Acórdão nº 69/14 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução21 de Janeiro de 2014
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 69/2014

Processo n.º 407/13

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente o Ministério Público e são recorridos A. e B., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).

  2. Os ora recorridos requereram a sua declaração de insolvência, apresentando um plano de pagamentos.

    Proferido despacho liminar e organizado o apenso do incidente de aprovação do plano de pagamentos, procedeu-se à notificação dos credores nos termos do artigo 256.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de março.

    Na sequência das respostas oferecidas, os devedores apresentaram novo plano de pagamentos, com valores corrigidos. Não tendo este plano sido aprovado por unanimidade, requereram o suprimento do consentimento dos credores oponentes o que viria a ser indeferido por decisão de 7 de janeiro de 2013 que, em consequência, rejeitou a homologação do plano apresentado. Interposto recurso, que não foi admitido, reclamaram os devedores para o Tribunal da Relação. Por decisão de 24 de abril (a decisão aqui recorrida), considerando-se inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 13.º e 20.º da Constituição, a norma do artigo 258.º, n.º 4 do CIRE (que estipula a irrecorribilidade da decisão que indefere o pedido de suprimento da aprovação de qualquer credor), foi recusada a sua aplicação e deferida a reclamação.

    É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade.

  3. Notificadas as partes, viriam ambas alegar, apresentando o recorrente as seguintes conclusões (fls. 81 a 82):

    1. A finalidade única do processo de insolvência é a satisfação dos credores, que pode ser alcançada pela forma prevista nos artigos 251.º e 257.º do CIRE, ou seja, com a presentação e aprovação de um plano de pagamentos.

    2. A decisão que defere o pedido de suprimento do consentimento dos credores oponentes ao plano de pagamento e consequentemente o homologa, coloca aqueles credores numa posição processual diferente daquela em que é colocado o devedor, apresentador do plano, perante uma decisão de indeferimento do pedido e a sua não homologação.

    3. Essa diferença justifica que, no primeiro caso, seja admissível recurso da decisão por parte daqueles credores e que, no segundo, não o seja, por parte dos devedores.

    4. A não homologação do plano, tem como consequência que o processo de insolvência – que tem natureza urgente – prossiga a sua normal tramitação, gozando o devedor de todos os direitos ali consignados, designadamente o de recorrer da decisão que declara a insolvência.

    5. Assim, a norma do n.º 4 do artigo 258.º do CIRE enquanto estabelece que não cabe recurso da decisão que indefere o pedido de suprimento da aprovação de qualquer credor, não viola o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição) nem o direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º da Constituição), não sendo, por isso, inconstitucional.

    6. Termos em que deverá conceder-se provimento ao recurso

    .

  4. Por sua vez, os recorridos apresentaram as seguintes conclusões (fls. 90-93):

    A. Determina o artigo 258.º, n.º 4, do CIRE que: “Não cabe recurso da decisão que indefira o pedido de suprimento da aprovação de qualquer credor.”

    B. Ora, a decisão de não suprir a aprovação de credores pode implicar o “desmoronar” da vida dos Recorrentes porque está em causa uma decisão que influirá necessariamente sobre a sua capacidade jurídica que ficará naturalmente limitada, para além de que implicará forçosa e necessariamente a liquidação de todo o seu ativo.

    C. A irrecorribilidade da decisão de não suprimento da aprovação dos credores configura uma norma cujo teor é manifestamente inconstitucional, por violar os artigos 13.º, 18.º e 20.º, da Constituição da República Portuguesa, ao contrário do que defende o Ministério Público.

    D. O indeferimento do pedido de suprimento da aprovação pelos credores, do plano de pagamentos tem, como efeito obrigatório, a declaração de insolvência dos Recorridos na plenitude dos seus termos, conforme previsto nos artigos 262.º, 36.º e/ou 39.º, do CIRE e não a constante do artigo 259.º, n.º 1, do mesmo Código, cujos efeitos e consequências são totalmente distintos.

    E. Acresce que, contrariamente aos efeitos limitados da declaração de insolvência prevista no artigo 259.º, n.º 1 do CIRE, a declaração na plenitude do artigo 36.º, do CIRE implica a publicidade e registo nos assentos de nascimento de cada um dos Recorridos, conforme prevê o artigo 38.º, n.º 2, al. a), do CIRE,

    F. Ou seja, podemos declarar que o Estado e os Interesses Imateriais dos Recorridos são fortemente alterados.

    G. Ou seja, discordando frontalmente da posição assumida pelo Ministério Publico, o que está em causa é muito mais profundo e relevante do que simplesmente, e recorrendo às palavras do Ministério Público “(…) apenas tem como consequência que o processo de insolvência deve continuar a sua normal tramitação.”

