Acórdão nº 305/13 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Gomes
Data da Resolução29 de Maio de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 305/2013

Processo nº 26/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A. foi condenado, pelo Tribunal Judicial de Almada, na pena única de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, com um crime de violência doméstica.

      Recorreu da sentença condenatória para o Tribunal da Relação de Lisboa. Nesse tribunal, o magistrado do Ministério Público suscitou a questão prévia da intempestividade do recurso, o que foi acolhido pelo relator que rejeitou o recurso por "decisão sumária", com fundamento em que, tendo o arguido sido condenado também pela prática de um crime de violência doméstica, os prazos processuais correm em férias, nos termos das disposições conjugadas do art.º 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16/9, e do n.º 2 do art.º 103.º do Código de Processo Penal.

      O recorrente reclamou desta decisão, para a conferência, contrapondo que esse regime apenas se aplica ao crime de violência doméstica e não aos demais crimes em concurso, que sejam objeto do mesmo processo. Por acórdão de 12/9/2012, a reclamação foi desatendida, sendo confirmada a decisão do relator.

      O arguido interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça. Esse recurso não foi admitido, por despacho que considerou o acórdão insuscetível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 400.º do Código de Processo Penal.

    2. Tendo o arguido reclamado deste despacho, ao abrigo do art.º 405.º do Código de Processo Penal, o Vice Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu, em 21/12/2012, a seguinte decisão:

    3. O recurso interposto pelo arguido A. para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão condenatória contra ele proferida foi admitido na 1ª instância (fls. 547); o arguido foi notificado da decisão de admissão do recurso (fls. 556).

      O Ministério Público na Relação de Lisboa suscitou, no entanto, a questão prévia da intempestividade do recurso interposto (fls. 564 e 565).

      Na Relação foi proferida decisão sumária rejeitando por intempestivo o recurso interposto da decisão da 1ª instância.

      Notificado desta decisão, o arguido reclamou para a conferência.

      O acórdão recorrido, proferido em 12.09.2012, manteve a rejeição do recurso determinada na decisão sumária.

      Verifica-se, assim, através dos elementos do processo que ao arguido A. não foi concedida a possibilidade de exercer o contraditório prévio quanto à questão da intempestividade do recurso (fls. 478 a 569).

    4. O arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão que rejeitou o recurso por intempestivo, o recurso não foi, porém, admitido por despacho de 24.10.2012, nos termos do art. 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

      O recorrente reclama nos termos do art. 405.º do CPP, e na reclamação, além de transcrever a conclusões do recurso interposto para o STJ, invoca, em síntese, os seguintes fundamentos:

      - A decisão em causa é recorrível, ao abrigo do disposto nos arts. 400.º, n.º 1, alínea f) e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, tendo em conta que foi condenado em instância em pena superior a 8 anos e o acórdão da Relação ao rejeitar o recurso interposto, por extemporaneidade, acabou por confirmar essa decisão na medida em que não alterou a pena aí imposta.

      - O despacho reclamado ao não admitir o recurso ao abrigo do art. 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, viola as disposições conjugadas dos arts. 400.º, n.º 1, alínea f) e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP e arts. 32.º, n.º 1 e 205.º da CRP.

      - A dimensão normativa que se extrai da alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, quando estão em causa decisões de índole meramente adjetiva, como é o caso, em que o acórdão recorrido vai ditar o termo do processo, fazendo transitar em julgado a condenação da 1ª instância, colide com os arts. 20.º, n.º 1 e 32., n.º 1, da CRP.

      - Nessa medida, a interpretação do art. 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, segundo a qual não são suscetíveis de recurso para o STJ os acórdãos proferidos em recurso, pelas relações que versem sobre questões de direito processual penal é inconstitucional, por violação do art. 32.º, n.º 1, da CRP.

    5. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2012, de 6 de março de 2012, proferido em situação idêntica, decidiu «julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, interpretada no sentido de não haver recurso para o STJ do Acórdão da Relação que, sem prévio contraditório, considera intempestivo o recurso, admitido na 1ª instância, de decisão que condena o arguido em pena de prisão igual ou superior a oito anos de prisão».

