Acórdão nº 9/09 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução13 de Janeiro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 9/2009 Processo n.º 943/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 10 de Dezembro de 2008, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.

1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte fundamentação:

“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP), de 14 de Julho de 2008, que, concedendo provimento a recurso do Ministério Público contra o acórdão do Tribunal Colectivo da 1.ª Vara Criminal da Comarca do Porto, de 7 de Fevereiro de 2008, que suspendera pelo período de 4 anos e 6 meses a execução da pena de 4 anos e 6 meses de prisão que lhe fora aplicada pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas IA e IC anexas a tal diploma, manteve a anterior condenação na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.

De acordo com o requerimento de interposição de recurso, o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional se pronuncie «sobre a ilegalidade / inconstitucionalidade decorrente da completa desconsideração e, assim, exclusão do subjacente ao preenchimento do invocado conceito de ‘humanidade’, enquanto substrato co-vinculante para determinar-se a suspensão da pena de prisão aplicada, para nós, com o sempre mui grande e elevado respeito por melhor e douta opinião, plenamente contemplado e abarcado no n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal (‘condições da sua vida’ – do arguido), na novel redacção da Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto, necessariamente preponderante e prevalecente quando é posto em crise o ‘direito à saúde’ e / ou o ‘direito à vida’ do arguido, em violação dos artigos 64.º, n.º 1, e / ou 24.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, destarte também violando o naquela apontada norma substantiva, ao desaplicá-la no sentido propugnado pelo Tribunal Colectivo e pelo arguido – porque não mera faculdade do Tribunal, mas antes um poder-dever, ou poder funcional, cuja aplicação se mostrava e é a adequada, formal e materialmente, em termos de prevenção geral e de prevenção especial e da realização da justiça penal –, e, bem assim, o n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, tal como o n.º 4 do artigo 97.º do Código de Processo Penal, por falta de fundamentação decisória, a propósito – maxime, ‘de facto’ –, atento o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC». Mais referiu ter suscitado tais questões em sede de resposta à motivação do recurso do Ministério Público para o Tribunal da Relação do Porto e também na resposta apresentada, ao abrigo do artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), quanto ao parecer emitido pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação.

O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TRP, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC) e, de facto, entende-se que o recurso em causa é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.

Tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.

Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que (utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição.»

3. No presente caso, o recorrente não suscitou – designadamente nas peças processuais por ele identificadas – qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se a defender a correcção da decisão de suspensão da execução da pena de prisão em que fora condenado.

A argumentação por ele desenvolvida na resposta à motivação do recurso do Ministério Público foi sintetizada nas seguintes conclusões:

«1 – O douto acórdão recorrido, tomado por unanimidade, fez uma correcta apreciação, ponderação e valoração da prova, subsunção e aplicação do direito adjectivo e substantivo aplicável, na bastante censura da conduta do arguido e da sua desejada e plena reinserção social, em liberdade.

2 – A suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, em regime de prova e sujeito a obrigações é, in casu, formal e materialmente a adequada e em termos de prevenção geral e especial – maxime, de ‘humanidade’.

3 – Na procedência do recurso do Ministério Público, em concreto (face ao já ocorrido em E. P.), ficariam em crise o ‘direito à saúde’ e / ou o ‘direito à vida’ do respondente.

4 – Pelo que seriam violados os artigos 64.º, n.º 1, e / ou 24.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.»

Como é patente, não foi suscitada pelo então recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, não sendo imputado a qualquer norma ou interpretação normativa, dotadas de generalidade e abstracção, a violação de normas ou princípios constitucionais, limitando-se o recorrente a sustentar a justeza da concreta decisão judicial que havia concedido a suspensão da execução da pena de prisão.

De igual modo, nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa foi suscitada pelo recorrente na resposta ao parecer do Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto. E nem sequer no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional – apesar de tal ser manifestamente modo e momento inadequados para o efeito – logrou o recorrente enunciar, com o mínimo de precisão e clareza, um critério normativo cuja conformidade constitucional pudesse ser apreciada por este Tribunal, limitando-se a criticar directamente a decisão judicial de não suspensão da execução da pena de prisão, por a reputar injusta e desrespeitadora do princípio da «humanidade», atentas as características especiais do caso concreto.

Não tendo o recorrente suscitado, em termos adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido, o presente recurso surge como inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu objecto.”

1.2. A reclamação do recorrente assenta nos seguintes fundamentos:

“1. Naquela Decisão Sumária, com relevo, tem-se que:

a) A admissão do recurso pelo «Desembargador Relator do TRP ... não vincula o Tribunal Constitucional ...»;

b) «A competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa ...» e «tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC … a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada ‘durante o processo’, ‘de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer’ ..., e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das suas dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente»; e,

c) «Quando o recorrente questiona a conformidade constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa interpretação com um mínimo de precisão, não sendo idóneo, para...

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