Acórdão nº 6/09 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução13 de Janeiro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 6/2009 Processo n.º 938/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 15 de Dezembro de 2008, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.

1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte fundamentação:

“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 21 de Outubro de 2008, que negou provimento ao recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Abril de 2008, que, por seu turno, negara provimento ao recurso de apelação do despacho saneador-sentença da 11.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, de 5 de Novembro de 2007, que julgou totalmente improcedente a acção intentada contra o Estado, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização, por via de erro judiciário, no montante de € 10 879,40, a título de danos morais e patrimoniais, bem como por danos futuros.

De acordo com o requerimento de interposição de recurso, o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a «constitucionalidade das normas vertidas nos artigos 156.º, 467.º, 660.º e 666.º, n.º 2, do CPC, conjugadas com o artigo 169.º do CPA, artigo 27.º da LAJ e Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, na interpretação dada pelo Ac. do TRL e STJ, que julgaram a apelação e a revista, respectivamente, por violação dos artigos 20.º e 22.º da CRP e artigos 6.º, 7.º e 18.º da CEDH, cuja inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações de recurso para o STJ».

O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do STJ, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC) e, de facto, entende-se que o recurso em causa é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.

Tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.

Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que (utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição.»

3. No presente caso, o autor, ora recorrente, para fundamentar o pedido deduzido na acção, aduziu, em suma, que: (i) para efeitos de litigar judicialmente requereu benefício de apoio judiciário, o qual foi indeferido; (ii) mandatou um advogado para responder a tal decisão e, posteriormente, impugnou-a judicialmente, tendo tal impugnação improcedido; (iii) a resposta dada pelo seu advogado à decisão que indeferiu o pedido de apoio judiciário foi judicialmente tratada como se de uma impugnação judicial se tratasse, razão pela qual a verdadeira impugnação não foi apreciada por se ter considerado estar esgotado o poder jurisdicional; (iv) tal entendimento resultou de um clamoroso erro judiciário, pois nunca o requerimento de 27 de Abril de 2004 poderia ter sido entendido corno uma impugnação judicial; (v) tal erro impediu o acesso do autor à justiça.

No entanto, os factos que as instâncias deram por apurados foram os seguintes: 1) para efeitos de litigar judicialmente foi requerido pelo autor apoio judiciário; 2) tal pedido foi indeferido pelos fundamentos constantes da decisão de fls. 14; 3) o autor mandatou advogado para responder a tal decisão, tendo-o este último feito, a 27 de Abril de 2004, nos moldes do requerimento de fls. 15 e 15 verso; 4) a 7 de Maio de 2004, o autor apresentou no Centro Distrital de ISSS de Lisboa o requerimento constante de fls. 17 e seguintes, a que denominou de «impugnação judicial»; 5) no âmbito do Proc. n.º 3140/2004 do 2.º Juízo, 3.ª Secção, do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, para o qual havia sido pedido o benefício de apoio judiciário, foi proferido despacho, a 21 de Junho de 2006, o qual, tratando o requerimento referido em 3) como se de uma impugnação se tratasse, indeferiu o mesmo; 6) a 22 de Setembro de 2004 foi apresentado novo requerimento junto do Tribunal de Família e Menores, constante de fls. 31 e seguintes, e no qual se pedia ao Tribunal que decidisse o requerimento de impugnação judicial, como tal apresentado; 7) sobre tal requerimento recaiu o despacho de fls. 39, no qual se considerou esgotado o poder jurisdicional relativamente ao requerimento de impugnação judicial.

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Abril de 2008, após definir como objecto do recurso de apelação a aferição do alegado erro judiciário, a fim de o Estado ser, ou não, responsabilizado extracontratualmente, desenvolveu a seguinte argumentação, conducente ao improvimento do recurso:

«Na sequência dos ensinamentos da doutrina, vem sendo jurisprudência fortemente maioritária do Supremo Tribunal, a opinião de que a responsabilidade do Estado prevista no artigo 22.º da...

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