Acórdão nº 857/13 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelCons. José Cunha Barbosa
Data da Resolução17 de Dezembro de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 857/2013

Processo n.º 991/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A., Lda., melhor identificada nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.

    2. A reclamação para a conferência tem o seguinte teor:

      (...)

      Na decisão sumária ora notificada, este Alto Tribunal decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso, porquanto:

      (i) por um lado, a Recorrente «não deu cabal cumprimento ao ónus de suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade», na medida em que «não se entende se o objeto da controvérsia suscitada nos autos se prende com a interpretação sufragada pelo STA quanto ao caráter discricionário do reenvio prejudicial, ou antes com o ato jurisdicional propriamente dito, isto é, com a decisão de não operar o reenvio in casu.»;

      (ii) por outro lado, «a questão de constitucionalidade não foi arguida durante o processo».

      - cf. páginas 6 e 7 da Decisão Sumária proferida nos autos

      Vejamos,

      No modesto entendimento da Recorrente, a eventual deficiência relativa à cabal identificação da específica dimensão normativa que, extraída do artigo 267.º do TFUE, estaria em desconformidade com a Constituição - devida, porventura, a uma fortuita inabilidade de explanação da Recorrente no seu requerimento de recurso -, configura uma imperfeição que vem a ser suscetível de suprimento.

      Na verdade, através de um convite ao esclarecimento, formulado no âmbito de um princípio de colaboração recíprocos e respeito pelo princípio de acesso aos tribunais e justiça, poderia a Recorrente aclarar a dúvida que assomou este Alto Tribunal perante o requerimento de recurso: se a questão suscitada se prendia com a interpretação sufragada pelo STA quanto ao caráter discricionário do reenvio prejudicial ou antes com o ato jurisdicional propriamente dito, isto é, com a decisão de não operar o reenvio in casu.

      Sendo certo que, conforme a Recorrente tem presente, não compete a este Alto Tribunal apreciar se o Tribunal a quo decidiu erradamente ao não proceder ao reenvio, face à realidade processual e ao direito da União Europeia. Apenas lhe caberá apreciar a inconstitucionalidade da norma de que aquele Tribunal fez aplicação para assim decidir, como é o caso.

      Como facilmente se aceitará, a eventual inabilidade de explanação no requerimento da Recorrente, que conduziu a duas interpretações possíveis por este Alto Tribunal quanto à específica dimensão normativa que está em desconformidade com a Constituição, é facilmente suprível pelo esclarecimento, por parte da mesma Recorrente, de qual das questões se encontrava a suscitar perante este Alto Tribunal.

      Como tal, quanto a este ponto, sempre se imporia a formulação de um convite ao esclarecimento à Recorrente, considerando tratar-se, manifestamente, de uma eventual imperfeição do requerimento de recurso passível - de forma extremamente simples - de sanação.

      Ora, não tendo sido efetuado semelhante convite ao esclarecimento, sempre a Decisão Sumária - ao considerar que do requerimento de recurso resultam possíveis duas interpretações quanto à específica dimensão normativa que está em desconformidade com a Constituição, sem, contudo, notificar a Recorrente para um esclarecimento de qual dessas duas interpretações se referia –, omitiu um passo processual que se impunha ao abrigo do princípio de acesso aos tribunais e justiça e de colaboração recíprocos.

      Por outro lado,

      A questão de inconstitucionalidade colocou-se nos presentes autos em virtude da interpretação que foi feita pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no seu aresto, sobre a necessidade de pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) quanto ao âmbito da obrigação de notificação prévia prevista no artigo 108.º, n.º 3, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

      Relembre-se que, nos termos do disposto no artigo 267.º do TFUE, o reenvio prejudicial só é obrigatório para o Tribunal superior (ou seja, para o Tribunal cuja decisão não é suscetível de recurso judicial previsto no direito interno).

      Logo, é perante o respetivo não cumprimento do dever de reenvio, através de uma interpretação/aplicação do disposto no artigo 267.º do TFUE manifestamente inconstitucional, que vem invocada pela Recorrente semelhante inconstitucionalidade,

      Que, pela sua própria natureza – por contrariar frontalmente o princípio do juiz legal/natural consagrado nos artigos 216.º, n.º 1 e 217.º, n.º 3, da Constituição e o disposto nos n.ºs 1 a 4 do artigo 8.º da Constituição -, era tudo menos expectável, não sendo exigível à Recorrente que levantasse em momento anterior essa questão de inconstitucionalidade.

      De todo o modo,

      A verdade é que a inconstitucionalidade da interpretação em causa foi suscitada na peça processual de arguição de nulidades do Acórdão proferido pelo STA, a fls.. dos autos,

      Requerimento que pela sua própria natureza – relembre-se, arguição de nulidade do Acórdão proferido pela última instância -, só aquele Tribunal dispunha ainda de poder jurisdicional para apreciar e decidir.

      Com efeito, ainda era jurisdicionalmente possível ao Tribunal, após a prolação da decisão final, pronunciar-se sobre as nulidades arguidas e, consequentemente, sobre a inconstitucionalidade apontada in casu – aliás, como o STA veio a fazer nos autos, com a prolação do Acórdão de 2 de julho de 2013.

      Se, na verdade, o poder jurisdicional do STA quanto a essa questão da inconstitucionalidade da interpretação/aplicação que fez do disposto no artigo 267.º, n.º 3, do TFUE, se tivesse esgotado com a prolação da decisão final, não poderia o mesmo Tribunal ter-se sobre a mesma pronunciado,

      O que – repita-se - não sucedeu no caso, tendo o STA apreciado, com efeito, a inconstitucionalidade invocada, reexaminando essa questão e fundamentado a sua interpretação do disposto no artigo 267.º, n.º 3, do TFUE,

      Interpretação cuja inconstitucionalidade foi, assim, tempestivamente, suscitada durante o processo pela Recorrente e que motivou, ainda, um reexame dessa questão e uma apreciação por parte do Tribunal Superior que a havia consagrado.

      Razão pela qual se encontra cumprido, in casu, o exigente critério de suscitação tempestiva da questão de inconstitucionalidade.

      Note-se, por fim, que o alcance da obrigação de notificação prévia previsto no atual artigo 108.º, n.º 3, do TFUE, e não abrangência da medida parafiscal em causa nos autos por essa obrigação, vem a ser o parâmetro da decisão proferida pelo STA,

      Não tendo esse Tribunal, no entanto, procedido à interpretação correta da referida obrigação (inclusivamente perante a decisão da Comissão de iniciar um procedimento de averiguações de auxílio estatal ilegal), nem permitindo que a instância autorizada em último grau a proceder à interpretação do direito da União Europeia o fizesse.

      Desta forma, no caso em apreço, é manifesto...

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