    H. O facto de o processo seguir os termos normais de um processo de insolvência, acarreta consequências devastadoras para os Recorridos, que vão assistir à privação de administração dos seus bens, à apreensão e consequente liquidação do seu ativo, para além de assistirem à publicidade e registo nos assentos de nascimento de cada um dos Recorridos, da sua situação de insolvência.

    I. Ainda no seguimento das alegações de recurso apresentadas pelo Ministério Público, não podem os recorridos deixar de discordar frontalmente com a tese perfilhada quando ao “grau de recurso” expandida em tais alegações.

    J. A tese defendida pelo Ministério Público de que sempre podem os Recorridos recorrer, na sentença de declaração de insolvência, da não homologação do plano de pagamentos, estando, assim, garantido, um grau de recurso, não encontra qualquer apoio na letra da lei – antes pelo contrário face ao que dispõe o artigo 258.º n.º 4 do CIRE, nem tão pouco no seu espírito.

    K. Ora, parece evidente que o recurso da sentença de declaração de insolvência não é o local próprio para a interposição de recurso da não homologação do plano de pagamentos.

    L. E, mesmo que se admitisse, por mero raciocínio académico, tal eventualidade, NUNCA tal recurso poderia incidir sobre o indeferimento do pedido de suprimento, pois tal análise estaria sempre coartada pelo disposto no artigo 258.º n.º 4 do CIRE.

    M. Deve ser sempre assegurado um grau de recurso em todas as decisões que não se perfilhem como de mero expediente, como é o caso “sub judice”, para além de que na situação expressa no artigo 259.º n.º 3, do CIRE, está prevista a possibilidade de interposição de recurso da sentença homologatória do plano de pagamentos por parte de credores e independentemente do seu valor,

    N. Facto que configura uma manifesta violação do princípio da igualdade, pois, por um lado não é permitido aos devedores recorrer da decisão de não suprimento da aprovação dos credores que fará desmoronar o “modus vivendo” do seu agregado familiar, com todos os traumas daí decorrentes e que na pratica significa a não homologação do plano de pagamentos por si apresentado,

    O. Ora, com o devido respeito, a desigualdade é patente, estando assim o artigo 258.º, n.º 4, do CIRE, ferido de manifesta inconstitucionalidade.

    P. Com efeito, ponderados os valores que se encontram em causa, por um lado a VIDA e o “modus vivendi” de um agregado familiar com filhos menores e, por outro lado, um mero crédito reclamado a ser ou não ressarcido, não se entende e não se pode aceitar, à luz da mais elementar noção de Justiça, a disparidade de tratamento entre Devedores e os credores.

    Q. Assim sendo, forçoso será concluir que não é constitucionalmente tolerável que o legislador ordinário elimine simplesmente a possibilidade de recurso no caso em apreço!

    R. No sentido da inconstitucionalidade da não possibilidade de recurso já esse Tribunal se pronunciou num Acórdão proferido com o n.º 360/05, que determinou que o legislador tem de assegurar sempre a todos, sem discriminações de ordem económica, o acesso a um grau de jurisdição.

    S. Mas, se a lei previr que o acesso à via judiciária se faça em mais que um grau, tem o legislador que abrir a todos também essas vias judiciárias, garantindo que o acesso a elas se faça em qualquer discriminação, conforme decorre do Acórdão desse mesmo Tribunal, proferido em 23 de maio de 1990, com o n.º 163/90.

    T. Acrescenta, ainda esse Tribunal Constitucional, em Acórdão proferido em 6 de abril de 1999, com o n.º 202/99, que a margem de discricionariedade que o legislador ordinário tem, contudo, como limite a não consagração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material, de forma a assegurar a manutenção do princípio da igualdade.

    U. Finalmente, a disparidade de tratamento, supra exposta, viola frontalmente o artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa quando esta refere que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.

    V. De igual forma, tem-se por violado o disposto no artigo 18.º, n.º 2 do Diploma Fundamental quando este dispõe que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

    W. E, finalmente, encontram-se violados os n.ºs 4 e 5, do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa quando enunciam que “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” e que “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade...

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