Decisões Sumárias nº 66/09 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 66/2009

Processo n.º 65/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

1 – A., Lda., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver sindicada a constitucionalidade da norma do artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, do Anexo I do Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, por violação do disposto nos artigos 103.º, n.ºs 2 e 3 e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

2 – A decisão recorrida – Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 12 de Setembro de 2008 – tem, na parte circunstancialmente relevante, o seguinte teor:

“(...)

A impugnante discorda do pagamento da taxa por considerar que a mesma não reveste a característica de taxa por não haver qualquer contrapartida individualizada prestada pela ERC aos agentes, regulados, do sector. Falece assim, um dos pressupostos da taxa, que é precisamente, a existência de um sinalagma. A ERC não efectua qualquer contraprestação específica e individualizável em benefício do onerado, pelo que a sua instituição subverte a figura da taxa mediante conversão em impostos de repartição.

A noção legal de taxa colhe-se do Art.° 4 LGT, reportando-a a uma prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.

Está sabiamente descrito nos autos, quer nos articulados, quer nas cópias dos pareceres, o recorte legal e doutrinário da figura, em face do que só resta assumir o défice relativo de tudo quanto se diga nesta sentença.

A questão central está na existência, ou não de sinalagma, embora a «proporcionalidade» também seja questionada. Evidentemente, se não houver sinalagma, a prestação será sempre desproporcionada, pois a «0» de contraprestação só é proporcional «0» de pagamento — tudo quanto exceda esse valor traduz desproporção manifesta.

Vejamos em primeiro lugar a questão do sinalagma, nas vertentes da prestação de serviço público, utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um limite.

Segundo o Art.° 3/3 do Regime das Taxas da ERC, aprovado pelo Decreto – Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, as taxas da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social integram-se nas seguintes categorias:

  1. Taxa de regulação e supervisão;

  2. Taxa por serviços prestados;

  3. Taxa por emissão de títulos habilitadores.

    A taxa de regulação e supervisão visa remunerar os custos específicos incorridos pela ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social no exercício da sua actividade da regulação e supervisão contínua e prudencial. (Art.°4/1 do mesmo diploma)

    E que funções de supervisão são essas?

    O Artigo 6.° dos Estatutos da ERC aprovados pela Lei nº 53/2005, de 8 de Novembro, sob a epígrafe, «Âmbito de intervenção», diz o seguinte:

    Estão sujeitas à supervisão e intervenção do conselho regulador todas as entidades que, sob jurisdição do Estado Português, prossigam actividades de comunicação social, designadamente:

  4. As agências noticiosas,

  5. As pessoas singulares ou colectivas que editem publicações periódicas, independentemente do suporte de distribuição que utilizem;

  6. Os operadores de rádio e de televisão, relativamente aos serviços de programas que difundam ou aos conteúdos complementares que forneçam, sob sua responsabilidade editorial, por qualquer meio, incluindo por via electrónica;

  7. As pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem ao público, através de redes de comunicações electrónicas, serviços de programas de rádio ou de televisão, na medida em que lhes caiba decidir sobre a sua selecção e agregação;

  8. As pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de comunicações electrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente.

    Para além destas, existem objectivos de regulação, contemplados no Art.° 7 da mesma Lei:

    Constituem objectivos da regulação do sector da comunicação social a prosseguir pela ERC:

  9. Promover e assegurar o pluralismo cultural e a diversidade de expressão das várias correntes de pensamento, através das entidades que prosseguem actividades de comunicação social sujeitas à sua regulação;

  10. Assegurar a livre difusão de conteúdos pelas entidades que prosseguem actividades de comunicação social e o livre acesso aos conteúdos por parte dos respectivos destinatários da respectiva oferta de conteúdos de comunicação social, de forma transparente e não discriminatória, de modo a evitar qualquer tipo de exclusão social ou económica e zelando pela eficiência na atribuição de recursos escassos;

  11. Assegurar a protecção dos públicos mais sensíveis, tais como menores, relativamente a conteúdos e serviços susceptíveis de prejudicar o respectivo desenvolvimento, oferecidos ao público através das entidades que prosseguem actividades de comunicação social sujeitos à sua regulação;

  12. Assegurar que a informação fornecida pelos prestadores de serviços de natureza editorial se pauta por critérios de exigência e rigor jornalísticos, efectivando a responsabilidade editorial perante o público em geral dos que se encontram sujeitos à sua jurisdição, caso se mostrem violados os princípios e regras legais aplicáveis;

  13. Assegurar a protecção dos destinatários dos serviços de conteúdos de comunicação social enquanto consumidores, no que diz respeito a comunicações de natureza ou finalidade comercial distribuídas através de comunicações electrónicas, por parte de prestadores de serviços sujeitos à sua actuação, no caso de violação das leis sobre a publicidade:

  14. Assegurar a protecção dos direitos de personalidade individuais sempre que os mesmos estejam em causa no âmbito da prestação de serviços de conteúdos de comunicação social sujeitos à sua regulação.

