Acórdão nº 30/10 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Presidente
Data da Resolução19 de Janeiro de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 30/2010

Processo n.º12/CPP

Plenário

ACTA

Aos 19 dias do mês de Janeiro de dois mil e dez, achando-se presentes o Excelentíssimo Conselheiro Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmos. Conselheiros Maria João da Silva Baila Madeira Antunes, Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, João Eduardo Cura Mariano Esteves, Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro, Vítor Manuel Gonçalves Gomes, Ana Maria Guerra Martins, José Manuel Cardoso Borges Soeiro, Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, Maria Lúcia Amaral e Benjamim Silva Rodrigues foram trazidos à conferência os presentes autos, para apreciação.

Após debate e votação, foi ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o seguinte:

ACÓRDÃO N.º 30/2010

  1. 1.1. Notificado que foi do Acórdão n.º 643/09, de 15 de Dezembro de 2009, veio o arguido Abel Saturnino da Silva Moura Pinheiro requerer a respectiva revogação com fundamento na verificação das nulidades previstas nas alíneas a) e b) do número 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.

    Subsidiariamente, requereu a revogação do mesmo Acórdão com fundamento na existência de erro notório na apreciação da prova e de insanável contradição na respectiva fundamentação, e a sua consequente substituição por decisão absolutória do arguido.

    Concluiu a argumentação para o efeito apresentada através da formulação das seguintes conclusões:

    a) O disposto no artigo 103º - A, nº s 1, 2 e 3 da Lei do Tribunal Constitucional, conforme interpretado no Acórdão recorrido, constitui uma violação ao disposto nos nºs 2 e 10 do artigo 32º da CRP.

    b) O disposto no artigo 103 - A, n.º s 1, 2 e 3 da Lei do Tribunal Constitucional, conforme interpretado no Acórdão recorrido, constitui uma restrição desproporcional e inadmissível à liberdade de participação em partidos políticos.

    c) Ao recorrer a uma interpretação global e integrada do despacho de promoção para obter os factos que fundamentam a condenação do Arguido, o Tribunal Constitucional conheceu de matéria de facto que não podia conhecer, sustentando-se na mesma para proferir a sua decisão, condenando para além do thema probandum nos presentes autos.

    d) O Acórdão recorrido é por isso nulo, conforme se estatui no n.º 1, alínea b) do artigo 379º do Código de Processo Penal.

    e) A fim de demonstrar a existência de dolo do Arguido, teria o Tribunal de demonstrar, cabalmente, quais as medidas concretas não adoptadas pelo mesmo que concretamente levaram à produção do resultado, o que não acontece, pelo que, também por esta razão, é nulo o Acórdão proferido, conforme se estatui na alínea a) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.

    f) Da prova documental e testemunhal produzida pelo arguido resulta inequívoco que o mesmo desenvolveu todos os esforços ao seu alcance no sentido de garantir o cumprimento das obrigações contabilísticas a que está obrigado o partido do qual era responsável financeiro.

    g) Não foi provado nos autos existir qualquer tipo de actuação ao dispor do Arguido que pelo mesmo haja sido dolosamente omitida, antes resultando provada uma intenção contrária do mesmo.

    h) O Acórdão recorrido errou, pois, de forma manifesta, na apreciação da prova, pelo que, também por essa razão, deverá ser o mesmo revogado e substituído por decisão absolutória

    .

    1.2. O Ministério Público respondeu ao requerimento apresentado pelo arguido contestando a procedência dos vícios alegados e pugnando pelo indeferimento da pretendida revogação do acórdão.

  2. Cumpre apreciar e decidir, observando-se, quanto à consideração das questões suscitadas, a ordem de precedência que resulta da relação de subsidiariedade em que são expressamente colocadas as pretensões formuladas através do presente requerimento.

    Introdutoriamente, notar-se-á que a pretensão expressa pelo arguido e o discurso argumentativo em que se apoia são em tudo semelhantes àqueles que o mesmo arguido seguiu já para contestar os Acórdãos n.º 99/09 (proferido no processo de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos relativas ao exercício de 2003) e 455/09 (proferido no processo de apreciação e fiscalização das contas da campanha referente às Eleições Legislativas de 20 de Fevereiro de 2005).

    A contestação a estes Acórdãos foi apreciada e decidida pelos Acórdãos n.º 179/09 e 474/09, respectivamente, cuja fundamentação, por se manter válida, de perto se seguirá aqui.

    2.1. Da nulidade resultante da violação do disposto na al. b) do n.º1 do art. 379º do Código de Processo Penal.

    2.1.1. Sustenta o arguido que o Acórdão condenatório visado foi proferido com «base em alegados factos que não constam do despacho de promoção – e que resultarão sim de uma interpretação global e integrada daquele», sendo por isso «manifesta a existência de nulidade […], conforme se dispõe no n.º 1, alínea b), do artigo 379º do Código de Processo Penal».

