Acórdão nº 421/09 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Agosto de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução13 de Agosto de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 421/2009

Processo nº 667/2009

Plenário

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. O Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituição das normas constantes do n.º i) da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea c) do n.º 2 do mesmo artigo 2.º do Decreto 343/X da Assembleia da República, recebido na Presidência da República no dia 28 de Julho de 2009 para ser promulgado como lei.

    O pedido de fiscalização de constitucionalidade apresenta, em síntese, a seguinte fundamentação:

    A)

    Quanto à norma constante do n.º i) da alínea j)

    do n.º 1 do artigo 2.º

    – Ao prever, como instrumento de política urbanística, um regime de venda forçada, a norma prevista no n.º i) da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º cria uma nova forma de privação de propriedade privada, na medida em que afecta com efeitos ablativos a liberdade de gozo e de transmissão da mesma;

    – Revestindo o direito de propriedade privada natureza análoga a direitos, liberdades e garantias, o mesmo só pode ser restringido nos casos expressamente previstos na Constituição, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º da CRP [por lapso ter-se-á referido o n.º 1 do artigo 18.º];

    – Este último preceito é violado pela referida norma, na medida em que a Constituição não prevê que o direito de propriedade privada possa ser sujeito a essa forma de restrição;

    – Porquanto, ao dispor, no n.º 4 do artigo 65.º, sobre a política de ocupação, uso e transformação de solos urbanos, a Constituição prevê unicamente a figura da expropriação por utilidade pública como instrumento de privação da propriedade privada apto à satisfação de fins de utilidade pública urbanística;

    – Ou seja, por se estar perante uma norma constitucional típica, que contém um numerus clausus, é vedado ao legislador vir restringir o direito de propriedade privada, com fundamento em utilidade pública urbanística, através de qualquer outro instrumento que não a expropriação por utilidade pública;

    – Assim sendo, apenas se poderia sustentar a não inconstitucionalidade da norma sindicada, com fundamento em violação da norma do n.º 2 do art. 18.º da Constituição, na hipótese de se considerar que, por possuir elementos de identidade com o instituto da expropriação, na qualidade de instrumento de política urbanística, o instituto da venda forçada cabe, por analogia, na previsão do n.º 4 do artigo 65.º da CRP;

    – Simplesmente, para tanto seria necessário verificar-se uma relação de homologia entre os dois instrumentos de política urbanística, nomeadamente quanto: a) à consecução do fim de utilidade pública que devem prosseguir; b) às garantias inerentes ao processo indemnizatório que lhes subjaz;

    – No que respeita ao primeiro requisito, seria necessário que, tal como sucede com a expropriação, i) a venda forçada implicasse uma prévia declaração de utilidade pública do bem sujeito a essa venda coactiva e ii) acautelasse, no respectivo procedimento, o preenchimento efectivo do fim de interesse público urbanístico que subjaz à reabilitação;

    – Sucede, porém, que, em virtude de a norma habilitante ora sindicada omitir a exigência de prévia declaração de utilidade pública individualizada, não podendo a mesma retirar-se sequer implicitamente das duas remissões feitas para o Código das Expropriações, a mesma cria um meio de privação forçada da propriedade por razões urbanísticas sem garantir que a legislação delegada consagre tal regime;

    – Porque tal omissão tem como efeito que o Governo possa optar por não exigir a prévia declaração de utilidade pública do bem sujeito a venda forçada, nos mesmos termos que regem o instituto das expropriações (artigos 1.º e 13.º do Código das Expropriações), deixa de poder sustentar-se a tese segundo a qual o instituto da venda forçada possuiria elementos de identidade com o instituto da expropriação, na qualidade de instrumento de política urbanística, cabendo, por analogia, na previsão do n.º 4 do artigo 65.º da Constituição;

    – Assim, a norma habilitante viola o disposto no n.º 4 do artigo 65.º conjugado com o artigo 13.º da Constituição ao mesmo tempo que viola o n.º 2 do artigo 165.º da Constituição conjugado com essas mesmas disposições;

    – Além de que, ainda no que respeita ao primeiro requisito (utilidade pública), deve considerar-se duvidoso que o instituto da venda forçada garanta a prossecução dos fins de utilidade pública urbanística, num nível idêntico ao da expropriação, nos termos do n.º 4 do artigo 65.º da CRP;

