Acórdão nº 341/13 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução17 de Junho de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 341/2013

Processo n.º 15/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Por sentença de 2 de maio de 2011, proferida no processo n.º 153/09.2PHSNT, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, foi o arguido A. condenado pela prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de abuso de confiança, previsto e previsto pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), e 202.º, alínea a), do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão, e de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), e 202.º, alínea b), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão.

Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 14 de fevereiro de 2012, julgou o recurso parcialmente procedente e determinou a suspensão da pena única de prisão aplicada ao arguido, pelo período de 2 anos e 6 meses, na condição de nesse prazo este efetuar o pagamento de metade das importâncias em capital fixadas na sentença a título indemnizatório aos respetivos demandantes, desse facto fazendo prova nos autos.

No entanto, o arguido havia sido já condenado, no processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, n.º 67/08.3JAFAR, do Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, por acórdão de 10 de dezembro de 2010, pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão; de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e previsto pelo artigo 205.º n.ºs 1 e 4, alínea b), do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão; de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão; de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 17 meses de prisão; de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão; e, em cúmulo jurídico dessas penas singulares, na pena conjunta de 10 anos e 6 meses de prisão.

Tendo o arguido recorrido deste acórdão para o Tribunal da Relação de Évora, este Tribunal, por acórdão de 21 de junho de 2011, negou total provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Recorreu então o arguido para o Supremo Tribuna de Justiça que, por acórdão de 3 de novembro de 2011, concedeu parcial provimento ao recurso quanto à questão da medida da pena única do concurso de crimes, condenando o arguido, em cúmulo jurídico das penas singulares aplicadas, na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão, revogando, nesta parte, a decisão recorrida.

O 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, por acórdão de 28 de junho de 2012, veio a proceder à efetivação do cúmulo jurídico das penas aplicadas no processo n.º 67/08.3JAFAR, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, e da pena aplicada no processo n.º 153/09.2PHSNT, que correu termos naquele juízo, tendo condenado o arguido na pena única de onze anos de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, onde, no parecer emitido ao abrigo do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público sustentou a inconstitucionalidade da interpretação normativa dos artigos 77.º e 78.º e do artigo 472.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, efetuada pela decisão recorrida.

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 21 de novembro de 2012, negou provimento ao recurso.

O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, em que requereu a fiscalização da constitucionalidade de uma determinada interpretação dos artigos 77.º, 78.º, e 56.º, n.º 1, do Código Penal, e 472.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Convidado a enunciar o conteúdo do critério normativo que era objeto do recurso, o Recorrente esclareceu que o mesmo se referia à possibilidade de, no concurso de conhecimento superveniente, se proceder à acumulação de penas de prisão efetivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostrasse revogada, sendo o resultado uma pena de prisão efetiva.

O Ministério Público apresentou as respetivas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – O princípio da intangibilidade do caso julgado – assente nos princípios da confiança e da segurança jurídicas – obsta a que possa ser objeto de reavaliação ou reponderação judicial a decisão, transitada em julgado, que condenou o arguido em pena suspensa, tendo este cumprido integralmente as condições de que dependia a suspensão, salvo se for demonstrada a prática de factos supervenientes enquadráveis no disposto no artigo 56º, nº 1, alínea b), do Código Penal, e que demonstrem a frustração das finalidades de prevenção e ressocialização do arguido, subjacentes ao “benefício” da suspensão da pena.

2 – A caducidade ou preclusão da suspensão da execução da pena, decretada exclusivamente em função da prática de factos ilícitos anteriores à sentença condenatória que outorgou ao arguido a suspensão da execução da pena privativa de liberdade, e com fundamento exclusivo na necessidade de proceder a cúmulo jurídico, traduz uma revogação “implícita” de tal benefício, de consequências estritamente análogas às previstas no artigo 56º do Código Penal, colidente, nessa medida, com a referida intangibilidade do caso julgado material, na parte em que é favorável ao arguido.

3 – A derrogação da suspensão da execução da pena, enquanto fundada em factos anteriores à sentença que outorgou a suspensão de execução de pena privativa de liberdade, revela-se, ainda, colidente com os princípios da proporcionalidade e da necessidade das penas criminais, ao determinar a preclusão do benefício da suspensão, sem que o comportamento ulterior do arguido o justifique minimamente.

4 – A derrogação da suspensão da execução da pena, enquanto fundada em factos anteriores à sentença que outorgou a suspensão de execução de pena privativa de liberdade, revela-se, finalmente, colidente com o princípio do contraditório, afrontando as garantias de defesa, no caso de o condenado não ser ouvido aquando da realização da audiência, a que se reporta o art. 472º do Código de Processo Penal, e em que se procede à efetivação do cúmulo jurídico e à determinação da consequente pena única, que lhe será aplicável.

5 – Termos em que deverá proceder o presente recurso de constitucionalidade.

O arguido não apresentou contra-alegações.

Fundamentação

  1. Da delimitação do objeto do recurso

    O objeto do recurso constitucional é definido, em primeiro lugar, pelos termos do requerimento de interposição de recurso. Tem sido entendimento constante do Tribunal Constitucional que, ao definir, no requerimento de interposição de recurso, a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende sindicar, o recorrente delimita, em termos irremediáveis e definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo consentida qualquer modificação ulterior, com exceção duma redução do pedido, nomeadamente, no âmbito da alegação que produza.

    O Recorrente, no requerimento de interposição de recurso corrigido, esclareceu que a interpretação dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, todos do Código Penal, e 472.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que pretendia ver fiscalizada era a de que num concurso de crimes de conhecimento superveniente, era possível proceder à acumulação de penas de prisão efetivas com penas de prisão suspensas na sua...

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