Acórdão nº 188/09 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução22 de Abril de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 188/2009

Processo n.º 505/08

Plenário

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista no artigo 281º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República, veio requerer ao Tribunal Constitucional, em fiscalização abstracta sucessiva, a declaração de inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, conjugadas com as dos artigos 33.º e 34.º do mesmo diploma, por violação dos princípios da protecção da confiança, da proporcionalidade e da igualdade, e, bem assim, a declaração de ilegalidade das mesmas normas, por violação do princípio da contributividade concretizado no artigo 54º da Lei de Bases da Segurança social.

    Fundamenta o pedido nos seguintes termos:

    - O Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, veio estabelecer o regime jurídico de protecção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral da segurança social.

    - O diploma prevê, no seu artigo 101.º, n.º 1, um limite superior, correspondente a 12 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), para uma das parcelas ("P1") da fórmula de cálculo da pensão a atribuir aos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001. Essa fórmula de cálculo consta do artigo 33.º e a parcela que aí se inclui, e que o artigo 101.º limita, é calculada nos termos do artigo 34.º, todos do mesmo Decreto-Lei n.º 187/2007.

    - As pessoas mais afectadas por aquele limite imposto, no artigo 101.º, a uma das parcelas da fórmula de cálculo do artigo 33.º, são aquelas que estão mais próximas de receber a pensão, ou seja, as pessoas que iniciem a pensão entre 1 de Julho de 2007 (data de entrada em vigor da lei, nos termos do seu artigo 115.º) e 31 de Dezembro de 2016 (data em que os beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 passarão a estar sujeitos a uma nova fórmula de cálculo).

    - As pessoas visadas pela limitação imposta no artigo 101.º, são, na prática, e no que às pensões por velhice diz respeito, aquelas que terão agora uma idade compreendida entre os 56 e os 64 anos, e estarão portanto já próximas do final da sua carreira contributiva.

    - Com o limite imposto pelo artigo 101.º, n.º 1, essas pessoas sofrem uma redução assinalável, em muitos casos drástica, das suas pensões face ao valor expectável antes da aprovação das regras neste momento em vigor.

    - De entre os casos que foram apresentados na Provedoria, encontra-se um, por exemplo, em que a pensão seria de € 7318,00 e, por efeito da aplicação do limite imposto pelo artigo 101.º, ficará reduzida a € 4986, 56, implicando uma perda correspondente a 46,7 % do valor que seria considerado segundo cálculo anteriormente previsto.

    - Note-se que estas alterações se aplicam inclusivamente a beneficiários com 64 anos de idade e 40 anos de carreira contributiva que, à data da entrada em vigor da lei, estavam à beira de poderem solicitar a correspondente pensão.

    - A situação é particularmente chocante quando se aplique a limitação do valor das pensões aos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas, pois estes foram legalmente autorizados (pelo artigos 11.º e 12.º do DL n.º 327/93 de 25 de Setembro, nas redacções e na interpretação dadas pelos DL n.º 103/94, de 20 de Abril, e 571/99, de 24 de Dezembro) a fazer o pagamento das suas contribuições com base no valor real das remunerações quando estas excedessem o limite máximo da base de incidência fixado naquele diploma.

    - Quando essas pessoas optaram por descontar um valor superior ao limite máximo da base de incidência, fizeram-no baseadas no pressuposto de que o valor da pensão que iriam futuramente receber teria correspondência nesse acréscimo de descontos autorizados pelo legislador.

    - A limitação do valor máximo das pensões poderá ter consequências, ainda, na situação dos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001, mas que apenas iniciem a sua pensão após 31 de Dezembro de 2016, embora seja de reconhecer que, nestes casos, os beneficiários se encontravam, à data da entrada em vigor da solução legal contestada, mais longe da reforma, sendo as respectivas expectativas neste sentido, naturalmente menos exigentes ao nível da tutela jurídica.

    - O regime estabelecido no artigo 101.º viola os princípios constitucionais da confiança, da proporcionalidade e da igualdade, o primeiro podendo ser extraído do conceito de Estado de Direito democrático a que alude o artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, o segundo decorrendo explicitamente, a propósito dos direitos liberdades e garantias, do artigo 18.º, n.º 2, do texto constitucional, o último estando estabelecido, de forma genérica, no artigo 13.º da Lei Fundamental.

    - Contraria, também, os princípios da contributividade e do respeito pelos direitos adquiridos e em formação consignados na Lei de Bases da Segurança Social.

