Acórdão nº 92/09 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 92/2009

Processo n.º 371/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos da 9.ª Vara Cível de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público e recorridas A., Lda., e B., foi interposto recurso obrigatório de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal, de 25.03.2008, que recusou a aplicação das normas dos artigos 1.º, n.º 1, alínea a), 4.º a 11.º, e 24.º a 27.º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea h), da Constituição da República Portuguesa.

  2. O presente recurso emerge de acção declarativa de condenação, com processo ordinário, que A. (Portuguesa), Lda., intentou contra B., pedindo, a título principal, que fosse decretada a denúncia do contrato de arrendamento identificado nos autos, ordenando-se a imediata desocupação do locado e a sua entrega pela ré à autora.

    A autora fundamentou o pedido, nomeadamente, no Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, alegando que pretende demolir o prédio, que integra a local arrendado à ré, e proceder à construção de um novo edifício, em regime de propriedade horizontal, tendo já sido aprovado, pela Câmara Municipal de Lisboa, o respectivo projecto de arquitectura.

    Na sua contestação, a ré invocou, além do mais, a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 157/2006, por entender que o diploma ultrapassa o sentido e a extensão definidos na respectiva lei de autorização legislativa, a Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.

    Por decisão da 9.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, agora impugnada, foi recusada a aplicação das normas do Decreto-Lei n.º 157/2006, acima referidas, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica.

  3. O despacho ora recorrido fundamentou-se, em síntese, no seguinte:

    (…) Os Artigos 1.°, n.° 1, alínea a), 4.º a 11.º, 24.° a 27.° do Decreto-lei n.° 157/2006, de 8.8, regulam a realização de obras por iniciativa do senhorio em termos que extravasam o âmbito e sentido da autorização legislativa decorrente do Artigo 63.°, n.°1, alínea a) e n.° 2 da Lei n.° 6/2006, de 27.2. Estes artigos vêm, designadamente, prever a extinção do contrato de arrendamento por denúncia do senhorio quando este pretenda efectuar obras de remodelação profundas (Artigo 5.°, n.°1), para demolir o locado (Artigos 7.° e 24.°), conferindo-se ainda a faculdade de demolição quando esta for considerada pelo município a solução tecnicamente mais adequada e a demolição seja necessária à execução de plano municipal de ordenamento do território ( Artigo 24.°, n.° 2), regime e causas essas de extinção do contrato de arrendamento que não estão minimamente referidas e delimitadas na Lei de autorização legislativa.

    Trata-se de um regime totalmente novo face ao de pretérito — Lei n.° 2088, de 3 de Junho de 1957.

    Não se obtempere com a circunstância de o Artigo 1103.°, n.° 8 do Código Civil na redacção dada pela Lei 6/2006, de 27.2., prever que “A denúncia do contrato para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos é objecto de legislação especial” porquanto esta disposição não consubstancia, ela própria, uma lei de autorização legislativa e não tem a virtualidade de afastar o regime do Artigo 165.°, alínea h) da Constituição.

    A aplicação das normas mencionadas é directa e essencial para a pretensão deduzida pela Autora.

    Acresce que, “Desaplicada a norma inconstitucional, o tribunal deve julgar o caso como se não existisse a norma julgada inconstitucional, aplicando, se for caso disso, em vez dela, a norma que ela tenha vindo revogar ou substituir” (cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed., Coimbra Editora, pg. 1028), o que, no caso em apreço, implica reflexos imediatos na (im)procedência da acção.

    *

    Pelo exposto:

    a) declaro organicamente inconstitucionais as normas dos Artigos 1.°, n.°1, alínea a), 4.º a 11.º, 24.° a 27.° do Decreto-lei n.° 157/2006, de 8 de Agosto, por violação do Artigo 165.°, n.°1, alínea h) da Constituição;

    b) recuso a aplicação das normas referidas em a) com fundamento na inconstitucionalidade orgânica das mesmas (Artigo 204.° da Constituição).

    (…)

  4. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional concluiu da seguinte forma as respectivas alegações:

    Inclui-se no âmbito da “reserva de parlamento”, estabelecida no artigo 165.º, n.º 1, alínea h), da Constituição da República Portuguesa, a definição dos pressupostos materiais que condicionam, se um arrendamento “vinculístico”, a faculdade de denúncia pelo senhorio, nomeadamente com fundamento na demolição do prédio arrendado.

    Tais pressupostos – que se não mostram minimamente definidos nos artigos 1101.º e 1103.º do Código Civil, na redacção emergente da Lei n.º 6/2006 – são estabelecidos, em termos constitutivos e inovatórios, pelo Decreto-Lei n.º 157/06, em particular pelas disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.º 2, e 24.º deste último diploma legal.

    Não estando o Governo, ao aditar o Decreto-Lei n.º 157/06, legitimado, face ao objecto e extensão da respectiva lei de autorização legislativa, constante do artigo 63.º da Lei n.º 6/2006, para regular os aspectos substantivos da extinção do arrendamento urbano, na sequência do exercício pelo senhorio do direito de denúncia, com base na pretendida demolição do locado, são organicamente inconstitucionais as normas que integram o objecto do presente recurso.

    Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida.

  5. As recorridas não apresentaram contra-alegações.

    Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

    II − Fundamentação

  6. Desde a revisão constitucional de 1982, é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o “regime geral do arrendamento rural e urbano” (artigo 165.º, n.º1, alínea h), na versão em vigor a partir de 1997).

    Considerando que a matéria regulada cabia no âmbito desta previsão e que as soluções adoptadas não se continham dentro dos limites da autorização legislativa conferida ao Governo, pela alínea a) do n.º1 e pelo n.º 2 do artigo 63.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, a sentença recorrida pronunciou-se pela inconstitucionalidade orgânica dos artigos 1.º, n.º1, alínea a), 4.º a 11.º, e 24.º a 27.º do Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto, tendo, em conformidade, recusado a sua aplicação.

    As disposições declaradas inaplicadas rezam assim:

    SECÇÃO I

    Disposições comuns

    Artigo 1.º

    Objecto

    1 — O presente decreto-lei aprova o regime jurídico aplicável:

    a) À denúncia ou suspensão do contrato de arrendamento para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos, nos termos do n.º 8 do artigo 1103.º do Código Civil;

    b) (…);

    c) (…).

    2 — (…);

    a) (…);

    b) (…).

    Regime geral

    SUBSECÇÃO I

    Iniciativa do senhorio

    Artigo 4.º

    Remodelação ou restauro profundos

    1 — São obras de remodelação ou restauro profundos as que obrigam, para a sua realização, à desocupação do locado.

    2 As obras referidas no número...

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