Acórdão nº 50/10 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 50/2010

Processo 577/09

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

  1. Nos presentes autos em que é recorrente A., Lda. e recorrida a Fazenda Pública, foi interposto recurso de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em 06 de Maio de 2009 (fls. 391 a 394) para apreciação da constitucionalidade da “norma contida no art. 152° do CPTA, aplicável ex vi art. 2° do CPPT, na dimensão normativa encontrada pelo despacho de fls 343 e confirmada pelo douto acórdão de 06 de Maio de 2009, segundo o qual é inadmissível o recurso interposto por oposição de acórdãos entre um Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (acórdão recorrido) e um Acórdão do Tribunal Central Administrativo (acórdão fundamento)” (fls. 402).

  2. Notificada para tal pela Relatora, a recorrente produziu alegações, das quais constam as seguintes conclusões:

    1. A norma contida no art. 152° do CPTA, aplicável ex vi art. 2° do CPPT, na dimensão normativa encontrada pelo despacho de fls 343 e confirmada pelo douto acórdão de 06 de Maio de 2009, segundo o qual é inadmissível o recurso interposto por oposição de acórdãos entre um Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (acórdão recorrido) e um Acórdão do Tribunal Central Administrativo (acórdão fundamento) é inconstitucional.

    2. A inconstitucionalidade da citada norma extraída do art. 152° do CPTA, aplicável ex vi art. 2° do CPPT resulta do facto da mesma consubstanciar uma violação dos mais elementares direitos e garantias que a Constituição confere à ora recorrente.

    3. Com efeito, no caso em apreço, o acórdão fundamento foi proferido em última instância pelo Tribunal Central Administrativo Norte, dado que, para além da questão de direito, foram suscitadas questões de facto.

    4. O Acórdão recorrido, por sua vez, não obstante versar sobre a mesma questão de direito, foi proferido pelo STA, dado que o respectivo recurso se fundamenta exclusivamente em matéria de direito.

    5. Atendendo que no contencioso tributário, o legislador estabeleceu apenas um grau de recurso ordinário (conferindo ao TCA competência para apreciar, em ultima instância, questões de direito) e tendo em conta que os recursos para uniformização de jurisprudência têm por finalidade permitir que situações iguais recebam o mesmo tratamento jurisprudencial, dúvidas não podem subsistir que o legislador quis atribuir aos acórdãos proferidos pelo TCA, em sede de recurso, a mesma dignidade que confere aos acórdãos proferidos pelo STA.

    6. O que significa que não existe razão legal para diferenciar, no contexto específico do contencioso tributário, os acórdãos anteriormente proferidos pelo TCA em relação aos acórdãos proferidos posteriormente pelo STA, sobre a mesma matéria.

    7. Estamos, assim, perante uma situação que coloca a ora recorrente numa situação de desigualdade de tratamento, pois perante a mesma questão suscitada, foram proferidas duas soluções diferentes, não podendo a recorrente utilizar o único meio que a lei lhe confere para que a decisão ora recorrida possa vir ser alterada no sentido da jurisprudência assente no acórdão fundamento.

    8. Consubstancia assim uma violação do princípio da igualdade, previsto e tutelado no art. 13° da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

    9. Consubstancia também uma violação ao direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto e tutelado no art. 20. ° da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais ara defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

    (fls. 432 e 433)

  3. A Fazenda Pública apresentou as seguintes contra-alegações:

    (…)

    Não tem, porém, razão a recorrente, como abaixo, mais de espaço, deixaremos provado.

    Antes de mais porque a norma que no nosso sistema jurídico faz luz sobre a técnica interpretativa — o artigo 9° do Código Civil — dispõe que “não pode porém ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Ora o dispositivo posto em crise pela presente recurso, o nº 1 do artigo 152° do CPTA, dispõe:

    “As partes e o Ministério Público podem dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo, no prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão impugnado, pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência, quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição.

    a) Entre acórdão do Tribunal Central Administrativo e acórdão anteriormente proferido pelo mesmo Tribunal ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;

    b) Entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo.”

    Daqui decorre, numa primeira leitura, que a oposição relevante para o efeito de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência é a que se verifica entre um acórdão do TCA e outro anteriormente proferido — e transitado em julgado — pelo mesmo tribunal ou pelo STA; ou entre um acórdão do STA e outro anteriormente proferido — e transitado, repetimos — pelo mesmo STA.

    É tão claro e explícito o sentido da norma posta em crise que o sentido defendido pela Recorrente é manifestamente contra-legem. Claro que será mesmo por isso que ela vem agora pôr a questão da sua pretensa inconstitucionalidade.

    Vejamos pois se ela se verifica.

    II

    Assaca a Recorrente, ao sentido interpretativo dado pelo STA à norma posta em crise, dois vícios geradores de inconstitucionalidade:

    i) Violação do princípio da igualdade e

    ii) Violação do direito a tutela jurisdicional efectiva

    Quanto à violação do princípio da igualdade é óbvio que ele se não verifica. Se alguma desigualdade de tratamento se pode divisar no caso dos autos ela não se verifica entre cidadãos mas sim entre coisas — acórdãos — que são efectivamente desiguais na medida em que provêm de entidades distintas, os distintos tribunais que os proferiram. Ora a norma constitucional que consagra o princípio da igualdade não o refere a coisas mas a cidadãos. Ou pretenderá a Recorrente que a interpretação por ela atacada só é feita no seu caso e que outros recorrentes em situação semelhante são tratados diferentemente, beneficiando do sentido interpretativo que a recorrente defende presentemente? Se tal acontecesse, ocorreria violação do princípio da igualdade. Mas a Recorrente não invoca tal e muito menos faz a respectiva prova. Não se verifica, consequentemente, violação do princípio da igualdade ou qualquer descriminação da recorrente em razão dos critérios enunciados no n°2 do mesmo artigo 13° da CRP.

    Quanto à violação do direito a tutela jurisdicional...

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