    Tal alegação é suportada pela afirmação de que o Tribunal recorreu a uma interpretação global e integrada do despacho de promoção para obter os factos de que carecia para proceder à condenação do arguido», tendo-o feito no plano da caracterização quer do tipo objectivo, quer do tipo subjectivo do ilícito imputado.

    No que concerne ao preenchimento do tipo objectivo do ilícito, sustenta-se, no essencial, que, na «falta de elementos factuais que permitissem a caracterização do tipo objectivo de ilícito», o Tribunal fez uma leitura «global e integrada» do despacho de promoção, atentando na sua «sua suposta “unidade de sentido”», não obstante certo ser que «em sede de processo contra-ordenacional, à semelhança do que sucede em processo penal, não poderá valer semelhante interpretação» sob pena de não ser possível determinar «se os factos constantes da acusação são os mesmos que o Tribunal considera na sua decisão».

    Relativamente à caracterização do tipo subjectivo do ilícito, afirma-se que o Tribunal terá recorrido a uma «indecifrável interpretação global e integrada do despacho de promoção, retirando conclusões de onde não se encontram quaisquer factos», já que «o despacho de promoção não contém sequer um só facto relativo à existência de dolo do arguido», apenas permitindo que dele se retire «– e do Acórdão que nele tem o seu esteio – […] conclusões e induções sem qualquer suporte factual».

    2.1.2. A nulidade imputada ao Acórdão condenatório é a prevista na al. b) do n.º 1 do art. 379º do Código de Processo Penal, considerada aplicável ex vi do preceituado no art. 41º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-ordenações.

    De acordo com a previsão normativa constante do art. 379º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, «é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação […]».

    A nulidade imputada ao Acórdão condenatório supõe, assim, que este haja estabelecido os pressupostos fácticos da responsabilidade do arguido com recurso a elementos factuais ausentes do despacho de promoção.

    Considerando as críticas dirigidas ao momento da verificação do tipo objectivo do ilícito, a primeira nota que cumpre salientar é a de que o arguido não identifica qual(ais) o(s) facto(s) de que o Tribunal alegadamente se terá socorrido para esse efeito e que não se encontrariam incluídos na hipótese descrita no despacho de promoção.

    Apesar de acusar o Tribunal de ter obtido, através de uma leitura global e integrada do despacho de promoção, os factos de que carecia para proceder à respectiva condenação, o arguido limita-se, com efeito, à alegação de que o despacho de promoção não continha «factos suficientes […] para caracterizar qualquer tipo de actuação ilícita do arguido» e que, em tal contexto, «qualquer decisão proferida que procur[asse] ir além dos mesmos sair[ia], necessariamente, prejudicada pois sempre ultrapassar[ia] os limites que àquele despacho cumpriria fixar».

    Não só não especifica o arguido quais os factos que terão resultado da alegada ampliação pelo Tribunal da realidade descrita no despacho de promoção, como, conforme passará a demonstrar-se, a «interpretação global e integrada» a que este foi efectivamente sujeito não conduziu à enunciação e/ou à consideração de qualquer facto adicional, diverso daqueles que aí se continham já.

    Escreveu-se no Acórdão visado o seguinte:

    ”À semelhança de qualquer outro texto, mesmo que não jurídico, o despacho de promoção carece de ser lido e interpretado de forma global e integrada, devendo a avaliação que sobre ele incida tomar em conta a completude da unidade de sentido cuja apreensão seja pelo mesmo globalmente proporcionável”.

    Nos presentes autos, a hipótese factual que o despacho de promoção introduz em juízo dá conta de que, no decurso de 2004, o arguido Abel Pinheiro: integrou a Comissão Directiva do CDS-PP – órgão que passou a designar-se Comissão Executiva em consequência da alteração estatutária de 2004 e ao qual competia dirigir a organização administrativa e financeira do partido e elaborar o seu Orçamento e Contas –, tendo sido o responsável pelo sector financeiro do CDS/PP; tinha o domínio da gestão financeira do partido, controlando, como tal, os aspectos estruturais da organização financeira do partido susceptíveis de comprometer o cumprimento da obrigação de apresentação de uma conta consolidada que abrangesse o universo das estruturas partidárias; não adoptou as providências adequadas para assegurar a oportuna observância de tal obrigação no ano de 2004; assim procedeu com conhecimento de que se encontrava vinculado à apresentação de uma conta consolidada que abrangesse o universo das estruturas partidárias.

    […]

    A narrativa contida no despacho de promoção permite o estabelecimento de que o comportamento que ao arguido se imputa é omissivo e que tal omissão consistiu na não adopção das providências cabidas nos respectivos poderes de gestão financeira do partido e susceptíveis de acautelar o cumprimento da obrigação de apresentação de uma conta consolidada […]

    .

    No excerto especialmente dedicado ao apuramento da responsabilidade contra-ordenacional do arguido Abel Saturnino na perspectiva...

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