      Deste modo, a norma da alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP foi objeto de julgamento de inconstitucionalidade na dimensão normativa em que não permite o exercício do «contraditório prévio» relativamente à decisão de rejeição do recurso.

    6. Há, assim, na circunstância, que interpretar a alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP conforme a Constituição, isto é, com a dimensão normativa que tenha implícita a possibilidade do exercício do contraditório prévio nos casos em que o recurso, admitido na 1.ª instância, foi rejeitado na Relação por intempestividade.

      Porém, no âmbito dos poderes de cognição do art. 405.º, do CPP, não cabe tirar consequências diretas da interpretação conforme à Constituição que se alinha com a jurisprudência do TC, uma vez que a dimensão normativa conforme a Constituição não tem o alcance de determinar a recorribilidade da decisão para o STJ, mas apenas, simplesmente, permitir que o recorrente exerça o contraditório antes da decisão de rejeição.

      Mas, sendo assim, o reclamante deveria ter recorrido para o TC da decisão de rejeição do recurso pela Relação.

      É que, mesmo interpretando a norma da alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP de acordo com a Constituição, e na dimensão normativa segundo o julgamento do TC, não cabe nos poderes de cognição previstos pelo art. 405.º do CPP, relativos exclusivamente à admissibilidade ou não do recurso, a pronúncia sobre a dimensão constitucional da omissão do contraditório prévio em relação à decisão de rejeição na Relação do recurso da 1.ª instância.

      Não tendo o reclamante utilizado o meio adequado — o recurso para o TC da decisão de rejeição - a reclamação tem de ser indeferida.

      Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça de 2 UC.

      Notifique.

    7. O arguido interpôs recurso deste despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei 28/82 de 25 de novembro (LTC).

      Tendo o recurso sido admitido e prosseguido para alegações, o recorrente concluiu da forma seguinte:

      I – As interpretações normativas, no nosso entender inconstitucionais, que se pretendem que sejam apreciadas por V. Exas. são:

      1. A interpretação feita tanto pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, bem como pelo Supremo Tribunal de Justiça, à norma constante do artigo 400.º número 1 alínea c) do Código de Processo Penal;

      2. A interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça à norma constante do artigo 405.º do Código Processo Penal.

      II – O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e o Supremo Tribunal de Justiça, interpretam a norma constante do artigo 400.º número 1 alínea c) do Código de Processo Penal, no sentido de serem irrecorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça os Acórdãos proferidos pelas Relações que não conheçam a final do objeto do processo, entendendo por isso que os Acórdãos das Relações que rejeitem os recursos por extemporâneos não conhecem a final do objeto do processo, e por conseguinte são irrecorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça.

      III - A dimensão normativa, que se extrai da alínea c) do número 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, em que quando está em causa a impugnação de decisões de índole meramente adjetiva, como é o caso, em que o acórdão recorrido vai ditar o termo do processo, fazendo transitar em julgado a condenação do Tribunal de Primeira Instância, colide com as garantias de defesa do recorrente, onde se inclui o direito ao recurso que lhe é garantido no artigo 32.º número 1 da Constituição da República Portuguesa, em conjugação com a garantia de acesso aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos conforme estabelecido no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

      IV – A interpretação do artigo 400.º número 1 alínea c) do Código de Processo Penal segundo a qual não são suscetíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que versem sobre questões de direito processual penal, é inconstitucional por violação do artigo 32.º número 1 da Constituição da República Portuguesa.

      V – Não são admissíveis, numa perspetiva dos direitos de defesa, as rejeições formais que limitem intoleravelmente, dificultem excessivamente, ou restringem desproporcionalmente tal direito, que é o presente caso, em que o recorrente que foi condenado a mais de 8 anos de prisão pelo Tribunal da Primeira Instância e por razões adjetivas, erradas e inconstitucionais, está a ver o seu direito ao recurso coartado, impedindo-o desta forma, que tal Decisão seja examinada por um Tribunal Superior...

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