conta o esforço de contenção global de custos no setor público refletido na presente lei, ficando habilitado pelo presente artigo a decidir, em alternativa a medidas de efeito equivalente já decididas, suspender o pagamento do subsídio de férias ou quaisquer prestações correspondentes ao 14.º mês aos seus trabalhadores durante o ano de 2013, em derrogação das obrigações decorrentes da lei laboral e dos instrumentos de regulamentação coletiva relevantes.

      9- O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa e excecional, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos. "

    2. Cumpre assinalar que as normas contidas nos números 1 e 2 do artigo 29º:

      a) Se aplicam, por força da remissão feita para a norma do n° 9 do artigo 27° do mesmo diploma, quer a titulares de órgãos de soberania e pessoas que desempenhem cargos públicos nos diversos setores da Administração, quer a trabalhadores com qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público, sendo todos eles, para os efeitos deste requerimento, designados por trabalhadores ativos do setor público;

      b) Na medida em que determinam a suspensão do subsídio de férias ou de quaisquer prestações correspondentes ao 14° mês aos referidos trabalhadores, mantêm uma medida equivalente à que constava das normas do artigo 21° da Lei do Orçamento de Estado para 2012(1), importando, todavia, assinalar uma diferença entre os dois regimes: enquanto as duas disposições impugnadas neste requerimento determinam, apenas, a suspensão do 14° mês, já as normas do artigo 21° do Orçamento de Estado de 2012 impunham cumulativamente com idêntica medida, também a suspensão do 13° mês (subsídio de Natal).

    3. Importa recordar, como premissa pré-compreensiva da presente argumentação, o contexto jurídico que envolveu por parte do Tribunal Constitucional, com os fundamentos constantes o Acórdão n° 353/2012, a declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do artigo 21° e também do artigo 25° da Lei n.º 64-B/2011 que aprovou o Orçamento do Estado para 2012.

    4. O Tribunal Constitucional apreciou, então, a suscitação de um problema de constitucionalidade fundado na repartição desigual de encargos públicos com o equilíbrio financeiro do Estado entre, por um lado, trabalhadores ativos do setor público (artigo 21°) e reformados e pensionistas (artigo 25°), a quem foi determinada a suspensão dos subsídios de férias e de Natal e, por outro, os trabalhadores ativos do setor privado, a quem não foi exigido um sacrifício idêntico.

    5. O Tribunal, no aresto mencionado no n.º 4 deste requerimento e de, algum modo, na linha do Ac. n° 396/2011, admitiu como legítima alguma diferenciação entre "quem recebe por verbas públicas e quem atua no setor privado da economia, não se podendo considerar, no atual contexto económico e financeiro, injustificadamente discriminatória qualquer medida de redução de rendimento dirigida apenas aos primeiros".

    6. Contudo, o mesmo órgão não deixou de considerar que a liberdade do legislador em recorrer ao corte de remunerações e pensões que auferem por verbas públicas, tendo em vista atingir o equilíbrio orçamental, não seria ilimitada, pelo que "a diferença entre o grau de sacrifício para aqueles que são atingidos por esta medida e para os que não são não pode deixar de ter limites", importando ter em conta que "a dimensão da desigualdade do tratamento tem de ser proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não podendo revelar-se excessiva ".

    7. Atenta a fundamentação exposta, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade das normas do artigo 21 ° e do artigo 25° da Lei do Orçamento para 2012, com fundamento na violação do princípio da igualdade, conjugado com o princípio da proporcionalidade, tendo-o feito nos seguintes termos:

      “A diferença de tratamento é de tal modo acentuada e significativa que as razões de eficácia da medida adotada na prossecução do objetivo da redução do défice público para os valores apontados nos memorandos de entendimento não tem uma valia suficiente para justificar a dimensão de tal diferença, tanto mais que poderia configurar-se o recurso a soluções alternativas para a diminuição do défice quer do lado da despesa ( .. .) quer do lado da receita (. .. ). Daí que seja evidente que o diferente tratamento imposto a quem aufere remunerações e pensões por verbas públicas ultrapassa os limites da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional”.

    8. O artigo 29° da Lei que é objeto do presente pedido de fiscalização de constitucionalidade, em articulação com outras disposições de natureza fiscal em sede de IRS constantes do mesmo diploma, mantém um tratamento tributário diferenciado para certas categorias de cidadãos, como os trabalhadores do setor público, do qual resulta um esforço acrescido face àquele que é exigido aos restantes trabalhadores no ativo.

    9. Sucede que, em matéria fiscal, o critério de diferenciação constitucionalmente admitido na tributação do rendimento pessoal é o critério da capacidade contributiva (n.º 1 do artigo 104° da Constituição), o qual corporiza operativamente o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos entre os cidadãos, não podendo a aplicabilidade do mesmo critério cingir-se aos impostos, já que se impõe a quaisquer tributos de caráter parafiscal, em nome dos princípios constitucionais da universalidade e da igualdade, bem como do princípio da prevalência da substância...

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