    – A dúvida resulta, em primeiro lugar, da circunstância de, ao passo que, no processo de expropriação, o bem é afectado a fins de utilidade pública, sendo reconhecido o direito de reversão quando essa afectação não ocorra, já na venda forçada, o bem não deflui para o património público; com efeito, esta venda forçada processa-se entre entidades privadas, não se logrando assegurar a reversão da propriedade para o anterior titular se os novos adquirentes não cumprirem a obrigação de reabilitação, prevendo a lei, para tal caso, nova venda forçada, o que cria um quadro desigualitário e diverso em relação ao regime da expropriação, seja quanto à garantia do interesse público seja quanto à salvaguarda dos direitos dos proprietários;

    – A desigualdade existente entre a expropriação e a venda forçada decorre, em segundo lugar, do facto de, ao passo que bens objecto de expropriação que sejam incluídos no domínio privado da Administração apenas podem ser cedidos em propriedade plena a privados, por força de acordo directo ou concurso, mediante um exigente procedimento de escolha do co-contratante que salvaguarde o interesse público, o mesmo não se verificar relativamente a bens objecto de venda forçada em hasta pública onde a garantia do interesse público se encontra, comparativamente, diminuída;

    – No que respeita ao segundo requisito, de cuja verificação depende a sustentabilidade da tese segundo a qual o instituto da venda forçada possuiria elementos de identidade com o instituto da expropriação, na qualidade de instrumento de política urbanística, cabendo, por analogia, na previsão do n.º 4 do artigo 65.º da Constituição, requisito esse relacionado com as garantias inerentes ao processo indemnizatório, argumenta-se que a norma impugnada não logra garantir, na definição do sentido da autorização legislativa, o imperativo da plenitude e da contemporaneidade da indemnização ou compensação do proprietário, por identidade de razão com o critério de justiça material que, de acordo com o Tribunal Constitucional (Ac. do TC n.º 174/95), deve pautar a indemnização atribuída em sede de expropriação por utilidade pública;

    – Assim, a norma habilitante viola o disposto no n.º 2 do artigo 62.º conjugado com o artigo 13.º da Constituição ao mesmo tempo que viola o n.º 2 do artigo 165.º da Constituição conjugado com essas mesmas disposições.

    B)

    Quanto à norma constante da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º

    – A norma sindicada intenta definir o sentido e a extensão da autorização legislativa concedida ao Governo no que respeita ao regime jurídico aplicável à denúncia ou suspensão do arrendamento para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos e, ainda, à actualização das rendas na sequência de obras com vista à reabilitação.

    – Ao determinar o sentido e extensão da autorização legislativa em termos tais que nela se prevê a possibilidade de exclusão do dever de o senhorio indemnizar ou realojar o arrendatário sempre que a demolição for necessária por força da degradação do prédio, incompatível com a sua reabilitação e geradora de risco para os respectivos ocupantes ou decorra de plano municipal do ordenamento do território, a norma sindicada exibe uma elevada densidade paramétrica, na medida em que condiciona significativamente a discricionariedade do diploma autorizado;

    – Com efeito, é a própria norma delegante a determinar: a) que os seus destinatários serão os arrendatários, não só porque se reporta ao efeito indemnizatório gerado por efeito da denúncia do contrato de arrendamento, mas também pelo facto de a expressão “indemnização ou realojamento” ser formulada em alternativa quanto à configuração das formas de compensação que pretende excluir, só podendo as mesmas respeitar a arrendatários; b) que a exclusão peremptória da indemnização assume carácter excepcional em relação à regra geral da compensação do arrendatário cujo contrato seja denunciado, radicando essa excepção em quatro pressupostos bem precisos: degradação da mesma fracção ou edifício, incompatibilidade com a sua reabilitação, risco para os ocupantes e plano municipal de ordenamento do território que imponha a demolição; c) que no sentido e âmbito da autorização se encontram ausentes cláusulas relativas ao âmbito temporal de eficácia do diploma autorizado;

    – São, ao todo, quatro os fundamentos de inconstitucionalidade invocados, a saber: a) violação do n.º 3 do art. 18.º por a norma suprimir, sem justificação material plausível e sempre que se verifiquem os pressupostos nela previstos, o núcleo ou conteúdo essencial do próprio direito à indemnização, alargado aos arrendatários expropriados por força da conjugação do n.º 2 do artigo 62.º com o artigo 13.º da CRP, na medida em que esse direito indemnizatório consiste num direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias; b) violação de uma dimensão autónoma do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) ao discriminar negativamente os arrendatários em relação aos proprietários, no que respeita ao direito de ambos serem indemnizados nos termos do n.º 2 do artigo 62.º da CRP; c) violação do n.º 2 do artigo 18.º da CRP na parte em que impõe como requisito de uma lei restritiva a observância do princípio da proporcionalidade...

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