Acórdão nº 739/13 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução23 de Outubro de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 739/2013

Processo n.º 232/2012

  1. Secção

Relatora Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

  1. Nos presentes autos, em que é recorrente Sociedade A., S.A. e recorrido B., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido pela 6ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, em 29 de fevereiro de 2012 (fls. 579 a 616), para que seja apreciada a inconstitucionalidade da norma extraída do “artigo 4.º do Código do Trabalho de 2003 como impedindo que o IRCT aplicável à relação laboral derrogue os artigos 103.º, n.º 1, alínea e) e 245.º, n.º 2 do Código do Trabalho (in casu, de 2003), é inconstitucional por violação do artigo 56.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa” (fls. 624).

    Segundo o requerimento do recurso de constitucionalidade (de fls. 623-625), pretende a recorrente, por referência àquela norma, ver apreciada “a interpretação da lei laboral no sentido de impedir que os IRCT´s possam derrogar lei laboral de conteúdo não imperativo (…)” (fls. 624).

  2. Tendo o recurso de constitucionalidade sido admitido por despacho do Tribunal recorrido (fls. 635) e prosseguido neste Tribunal, a recorrente apresentou alegações de recurso (a fls. 665-687), formulando as seguintes conclusões (fls. 683-687):

    CONCLUSÕES:

    (a) O IRCT aplicável às partes prevê que as funções de Chefe de Sala só possam ser exercidas ao abrigo de um regime de comissão de serviço, podendo tal recrutamento suceder sem necessidade de observância de forma escrita (única interpretação lógica possível do uso da expressão "livremente"), desde que exista prévio acordo do interessado, sendo assim que deveria ter sido interpretado e aplicado o disposto no artigo 4.º do Código do Trabalho de 2003. A matéria de facto provada, em especial o ponto 6.º, permite concluir o total respeito por esta disposição.

    (b) O artigo 4.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 permitia que as normas daquele Código pudessem ser afastadas por IRCT, desde que tais normas não fossem absolutamente imperativas por via de um afastamento expresso da possibilidade de intervenção da contratação coletiva presente nas próprias normas, conforme regista a nossa melhor doutrina constante das presentes alegações.

    (c) Os artigos 103.º, n.º 1, alínea e) e 245.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003 não são normas absolutamente imperativas, pois que delas não resulta expressamente essa característica, conforme decorre, por exemplo, do artigo 210.º do Código do Trabalho de 2003, sendo este o sentido com que deveria ter sido interpretado e aplicado o disposto no artigo 4.º do Código do Trabalho de 2003.

    (d) Sem prescindir, os artigos 103.º, n.º 1, alínea e) e 245.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003 não são também normas relativamente imperativas, pois que não constam do elenco taxativo do artigo 3.º, n.º 3 do Código do Trabalho de 2009, através do qual o legislador veio, por interpretação autêntica, definir quais são, para si, as disposições relativamente imperativas, aspeto que a doutrina vem realçando, conforme melhor demonstrado nas presentes alegações.

    (e) De resto, era o próprio Código do Trabalho de 2003 que permitia que o bem jurídico ''forma do contrato", in casu do contrato de trabalho a teimo, seja afastado quando o IRCT aplicável regula esta matéria (cfr. artigo 128.º de tal diploma), aspeto esse que passou no crivo do Tribunal Constitucional aquando do Acórdão n.º 306/2003, de 18 de julho.

    (f) Se se olhar para a ratio da existência da forma escrita, rapidamente se percebe que a mesma também é prosseguida pelo IRCT aplicável, na medida em que sendo a razão de ser do bem jurídico ''forma do contrato de comissão de serviço" indicar ao trabalhador contratado que o acordo feito reveste um instituto especial, transitório por natureza, tal objetivo foi plenamente transmitido seja pelo próprio IRCT seja pela Recorrente, conforme decorre do facto provado 6.º – mais ficando a posição do trabalhador salvaguardada pela existência de um acordo escrito qualificado, como é a própria convenção coletiva.

    (g) Recusar-se eficácia a cláusula de convenção coletiva onde a lei a consente é constranger de modo desproporcionado, desnecessário e inadequado o direito fundamental à livre contratação coletiva previsto no n.º 3 do artigo 56.º da Constituição;

    (h) Atribuir-se aos tribunais e não à lei o direito de fixar qual o âmbito de aplicação e intervenção da contratação coletiva é restringir a reserva da lei na fixação desse campo de aplicação, assim violando o disposto no n.º 4 do artigo 56.º da Constituição;

    (i) Assim, a interpretação do Tribunal a quo das normas vertidas no Código do Trabalho, mormente do artigo 4.º do Código do Trabalho de 2003 como impedindo que o IRCT aplicável à relação laboral derrogue os artigos 103.º, n.º 1, alínea e) e 245.º, n.º 2 do Código do Trabalho (in casu, de 2003) é inconstitucional, por violação do artigo 56.º, n.ºs 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

    (j) Ora, as decisões jurisdicionais a quo interpretam e aplicam os artigos acima analisados do Código do Trabalho de 2003 como cabendo aos tribunais do trabalho e não à lei a delimitação do âmbito de aplicação normativo da autonomia e liberdade de negociação e contratação coletiva, interpretação que é violadora do disposto no artigo 111.º da Constituição da República.

    (k) Concomitantemente, e sempre em termos puramente consequenciais face às inconstitucionalidades já assinaladas, a interpretação que se considera ferida de inconstitucionalidade confere aos tribunais o poder de criar atos normativos, o que afronta quer o disposto no artigo 112.º da Constituição, quer o seu artigo 203.º, pois que a elaboração de atos normativos cabe aos poderes legislativo e executivo, ficando para os Tribunais apenas a sua interpretação e aplicação.

    (l) Mais: deve assinalar-se que o artigo 4.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 é uma norma que restringe o direito fundamental de liberdade e autonomia de negociação e contratação coletiva, pelo que o seu âmbito deve ser forçosamente restrito e – passe-se a tautologia – restritivamente lido. Justamente ao contrário do que fizeram a sentença e Acórdão recorridos, que trataram de proceder a uma interpretação que, se não ab-rogante daquela norma laboral, é ao menos extensiva da sua dimensão constrangedora de direito fundamental – tudo em violação do disposto no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.

    (m) A decisão em crise constrangeu núcleo fundamental de um direito fundamental sem sequer o fazer em nome de outro direito fundamental o que fez numa interpretação casuística, sem as características da generalidade e abstração que o artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa sempre imporia.

    (n) A ser afirmada a inconstitucionalidade da interpretação que os Tribunais a quo fizeram do disposto nos artigos 4.º, 103.º, n.º 2, alínea e) e 245.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003, daí decorreria, necessariamente, um efeito útil, efetivo e favorável para a Recorrente. De facto, no "processo-base" teria de considerar-se validamente acordada comissão de serviço entre a A. e o R., à luz de preceito normativo constante de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e validamente cessado esse regime, com que desapareceriam as condenações: (i) Colocar o autor como chefe de sala por ilegal abaixamento da sua categoria profissional (por não se aceitar a validade e eficácia da cláusula do CCT aplicável); (ii) Consequentemente repor ao autor a retribuição correspondente à categoria de chefe de sala e que o mesmo auferia antes de lhe ter sido retirado o exercício de funções correspondentes a essa categoria;

    (o) A Recorrente suscitou a inconstitucionalidade aqui trazida à apreciação do Tribunal Constitucional logo que foi confrontada com a mesma – alegando-a...

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