Acórdão nº 145/14 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução13 de Fevereiro de 2014
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 145/2014[1]

Processo n.º 521/2013

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

1. A. deduziu perante a Administração Fiscal um pedido de prova do preço efetivo na transmissão de imóvel, nos termos previstos no artigo 129º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), sem instruir o requerimento com os documentos de autorização para acesso à informação bancária do requerente a que se refere o n.º 6 desse preceito.

Tendo sido indeferido o pedido por falta de junção dos documentos de autorização, o requerente intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal ação administrativa especial visando a anulação do ato de indeferimento, a qual foi julgada totalmente improcedente por sentença de 3 de julho de 2012.

Dessa decisão, o impugnante interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul, invocando que o ato da Administração Fiscal, que indeferiu liminarmente o pedido de demonstração do preço efetivo de venda de imóvel por não ter sido previamente apresentada a autorização para a Administração aceder à informação bancária, viola o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, o direito à tutela jurisdicional efetiva, bem como o princípio da proporcionalidade, e, assim, as disposições constantes dos artigos 2º, 18º, 20º, n.ºs 1 e 4, 266º e 268º, n.º 4, da Constituição.

O Tribunal Central Administrativo do Sul, por decisão de 21 de maio de 2013, negou provimento ao recurso, afastando todas as arguidas inconstitucionalidades, pelo o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, delimitando o objeto do recurso por referência aos n.ºs 6 e 7 do artigo 139º do CIRC (preceito que corresponde ao citado artigo 129º após a renumeração efetuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho).

Tendo o recurso prosseguido para apreciação de mérito, o recorrente apresentou alegações formulando a final as seguintes conclusões:

I - O sigilo bancário recai no âmbito de proteção do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada previsto no n.º 1 do artigo 26.º da CRP.

II - Sendo certo que se podem admitir restrições a esse direito por razões de salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, designadamente a obtenção de receitas necessárias à prossecução do interesse público;

III - Terão de ser consagrados mecanismos que acautelem os interesses pela tutela constitucional da privacidade.

IV - O n.º 6 e o n.º 7 do artigo 139.º do CIRC pressupõem a perda da reserva da privacidade do banco, dos seus administradores e, por consequência, dos seus milhares de clientes, como condição sine qua non para o exercício procedimental e processual do direito à prova do seu rendimento real;

V - Tal pressuposto atenta de forma injustificada e desproporcionada contra (i) o direito à tutela da reserva da vida privada, contra (ii) o direito à tutela jurisdicional efetiva, bem como, contra (iii) o direito à tributação pelo rendimento real – todos direitos constitucionalmente protegidos;

VI - Para além de que, sublinha-se, tal exigência é desadequada e desproporcionada em relação ao desiderato que visa alcançar;

VII - Existem outros meios de prova, menos lesivos para os direitos fundamentais do contribuinte, adequados à demonstração do preço efetivo de venda dos imóveis;

VIII - Em suma, a derrogação do sigilo bancário nos moldes previstos no n.º 6 do artigo 139.º, ao constituir uma condição prejudicial do acesso ao direito de produção de prova nele previsto e da impugnação da respetiva liquidação, constitui uma violação injustificada da reserva da intimidade da vida privada, uma restrição ao exercício efetivo do direito de acesso à justiça desajustada e desproporcionada, na medida em que é extremamente abrangente e ampla e, consequentemente, uma violação do direito à tributação pelo lucro real.

A Fazenda Pública contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

  1. O objeto do presente recurso passa por analisar e decidir a constitucionalidade do artigo 139° n° 6 do CIRC.

  2. A delimitação do âmbito do direito à intimidade da vida privada é uma questão bastante controversa, quer no plano jurisprudencial, quer no plano doutrinal.

  3. De qualquer modo, a conclusão que se impõe face à doutrina e jurisprudência predominantes é a de que o sigilo bancário não recai no âmbito de proteção do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, previsto no artigo 26.° da CRP, na medida em que não atinge o âmago, a essência, da reserva da intimidade da vida privada, podendo apenas pôr eventualmente em causa a privacidade dos contribuintes, não a sua intimidade.

  4. Ora, não constituindo o segredo bancário um valor absoluto, nem sequer estando diretamente englobado no que é nuclear à reserva da intimidade da vida privada e familiar, o mesmo terá de ceder, sempre que isso seja necessário para acautelar outros valores de hierarquia mais elevada, de harmonia com o princípio da prevalência do interesse preponderante.

  5. E como refere o ora Recorrente nas suas conclusões do recurso Sendo certo que se podem admitir restrições a esse direito por razões de salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, designadamente a obtenção de receitas necessárias à prossecução do interesse público

    56. Aliás, O próprio Acórdão referido pelo Recorrente na sua petição de recurso (a saber, o Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n° 442/2007, de 14/08/2007, refere que (vide ponto 16.3 do acórdão) o segredo bancário localiza-se fora da esfera mais estrita da vida pessoal, e ainda que compreendido no âmbito de proteção, ocupa uma zona de periferia, pelo que a sua quebra por iniciativa da Administração tributária representa uma lesão diminuta do bem protegido.

  6. Assim, o n° 6 do artigo 139° do CIRC poderá eventualmente pôr em causa a privacidade do banco e dos seus administradores, mas, contrariamente ao invocado pelo ora Recorrente, jamais a dos seus clientes.

  7. pois, naturalmente, o acesso à informação bancária dos clientes do Recorrente em nada contribuiria para se chegar a uma conclusão quanto ao preço porque o Recorrente efetivamente alienou um imóvel (quanto muito interessariam as contas dos adquirentes desses imóveis).

  8. Na verdade, as contas dos clientes da sociedade aqui Recorrente, não estão de modo algum aqui em causa, pois a atividade que o Recorrente exerce é completamente irrelevante para estes efeitos, na medida em que, tal como qualquer outra sociedade, com um qualquer ramo de atividade, que compre ou aliene um imóvel, o Recorrente com certeza tem contabilidade e tem contas bancárias de onde sai o dinheiro para as suas compras e entra o dinheiro das suas vendas.

    l) Relativamente à pretensa violação do direito à tutela jurisdicional...

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