    A que acrescem as seguintes atribuições (Art.° 8°):

  15. Assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa:

  16. Velar pela não concentração da titularidade das entidades que prosseguem actividades de comunicação social com vista à salvaguarda do pluralismo e da diversidade, sem prejuízo das competências expressamente atribuídas por lei à Autoridade da Concorrência;

  17. Zelar pela independência das entidades que prosseguem actividades de comunicação social perante os poderes político e económico;

  18. Garantir o respeito pelos direitos, liberdades e garantias;

  19. Garantir a efectiva expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, em respeito pelo princípio do pluralismo e pela linha editorial de cada órgão de comunicação social;

  20. Assegurar o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política;

  21. Assegurar, em articulação com a Autoridade da Concorrência, o regular e eficaz funcionamento dos mercados de imprensa escrita e de áudio-visual em condições de transparência e equidade;

  22. Colaborar na definição das políticas e estratégias sectoriais que fundamentam a planificação do espectro radioeléctrico, sem prejuízo das atribuições cometidas por lei ao ICP-ANA COM;

  23. Fiscalizar a conformidade das campanhas de publicidade do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais com os princípios constitucionais da imparcialidade e isenção da Administração Pública;

  24. Assegurar o cumprimento das normas reguladoras das actividades de comunicação social.

    Isto para já não falar do dever de promover a co-regulação e auto regulação, para que aponta o Art.° 9.

    Adiante-se que, como está sobejamente demonstrado nos articulados, a sinalagmaticidade só poderá ter lugar quando se trate de um qualquer bem que seja divisível, ou seja, que possa ser prestado em unidades individualizadas. Não basta que a receita obtida por meio da taxa seja usada na cobertura de despesas respeitantes ao mesmo grupo de habitantes, à mesma comunidade local que a suporta. Terá de haver uma mais estreita correlação entre o destinatário do encargo financeiro e o beneficiário da despesa pública.... »[1]

    Dir-se-á, então, que as atribuições enunciadas não criam vantagem para o onerado, sendo antes um benefício colectivo, razão por que não é divisível o serviço, nem o bem prestado.

    Contudo, embora constituam um indubitável benefício colectivo, as actividades de supervisão e regulação garantem a aplicação das normas em vigor para o sector e a efectiva concorrência ao nível dos produtos oferecidos, vital para a pluralidade do mercado, mas que beneficia directamente, também, os respectivos operadores económicos (fls. 32 do parecer do Prof. Gomes Canotilho).

    Por cada benefício colectivo prosseguido, ocorre repercussão directa na esfera individual de cada regulado, do mesmo modo que um benefício individual repercute-se na esfera colectiva.

    A título de exemplo, se não for impedida a concentração da titularidade das entidades que prosseguem actividades de comunicação social fica prejudicado o interesse colectivo, evidentemente, mas fica também prejudicado o interesse dos próprios operadores que, sem capacidade para concorrer com os grupos económicos, restar-lhes-ia definhar até ao desaparecimento, ou então, nem sequer iniciar a actividade.

    Cada um dos operadores é beneficiado, directa e individualmente, por esta atribuição da ERC, a par de todos os cidadãos em geral.

    Por isso, a matriz financiadora mista, através das transferências do orçamento de Estado e das taxas cobradas junto das entidades que prosseguem as actividades de comunicação social, corresponde ao âmbito dos interesses protegidos: colectivos e individuais — dos operadores.

    O sinalagma existe, portanto.

    Não é fácil a sua divisão.

    Em todo o caso, as TRS não são impostos, pois a existência de sinalagma na relação entre os sujeitos afasta a qualificação de imposto.

    Não sendo totalmente individualizável, a noção de «taxas colectivas» permitidas pelo Art.° 165/1i) da CRP, como o desenvolve o Prof. Gomes Canotilho no seu parecer (fls. 117 e segs.), salva plenamente a...

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