    - Na verdade, decorre do artigo 54.º da Lei de Bases da Segurança Social actualmente em vigor, a Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que o sistema previdencial deve ter por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações.

    - E o artigo 58.º da mesma lei apenas permite a limitação dos valores das pensões pela limitação prévia dos valores das contribuições.

    - A relação sinalagmática entre a pensão e a contribuição é objectivamente comprometida pela nova lei, em especial, no caso dos membros dos órgãos de pessoas colectivas que descontaram para além do limite máximo da base de incidência, sem que a lei preveja a devolução dos montantes pagos.

    - o regime viola ainda o princípio da tutela da confiança, tendo em consideração que os beneficiários que são atingidos pela limitação do valor das suas pensões já não poderão reorientar a sua estratégia de planeamento das respectivas pensões.

    - As excepções previstas no artigo 101.º, n.º 2 e 3, dificilmente terão repercussão no que respeita aos beneficiários mais perto da reforma (isto é, aos inscritos até 31 de Dezembro de 2001 que iniciem pensão até 31 de Dezembro de 2016) pois o peso da parcela da fórmula de cálculo que está sujeita ao limite do artigo 101.º é decisivo para o cálculo da pensão podendo mesmo corresponder, para uma carreira contributiva de 40 anos, à proporção de 39/40, no caso das pessoas que se reformem logo em 2008.

    - Do preceituado no artigo 101.º, incluindo as suas excepções, conclui-se que foi objectivo do legislador penalizar as situações dos beneficiários que obtiverem remunerações mais elevadas nos últimos anos da carreira contributiva.

    - Contudo, na medida em que o regime instituído no artigo 101.º, n.º 1, tenha por objectivo atingir apenas as pessoas que terão manipulado o futuro valor da pensão, viola o princípio da proporcionalidade, pois não atinge apenas essas pessoas mas também todas as outras, incluindo os trabalhadores por conta de outrem cujos descontos em nada dependem da sua vontade.

    - A medida estabelecida pelas normas do artigo 101.º, do Decreto-Lei n.º 187/2007, visa uma "maior moralização do sistema" (cf. preâmbulo do diploma), mas a verdade é que abrange, de forma arbitrária, pensionistas que, beneficiando de remunerações mais elevadas nos últimos anos da carreira contributiva não tiveram qualquer intervenção na fixação desses montantes.

    - Há, além disso, violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental, pois o limite do valor das pensões apenas se aplica a uma categoria bem determinada de destinatários (os inscritos até 31 de Dezembro de 2001 e, entre estes, de forma mais gravosa atendendo ao nível da expectativas criadas, para os que iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016).

    Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Primeiro-Ministro veio defender a não inconstitucionalidade e a não ilegalidade das normas contidas no artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, juntando dois pareceres jurídicos em abono dessa posição.

    Elaborado o memorando a que alude o artigo 63º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional e fixada a orientação do Tribunal, cabe decidir.

  2. Fundamentação

    Enquadramento legal e evolução legislativa

    1. O Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, em desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as Bases Gerais do Sistema da Segurança Social, veio consignar um regime diferenciado de cálculo das pensões de reforma, no âmbito do regime geral da segurança social, estipulando, como regra geral, para os beneficiários inscritos a partir de 1 de Janeiro de 2002, o apuramento do montante da pensão mensal com base nas remunerações auferidas durante todo o período contributivo, até ao limite de 40 anos (artigo 32º), e para os beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001, uma fórmula proporcional que implica a combinação de uma parcela calculada com base nos 10 melhores anos dos últimos 15 da carreira contributiva (P1), e outra calculada com base na totalidade da carreira contributiva (P2), com um ajustamento em relação ao cômputo de anos civis a considerar, em cada uma dessas parcelas, consoante os beneficiários iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016 ou a partir desta data (artigo 33º).

      No âmbito desta fórmula proporcional, o artigo 34º concretiza as regras de cálculo da designada P1, isto é, da parcela da pensão que é apurada com base nos 10 melhores anos dos últimos 15 da carreira contributiva. No entanto, a disposição transitória do artigo 101º introduz um limite superior às pensões calculadas nesses termos, fazendo-o corresponder a 12 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), com as excepções que aí são consideradas.

      É esta disposição transitória, interpretada conjugadamente com as normas dos artigos 33º e 34º, que vem arguida de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da protecção da confiança, da proporcionalidade e da igualdade, e de ilegalidade, por violação do princípio da contributividade, e que cabe agora analisar.

      As normas...

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